segunda-feira, 27 de março de 2017

Como Franklin Roosevelt piorou a Depressão

Como Franklin Roosevelt piorou a Depressão
Franklin Delano Roosevelt "realmente nos tirou da Depressão", disse o líder republicano Newt Gingrich a um grupo de republicanos após as eleições parlamentares de 1994, e isso faz de FDR "a maior figura do século XX". Como retórica política, seria mais provável que a declaração acima tivesse vindo de alguém que não apóia a economia de mercado. Afinal, o New Deal representou a maior expansão do poder do governo federal em tempos de paz em todo o século XX. Mais ainda, a visão de Gingrich de que FDR salvou os EUA da Depressão é indefensável; as políticas de Roosevelt prolongaram e aprofundaram a depressão.
Não há duvidas de que Roosevelt mudou as feições do governo americano - para pior. Muitas das reformas da década de 1930 permanecem entranhadas nas políticas atuais: distribuição arbitrária de terras, subvenção de preços e controles de mercado para a agricultura, ampla regulação de títulos privados, intromissão federal sobre as relações entre sindicatos e empregadores, governo fazendo empréstimos e atividades seguradoras, o salário mínimo, seguro-desemprego nacional, Previdência Social e pagamentos assistencialistas, produção e venda de energia elétrica pelo governo federal, papel-moeda de curso forçado - a lista é infindável.
A revolução de Roosevelt começou já com seu discurso de inauguração, que não deixou dúvidas sobre suas intenções de se aproveitar e se apoderar do momento para proveito próprio. Sempre lembrado por sua evidentemente falsa declaração de que "a única coisa da qual devemos ter medo é o próprio medo", Roosevelt também, nesse discurso, já clamava por extraordinários poderes governamentais que ele considerava emergenciais.
No dia seguinte à posse de FDR, ele emitiu uma proclamação na qual convocava o Congresso para uma sessão extraordinária. Antes que essa sessão ocorresse, ele decretou um feriado bancário nacional - uma atitude que ele se recusou a endossar quando Hoover a havia sugerido apenas três dias antes.
Invocando o decreto Trading with the Enemy[1], de 1917, Roosevelt declarou que "todas as transações bancárias deveriam ser suspensas". Os bancos só poderiam reabrir após uma minuciosa inspeção seguida de uma aprovação do governo, um procedimento que se arrastava por meses. Essa ação intensificou no público a sensação de crise e permitiu que Roosevelt ignorasse as tradicionais restrições sobre o poder do governo central.
Roosevelt e seus assessores econômicos entenderam a Depressão de maneira completamente equivocada, invertendo as relações de causa e efeito. Eles não entenderam que os preços haviam caído por causa da Depressão; eles acreditavam que a Depressão era o resultado da queda dos preços. Assim sendo, o remédio óbvio - pensaram eles - seria aumentar os preços, o que eles decidiram fazer através da criação artificial de escassez em vários setores da economia. Consequentemente, um compêndio de políticas malucas foi surgindo com o intuito de curar a Depressão através da redução da produção. O esquema era tão evidentemente auto-destrutivo que é difícil crer que alguém acreditava piamente que ele iria funcionar.
A aplicação mais idiota da teoria tinha a ver com o preço do ouro. Começando com o feriado bancário e prosseguindo até um maciço programa de compra de ouro, Roosevelt abandonou o padrão-ouro, que é a base fundamental para se restringir a inflação e o crescimento estatal. Ele nacionalizou o estoque monetário de ouro, proibiu sua posse privada (exceto para jóias, para uso científico e industrial, e para pagamentos externos), e anulou todos os contratos - públicos ou privados, antigos ou futuros - que demandavam pagamento em ouro.
Além de ser um roubo simples e direto, o confisco do ouro não funcionou. Seu preço aumentou de $20,67 para $35 por onça, um aumento de 69%, mas o nível dos preços domésticos aumentou apenas 7% entre 1933 e 1934; e até o final da década o nível de preços sequer chegou a aumentar. A desvalorização provocada por FDR levou a retaliações por parte dos outros países, sufocando ainda mais o comércio internacional, intensificando a depressão nas economias ao redor do mundo.
Após ter aleijado o sistema bancário e destruído o padrão-ouro, Roosevelt voltou-se para a agricultura. Trabalhando com o politicamente influente Farm Bureau[2] e com a gangue de Bernard Baruch[3], Roosevelt decretou o Agricultural Adjustment Act, em 1933. Ele estipulava controles sobre a produção e sobre o tamanho das terras, restringia acordos até então feitos livremente no mercado e regulamentava licenças para produtores e negociantes com o objetivo de "eliminar práticas e custos injustos"; autorizava novos empréstimos governamentais, taxava processadores de commodities agrícolas e recompensava agricultores que reduzissem a produção.
O objetivo era aumentar os preços das commodities agrícolas até que eles atingissem um nível de "paridade" muito maior. Os milhões que mal podiam alimentar e vestir suas famílias devem ser perdoados por questionarem a nobreza de um programa planejado para tornar os alimentos e os produtos têxteis mais caros. Apesar de essa ter sido chamada de "medida de emergência", nenhum presidente americano desde então resolveu declarar que a emergência está findada.
A indústria foi praticamente nacionalizada pelo decreto National Industrial Recovery Act, assinado por Roosevelt em 1933. Como a maioria das legislações do New Deal, esse decreto foi o resultado de um acordo conciliatório entre vários grupos de interesses: empresários querendo preços mais altos e mais barreiras à concorrência, sindicalistas buscando proteção e patrocínio governamental, assistentes sociais querendo controlar as condições de trabalho e proibir o trabalho infantil, e os habituais proponentes de gastos maciços em obras públicas.
A legislação permitiu que o presidente Roosevelt tivesse a autoridade para licenciar empresas ou controlar importações com o intuito de atingir objetivos vagamente definidos pelo decreto. Todas as indústrias tinham de seguir normas de "concorrência justa". Essas normas continham cláusulas que determinavam as horas máximas de trabalho, o salário mínimo e as condições "decentes" de trabalho. Toda a política se baseava na dúbia noção de que tudo o que o país mais precisava eram cartéis, preços altos, menos trabalho e custos trabalhistas exorbitantes.
Para administrar esse decreto, Roosevelt criou a National Recovery Administration e indicou o General Hugh Johnson, um amigo íntimo de Baruch e um ex-recrutador militar, como diretor. Johnson adotou o famoso emblema da "Águia Azul" e obrigou todos os estabelecimentos a exibi-lo, bem como a aceitar as leis e regulamentos da NRA. Havia desfiles, cartazes, pôsteres, outdoors, bottons e anúncios de rádio, todos feitos para silenciar aqueles que questionavam as políticas adotadas. Desde a Primeira Guerra Mundial não havia nada parecido com essa efusão de publicidade espalhafatosa e coerção. Diminuir preços foi considerado "trapaça", algo equivalente a uma traição. Toda essa política foi reforçada por um vasto sistema de agentes e informantes.
No final, a NRA aprovou 557 leis básicas e 189 suplementares, cobrindo quase 95% de todos os empregados industriais. Grandes empresários controlavam a criação e a execução dos documentos. Eles geralmente almejavam suprimir a concorrência. Figurando proeminentemente nesse empenho estavam quesitos como preços mínimos aceitáveis, conluio de preços oligopolísticos, padronização de produtos e serviços, e notificação antecipada de intenção de se alterar preços. Tendo ganho o comprometimento do governo em pacificar a concorrência, os magnatas simplesmente se puseram a desfrutar de um sossego lucrativo.
Mas o entusiasmo inicial se evaporou quando a NRA não cumpriu sua promessa, e por razões óbvias. Mesmo seus apoiadores do mundo corporativo começaram a se opor aos maciços controles governamentais que ela requeria. Já em 1935, quando a Suprema Corte invalidou todo o empreendimento, a maioria dos defensores da NRA já tinha perdido o ânimo com a empreitada.
Ao revogar a NRA, o juiz da Suprema Corte Evans Hughes escreveu que "condições extraordinárias não criam ou ampliam poderes constitucionais". O Congresso "não pode delegar poder legislativo ao Presidente de modo que ele tenha irrestrita liberdade de ação para criar quaisquer leis que pense ser necessárias".
Apesar dessa decisão judicial, o "método NRA" não desapareceu por completo. Uma enxurrada de decretos intervencionistas surgiu logo após sua extinção. Por exemplo, a lógica econômica da NRA reapareceu no National Labor Relations Act, de 1935, restabelecendo privilégios sindicais, e no Fair Labor Standards Act, de 1938, estipulando regulamentações para salários e horas de trabalho. O Bituminous Coal Act, de 1937, reinstalou leis típicas da NRA para a indústria carvoeira, incluindo congelamento de preços. A Works Progress Administration transformou o governo no empregador de última instância. Utilizando o Connally Act, de 1935, Roosevelt cartelizou a indústria petrolífera. No fim, é claro, a Suprema Corte acabou mudando de idéia e se integrou ao jeito Roosevelt de pensar.
Mesmo depois de tudo isso, a grande promessa do fim do sofrimento nunca se concretizou. À medida que o setor estatal foi drenando o setor privado, controlando-o em detalhes alarmantemente minuciosos, a economia foi chafurdando na depressão. O impacto conjunto das intervenções de Herbert Hoover e de Roosevelt sobre a economia foi fatal, pois o governo em momento algum deixou o mercado se corrigir a si próprio. Longe de ter tirado os EUA da Depressão, FDR não só a prolongou como também a aprofundou, levando um sofrimento desnecessário para milhões.
Ainda mais trágico é o duradouro legado de Roosevelt. O comprometimento que tanto as massas como as elites tinham com o individualismo, o livre mercado e um governo limitado sofreu um golpe súbito na década de 1930, golpe do qual o país ainda tem que se recuperar por completo. A teoria da economia mista, na qual o estado controla a economia de mercado, ainda é a ideologia dominante que sustenta todas as políticas governamentais. Em lugar da velha crença na liberdade, temos hoje uma tolerância maior com - e até mesmo uma demanda por - esquemas coletivistas que prometem seguridade social, proteção contra os rigores da concorrência de mercado e alguma coisa em troca de nada.
"Nunca é possível estudar Franklin Delano Roosevelt em excesso", disse Gingrich. Mas se estudarmos FDR com reverência, a lição que aprenderemos será essa: o governo é um meio imensamente útil para quem quiser atingir suas aspirações particulares, e recorrer a esse reservatório de benefícios potencialmente apropriáveis é perfeitamente legítimo.
Uma coisa que devemos definitivamente temer é o político que acredita nisso.
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[1] Lei federal para restringir o comércio dos EUA com países que lhes são hostis. Essa lei dá ao presidente americano o poder para supervisionar ou restringir todas as transações comerciais entre os EUA e países inimigos em tempos de guerra. [N. do T.]
[2] Organização lobista que representa os agricultores e fazendeiros dos EUA. [N. do T.]
[3] Bernard Baruch foi um financista, especulador da bolsa, ocupante de cargos públicos e conselheiro presidencial. Foi após ter obtido sucesso nos negócios que ele se tornou o mentor de presidentes democratas - como Woodrow Wilson, além do próprio Roosevelt - para assuntos econômicos. Foi um dos criadores da idéia de que, durante uma guerra, o estado deve controlar todos os aspectos da economia, e pouco espaço deve ser dado à iniciativa privada. [N. do T.]

O New Deal ridicularizado (novamente)

O New Deal ridicularizado (novamente)
Criadores de modelos macroeconômicos finalmente descobriram aquilo que Henry Hazlitt e John T. Flynn (entre outros) já sabiam desde os anos 1930: o New Deal de Franklin Delano Roosevelt (FDR) alongou e aprofundou a Grande Depressão. Não passa de mito a tese de que FDR "nos tirou da Depressão" e "salvou o capitalismo de si próprio", como tem sido ensinado a gerações de americanos (e, conseqüentemente, ao resto do mundo) em todas as instituições educacionais estatais.
A descoberta de tal fato da parte dos macroeconomistas vem na forma de um artigo, de agosto de 2004, no Journal of Political Economy intitulado "New Deal Policies and the Persistence of the Great Depression:  A General Equilibrium Analysis", pelos economistas Harold L. Cole e Lee E. Ohanian, ambos da UCLA. E isso é de grande importância, dado que o JPE é tido como o periódico acadêmico mais importante do mundo econômico.
"O produto interno bruto real por adulto, que estava 39 por cento abaixo da média histórica no auge da Depressão em 1933, permaneceu 27 por cento abaixo dessa mesma média histórica em 1939", escrevem os autores. E "De maneira similar, as horas de trabalho na iniciativa privada estavam 27 por cento abaixo da média em 1933 e permaneceram 21 por cento abaixo da média em 1939".
Isso não deve ser nenhuma surpresa para qualquer um que tenha estudado a realidade da Grande Depressão, já que as estatísticas do U.S. Census Bureau mostram que a taxa oficial de desemprego ainda era de 17,2 por cento em 1939, não obstante os sete anos de "salvação econômica" implementados pela administração Roosevelt (a taxa de desemprego normal, antes da Depressão, era de aproximadamente 3 por cento). O PIB per capita era menor em 1939 do que em 1929 ($847 vs. $857), bem como os gastos pessoais em consumo ($67,6 bilhões vs. $78,9 bilhões), tudo de acordo com os dados do Census Bureau. O investimento privado líquido no período de 1930-1940 foi negativo, de -$3,1 bilhões.
Cole e Ohanian escrevem como se estivessem muito surpresos - até mesmo chocados - em descobrir esses fatos; não porque se sentissem enganados pelo Mito do New Deal, mas por causa de sua devoção irrestrita aos "modelos neoclássicos" em oposição ao mero estudo daquilo que verdadeiramente constitui a realidade econômica. Eles consideram "surpreendente" o fato de que a recuperação da Grande Depressão foi "muito fraca" (uma declaração dramaticamente suavizada). E por que é tão surpreendente? Porque "esses dados se contrastam fortemente com a teoria neoclássica . . ."
A teoria neoclássica sobre depressões pode muito bem ser pensada como uma teoria Frankenstein. De acordo com Cole e Ohanian, "Essa fraca recuperação é algo enigmática porque os grandes choques negativos que segundo alguns economistas causaram a recessão de 1929-1933 - incluindo os choques monetários, os choques de produtividade e os choques do sistema bancário - se tornaram positivos após 1933". Assim, de acordo com a teoria neoclássica, a economia durante uma depressão é como se fosse um Frankenstein debilitado, com os economistas atuando no papel dos cientistas loucos que aplicam choques na besta até que ela se torne um ser vivo novamente. Eles fazem isso com várias "injeções" de gastos governamentais e crédito fácil que supostamente irão provocar uma estrondosa recuperação (assim como a besta rejuvenescida urrou quando deixou o laboratório para ir aterrorizar os habitantes da cidade no filme "O Jovem Frankenstein", comédia de Mel Brooks.)
"A base monetária aumentou mais de 100 por cento entre 1933 e 1939", escrevem os autores, argumentando que tal "choque monetário" deveria ter devolvido a economia à sua normalidade. Eles invocam a autoridade de macroeconomistas famosos como Robert Lucas e Leonard Rapping, que certa vez proclamou que "choques monetários positivos deveriam ter produzido uma forte recuperação, e o emprego deveria ter retornado ao seu nível normal até 1936".
Mas como Murray Rothbard mostrou em sua obra America's Great Depression, foram as políticas de crédito fácil do início e meados dos anos 1920 que criaram todos os maus investimentos que provocaram a Grande Depressão. A única atitude correta teria sido permitir a liquidação de centenas de negócios sobrecapitalizados. Ao invés disso, o banco central (Federal Reserve) aumentou a base monetária em 100 por cento em um período de cinco anos, causando mais dos mesmos problemas de sobrecapitalização que foram justamente as causas do problema.
Para complementar tudo isso, praticamente cada uma das políticas do New Deal de FDR apenas piorou as coisas e prolongou ainda mais a Depressão. Os economistas austríacos já sabem disso há décadas, mas ao menos parece que os modeladores neoclássicos finalmente perceberam o óbvio - pelo menos é o que se espera.
Cole e Ohanian aparentemente emergiram daquele rarefeito mundo das modelagens macroeconômicas por um período suficiente para descobrir que o chamado Primeiro New Deal (1933-1934) foi um gigantesco esquema de cartel, pelo meio do qual o governo tentou impor uma cartelização dos preços e uma redução do nível de produção em centenas de indústrias e na agricultura. Obviamente isso já foi bem documentado no livro de John T. Flynn, The Roosevelt Myth, publicado inicialmente em 1948. Henry Hazlitt também já havia escrito sobre isso 15 anos antes. "As políticas de cartelização do New Deal são um fator chave por trás da fraca recuperação, sendo responsáveis por aproximadamente 60 por cento da diferença entre o nível de produção da época e a média histórica", escrevem os autores.
Que tenha demorado tanto para que o "mainstream" da economia neoclássica reconhecesse este fato é realmente assombroso. Por várias gerações seus próprios livros-textos vêm ensinando que cartéis "restringem a produção" para poder aumentar os preços. Também nunca foi nenhum segredo o fato de que a essência do Primeiro New Deal se baseava no uso dos poderes coercivos do governo para se elevar salários e preços através da cartelização de toda a economia.
FDR e seus conselheiros erroneamente acreditavam que a Depressão foi causada por uma queda nos preços; sendo assim, preços mais altos - sustentados por ameaças de violência, coerção e intimidação pelo estado - seriam a "solução". Além do mais, não é nenhum mistério que, se houver menos produção, será necessário um número menor de trabalhadores, o que, consequentemente, levará a uma alta do desemprego. Assim, a teoria econômica neoclássica padrão já deveria há muito ter percebido que o Primeiro New Deal nada mais foi do que um colossal esquema produtor de desemprego.
A triplicação de impostos feita por FDR, sua regulamentação dos negócios, e sua implacável propaganda anti-iniciativa privada também contribuíram para piorar a Grande Depressão, mas nada supera suas políticas trabalhistas, que provavelmente foram as mais danosas para as perspectivas de emprego dos trabalhadores americanos. Sob esse aspecto, a parte mais desapontadora do artigo de Cole e Ohanian é que eles sequer citam o trabalho pioneiro de Richard Vedder e Lowell Gallaway, Out of Work: Unemployment and Government in Twentieth Century America, publicado em 1993.
E é realmente vergonhoso que eles não mencionem esse renomado trabalho ao mesmo tempo em que usam essencialmente os mesmos argumentos de Vedder e Gallaway. Eles recitam muitos dos mesmos fatos sobre política trabalhista: leis do NIRA (National Industrial Recovery Act) que estabeleceram salários mínimos similares tanto para os trabalhadores pouco qualificados como para os de alta qualificação; os empregadores que receberam ordens de negociar coletivamente com os sindicatos, aos quais foram dados uma miríade de vantagens legislativas nos processos de acordos trabalhistas, todos reforçados pela recém criada NLRB (National Labor Relations Board). Todas estas políticas encareceram a mão-de-obra. Conseqüentemente, como a lei econômica da demanda já nos ensinou, o inevitável resultado só poderia ser o aumento do desemprego.
Entre 1936 e 1937, as atividades grevistas dobraram. Em 1936 ocorreram greves equivalentes a uma perda de 14 milhões de dias de trabalho, valor esse que apenas um ano depois dobrou para 28 milhões. E somente em 1937 os salários subiram quase 15 por cento. A diferença salarial entre trabalhadores sindicalizados e não-sindicalizados, que era de 5 por cento em 1933, foi para 23 por cento em 1940. A recém-criada Previdência Social, bem como outros impostos sobre a folha de pagamento criados para bancar o seguro-desemprego, encareceram ainda mais o custo de se empregar alguém. O que tudo isso mostra é que durante um período de fraca e declinante demanda por trabalho, as políticas do governo empurraram significativamente para o alto os custos da mão-de-obra, fazendo com que os empregadores a demandassem cada vez menos.
Vedder e Gallaway conduziram uma avaliação econométrica dessas custosas políticas trabalhistas e concluíram que grande parte do desemprego anormal ocorrido nessa década de 30 não teria ocorrido não fossem essas políticas governamentais. Eles estimaram que em 1940 a taxa de desemprego foi oito pontos percentuais mais alta do que teria sido caso não tivesse havido esse crescimento do sindicalismo, induzido pelas legislações criadas, e caso não houvesse esses custos trabalhistas recém ordenados pelo governo. Eles então concluem que "A Grande Depressão foi significativamente prolongada, tanto em sua duração como em sua magnitude, pelo impacto dos programas do New Deal" (pág. 141).
Cole e Ohanian chegaram exatamente às mesmas conclusões, mas expressaram-nas naquele linguajar tipicamente convoluto que sempre é utilizado nos "principais periódicos econômicos": "As políticas industriais e trabalhistas do New Deal não tiraram a economia da Depressão . . . . Ao contrário, as políticas coligadas de aumento do poder de barganha da mão-de-obra e da articulação de conluios com o pagamento de maiores salários impediram que houvesse uma recuperação normal, criando-se cismas e um ineficiente atrito entre os que estavam dentro dos sindicatos com os que estavam fora, o que levou a um aumento significativo dos salários e a uma restrição do emprego . . . .  o abandono dessas políticas coincidiu com a forte recuperação econômica da década de 1940".
Esta última conclusão - que o abandono das políticas de FDR "coincidiu" com a recuperação dos anos 40 - foi muito bem documentada por um outro autor que também foi ignorado por Cole e Ohanian: Robert Higgs. Em "Regime Uncertainty:  Why the Great Depression Lasted So Long and Why Prosperity Resumed after the War" (Independent Review, 1997), Higgs mostrou que foi a relativa esterilização das políticas do New Deal, junto com uma redução (em dólares absolutos) do orçamento federal de $98,4 bilhões em 1945 para $33 bilhões em 1948, que permitiu a recuperação econômica. A produção do setor privado aumentou quase um terço apenas no ano de 1946, o que fez com que o investimento do capital privado aumentasse pela primeira vez em dezoito anos.
Em resumo: foi o capitalismo que realmente encerrou a Grande Depressão, não a cartelização desmiolada promovida por FDR, seus aumentos salariais, sua sindicalização maciça, e suas políticas de expansão do assistencialismo. É bom ver que o Journal of Political Economy, a Universidade de Chicago e a UCLA estão finalmente abraçando a erudição libertária de Richard Vedder, Lowell Gallaway, Robert Higgs, Jim Powell (autor de FDR's Folly) e os predecessores destes, tais como Henry Hazlitt, John T. Flynn, Murray Rothbard,  F.A. Hayek, William H. Hutt, Benjamin Anderson, e outros associados à Escola Austríaca.
Antes tarde do que nunca.

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Hoover e a fraudulenta história da Grande Depressão

Hoover e a fraudulenta história da Grande Depressão

Desde o final de 2007, mais e mais comentaristas econômicos vêm delineando paralelos entre a atual crise financeira e a Grande Depressão.  Prêmios Nobel e conselheiros presidenciais confiantemente proclamam que foi Herbert Hoover e sua frugalidade laissez-faire que exacerbaram a Depressão, e que a economia americana foi salva somente depois que Franklin Delano Roosevelt ousadamente gerou vários déficits orçamentários para lutar contra os nazistas.  Mas como documentado em meu novo livro, The Politically Incorrect Guide to the Great Depression and the New Deal, essa história oficial é totalmente falsa.
Primeiro vamos falar claramente sobre as políticas fiscais de Herbert Hoover.  Contrariamente ao que você ouviu na escola ou tem lido recentemente, Hoover adotou um comportamento típico de um livro-texto keynesiano após a queda da bolsa de valores.  Ele imediatamente cortou as alíquotas do imposto de renda em 1% (válida para o ano fiscal de 1929) e começou a ampliar os gastos federais, aumentando-os em 42% entre os anos ficais de 1930 e 1932.
Mas para que realmente avaliemos as credenciais genuinamente keynesianas de Hoover, vale lembrar que esse imenso aumento dos gastos ocorreu em simultâneo a um colapso das receitas de impostos, decorrentes tanto do declínio da atividade econômica quanto da deflação de preços do início da década de 30.  Essa combinação fez com que a administração Hoover gerasse um nível de déficits até então sem precedentes na história americana, para períodos de paz.  E o que é mais interessante: a plataforma da campanha presidencial de Roosevelt atacava justamente esses feitos de Hoover!
Quão grandes foram os déficits de Hoover?  Bem, seu antecessor, Calvin Coolidge, havia gerado superávits em absolutamente todos os seis anos de sua presidência, e ele foi capaz de manter o orçamento federal praticamente em níveis constantes, não obstante toda a prosperidade (e o consequente aumento da arrecadação) dos anos 20.  Contrariamente a Coolidge - que realmente foi um presidente que prezava um estado pequeno - Herbert Hoover conseguiu transformar um superávit inicial de $700 milhões em um déficit de $2,6 bilhões já em 1932.  E exatamente esses anos de forte aumento de gastos e déficits, foram os anos em que o desemprego mais subiu.
É verdade que, pelas cifras atuais, esses números não parecem grande coisa; durante o último ano do governo Bush, o Secretário do Tesouro Henry Paulson dava valores muito maiores aos banqueiros - durante o café de manhã.  Mas tenha em mente algo muito importante: o déficit de $2,6 bilhões ocorreu porque Hoover gastou $4,6 bilhões ao mesmo tempo em que coletou $2,6 bilhões de impostos.  Ou seja: como porcentagem do orçamento total, esse déficit de 1932 foi algo estarrecedor - mais de 56% do orçamento.  Seria o equivalente aos EUA terem tido um déficit de $3.3 trilhões em 2007 (quando o déficit naquele ano foi de $162 bilhões).  Em termos do PIB, o déficit de 1932 foi o equivalente a 4%, o que dificilmente classificaria Hoover como um 'desalmado' cortador de gastos.
O real motivo de o desemprego ter explodido durante o mandato de Hoover não foi seu 'aversão' a déficits ou sua 'paixão' pelo padrão-ouro.  Não.  A conduta que distanciou Hoover de todos os presidentes americanos anteriores foi a sua insistência de que as grandes empresas não diminuíssem os salários como resposta ao colapso econômico.  Hoover tinha a errônea noção de que o poder de compra dos trabalhadores era a fonte de solidez de uma economia, e que, portanto, haveria um ciclo vicioso se as empresas começassem a demitir empregados e a cortar salários em decorrência de uma queda na demanda.
Os resultados falam por si sós.  Durante a cruel e insensível era "liquidacionista", antes de Hoover, as depressões (ou "pânicos") regularmente acabavam em menos de dois anos.  Sim, certamente não era nada divertido para os trabalhadores ver seus contracheques encolhendo rapidamente.  Porém isso assegurava uma rápida recuperação - e, em todo caso, o impacto era amortecido porque os preços também caíam.
Assim, qual foi o destino dos trabalhadores durante a presumivelmente compassiva era Hoover, quando os 'esclarecidos' líderes empresariais mantiveram inalterados os salários em meio a uma forte queda nos preços e lucros?  Bom, a economia básica nos ensina que preços mais altos fazem com que uma menor quantidade de algo seja comprada.  E como o "salário real" (isto é, o valor nominal ajustado pela deflação nos preços) dos trabalhadores aumentou mais rapidamente nos início dos anos 30 do que havia aumentado até mesmo durantes os "Vibrantes anos 20", as empresas não podiam bancar a contratação de mais gente.  Não havia recursos para tal.  Foi por isso que o desemprego disparou para inimagináveis 28% em março de 1933.
"Isso tudo é muito interessante", o leitor cético pode dizer, "mas é inegável que a enorme gastança da Segunda Guerra Mundial tirou os EUA da Depressão.  Portanto, é óbvio que Herbert Hoover não gastou o suficiente."
Ah, agora chegamos a um dos maiores mitos da história econômica, o suposto "fato" de que os gastos militares americanos salvaram a economia.  Em meu livro, baseei-me enormemente no trabalho pioneiro e revisionista de Bob Higgs, que mostrou em vários artigos e livros que a economia americana estava atolada na depressão até 1946, sendo este o ano em que o governo federal finalmente relaxou seu controle sobre a economia, liberando os recursos e trabalhadores do país.  Foi esse o ano em que o governo federal cortou nada menos que 33% de seu orçamento, liberando recursos para o setor produtivo da economia.
Para uma completa exposição, você terá (naturalmente) de comprar meu livro.  Mas aqui vai um rápido resumo: é óbvio que as taxas de desemprego caíram acentuadamente depois que os EUA começaram a recrutar compulsoriamente homens para as forças armadas.  Isso não deveria ser nada surpreendente.  Da mesma forma, se Obama quiser reduzir o desemprego americano hoje, basta ele pegar dois milhões de trabalhadores demitidos, equipá-los com armas e botes infláveis, e mandá-los para combater piratas.  Voilà!  A taxa de desemprego cairia.
As medidas oficiais do governo americano, que mostram um PIB crescente durante os anos da guerra, também são enganosas.  Os números do PIB incluem o gasto governamental, o que faz com que os magnânimos dispêndios militares sejam considerados globalmente.  Porém sabemos que $1 milhão gasto em tanques dificilmente representa a mesma genuína produção econômica decorrente de $1 milhão gasto pelas famílias na compra de carros, por exemplo.
Além dessa distorção, Higgs nos lembra que o governo americano instituiu controle de preços durante a guerra.  Se o Banco Central imprime muito dinheiro para possibilitar ao governo comprar enormes quantidades de bens (tais como munições e bombardeiros, neste caso), o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) vai disparar.  Assim, quando os estatísticos econômicos forem calcular os números do PIB nominal, eles terão de ajustá-los para baixo por causa do forte aumento ocorrido no custo de vida, o que fará com que o PIB "ajustado pela inflação" (real) não pareça tão impressivo.  Mas esse ajuste não pôde ocorrer à época, pois o governo proibiu que o IPC aumentasse.  Portanto, os números oficiais que mostram o "PIB real" americano aumentando durante a Segunda Guerra Mundial são tão falsos quanto os anúncios da União Soviética sobre suas façanhas industriais.
Nesse artigo, tratei apenas superficialmente todos os mitos que permeiam a Grande Depressão e o New Deal.  Por exemplo, também nos é dito constantemente - dessa vez pelos economistas de Chicago, e não pelos keynesianos - que "aprendemos durante a Depressão" que o Banco Central precisa expandir rapidamente a base monetária para evitar o desastre.  Oops, mais uma fraude.  A base monetária aumentou 31% do final de 1930 até o início de 1933, ano dos piores números.  Mas você terá de comprar meu livro para entender melhor.

N. do T.: O livro anterior de Murphy, The Politically Incorrect Guide to Capitalism, foi traduzido pela editora Saraiva sob o título (ruim) de Pecados do Capital.  A tradução, porém, tem erros graves.  Um trecho em que Murphy fala claramente que o padrão-ouro funcionaria no mundo atual foi traduzido como 'não funcionaria'.  Sugerimos ao leitor fluente em inglês optar pela edição original.  
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Quando Barack Obama exigiu rapidez na aprovação de mais um pacote de estímulo em fevereiro - atitude essa que vem sendo emulada por quase todos os países do mundo - ele afirmou que somente uma ação ousada do governo iria impedir que a economia caísse em uma profunda depressão.  Ao fazer esse argumento, ele estava apenas papagaiando o pensamento convencional dominante, o qual afirma que os mercados não se autocorrigem - exceto em um prazo muito longo - e que a intervenção estatal é necessária para reativar a atividade econômica.
Nós, os seguidores da sólida teoria econômica (isto é, a teoria austríaca), sabemos por que esse pensamento é errôneo, bem como também sabemos por que mesmo uma eventual aparente prosperidade que tais medidas possam produzir causam danos ainda maiores e levam a uma correção ainda mais severa no longo prazo. 
Mas para aqueles que não se contentam apenas com a teoria - e por isso exigem exemplos práticos - podemos mostrar um testemunho da história.  Em particular, a depressão americana de 1920-1921, sobre a qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar, é um ótimo exemplo de retomada de prosperidade na ausência de estímulos governamentais.  Se, como dizem os bem-pensantes, uma economia não pode se recuperar na ausência de intervenções estatais, então o que ocorreu em 1920-1921 não poderia ter sido possível.  Mas foi.
Durante e após a Primeira Guerra Mundial, o Federal Reserve (o Banco Central americano) inflacionou a oferta monetária substancialmente.  Quase toda a economia americana estava voltada para o esforço da guerra.  Com o fim desta - e com os preços em alta - a economia precisava se reorganizar.  E foi aí que começou o período de correção (recessão).  O Fed passou a aumentar a taxa de redesconto - a taxa à qual ele fazia empréstimos para os bancos - e a economia desacelerou, começando a se reajustar para a realidade.  Já em meados de 1920, a recessão havia se tornado severa, com a produção caindo 21% durante os doze meses seguintes.  O número de pessoas desempregadas saltou de 2,1 milhões em 1920 para 4,9 milhões em 1921.  A taxa de desemprego subiu de 5,2% em 1920 para 12% em 1921.
De 1929 em diante, Herbert Hoover e depois Franklin Roosevelt tentaram combater uma depressão econômica encarecendo os custos da mão-de-obra.  Warren G. Harding, por outro lado, disse em 1920, durante seu discurso de aceitação após ser confirmado como o candidato Republicano à presidência dos EUA: "Eu estaria cego às responsabilidades que marcam esse momento decisivo se eu não advertisse os assalariados americanos de que aumentos salariais conjugados com o declínio da produção podem levar apenas à ruína econômica e industrial".  Em outro momento, Harding explicou que salários, assim como os preços, precisariam cair para refletir as realidades econômicas do pós-bolha.
Poucos presidentes americanos são mais impopulares entre historiadores do que Harding, que é rotineiramente retratado como um bobo desajeitado que caiu de pára-quedas na presidência.  Entretanto, quaisquer que tenham sido suas deficiências intelectuais - e elas foram grotescamente exageradas, como recentes estudiosos vêm admitindo - e quaisquer que tenham sido seus defeitos morais (seu gabinete sofreu acusações de corrupção), ele compreendeu os fundamentos da expansão econômica, da recessão e da recuperação melhor do que qualquer outro presidente do século XX.
Harding semelhantemente condenava a inflação: "A brutal expansão da moeda e do crédito levaram a uma depreciação do dólar assim como a expansão e a inflação desgraçaram as moedas do resto do mundo.  Inflacionamos precipitada e apressadamente, e agora precisamos deflacionar cautelosamente.  Enfraquecemos o dólar com políticas monetárias negligentes, agora precisamos recuperá-lo honestamente".
E ao invés de prometer gastar somas inauditas, ele defendia o corte de gastos:
Tentaremos uma deflação inteligente e corajosa, e atacaremos a prática do endividamento governamental, algo que só aumenta o infortúnio e a nocividade, e atacaremos o alto custo do governo com todos meios e energia inerentes à capacidade republicana.  Prometemos o alívio que advirá da interrupção do gasto e da extravagância, e a renovação da prática da economia política, não apenas porque isso irá aliviar o fardo tributário, mas também porque será um exemplo para se estimular a poupança e a economia na esfera privada.
A economia, explicou Harding em seu discurso de posse no ano seguinte, "sofreu os choques e tremores relativos à demanda anormal, à inflação do crédito e ao distúrbio nos preços."  E agora o país estava sofrendo o inevitável processo de ajuste.  Nenhum atalho era possível:
As penalidades não serão leves e tampouco serão igualmente distribuídas.  E não há como fazer com que assim o seja.  Não há uma transição instantânea da desordem para a ordem.  Precisamos enfrentar uma realidade amarga, dar baixa em nossos prejuízos e começar novamente.  Esta é a lição mais antiga da civilização... Nenhuma modificação no sistema poderá operar um milagre.  Qualquer experimento aventureiro irá apenas adicionar mais confusão.  Nossa melhor garantia jaz na administração eficiente de nosso já fundamentado sistema.
Harding foi fiel às suas palavras, executando cortes orçamentários que haviam começado sob o debilitado governo de Woodrow Wilson.  Os gastos federais declinaram de $6,3 bilhões em 1920 para $5 bilhões em 1921 e $3,3 bilhões em 1922.  Simultaneamente, os impostos também foram cortados - para todos os grupos de renda.  E durante o curso da década de 1920, a dívida nacional americana foi reduzida em 33%.
Contrariamente ao Japão, que incorreu em uma maciça intervenção governamental em 1920 que paralisou sua economia e contribuiu para uma severa crise bancária sete anos depois, os EUA permitiram que sua economia se reajustasse.  "Em 1920-21," disse o economista Benjamin Anderson,
Encaramos nossos prejuízos, reajustamos nossa estrutura financeira, suportamos nossa depressão, e em agosto de 1921 recomeçamos nosso crescimento. ... A reação ocorrida na produção e no emprego, que começou em agosto de 1921, foi solidamente baseada em uma limpeza drástica do crédito malfeito, em uma drástica redução nos custos de produção, e na livre concorrência da iniciativa privada.  A reação não se baseou em nenhuma política governamental criada para subsidiar os negócios.
Eis os números: o PIB real - que foi de $146.4 bilhões em 1919, depois caindo para $140.0 em 1920 e finalmente despencando para $127.8 em 1921 - subiu para $148.0 em 1922 e $165.9 em 1923.  A taxa de desemprego - que havia sido de 1.4% em 1919, 5,2% em 1920 e 11,7% em 1921% - caiu para 6,7% em 1922 e 2,4% em 1923.  Tudo isso concomitante a um aumento nos juros (veja mais aqui).
Isso supostamente não poderia acontecer - ou pelo menos não tão rápido - na ausência de estímulos fiscais e monetários.  Mas em quem você vai acreditar: em Paul Krugman ou nos seus próprios olhos?
Naturalmente, alguns economistas modernos que analisaram o assunto ficaram estupefatos.  Como pode ter ocorrido uma recuperação econômica na ausência de suas estimadas propostas?  Robert Gordon, um keynesiano, admite que "as políticas governamentais para moderar a depressão e acelerar a recuperação foram mínimas.  As autoridades do Federal Reserve foram amplamente passivas. ... Apesar da ausência de uma política governamental de estímulo, a recuperação não demorou."  Kenneth Weiher, um historiador econômico, observa que "não obstante a severidade da contração, o Fed não utilizou seus poderes para aumentar a oferta a monetária e lutar contra a contração." Daí ele rapidamente concede que "a economia recuperou-se rapidamente da depressão de 1920-1921 e adentrou um período de crescimento bastante vigoroso."  Porém (assim como a maioria desses historiadores), ele prefere não se estender muito nesse fenômeno e nem extrair dele qualquer aprendizado.
Na realidade, Weiher, com ares superiores, diz que "isso foi em 1921, muito antes do conceito de política anticíclica ser aceito ou mesmo compreendido".  Hum... sim, e desprovida destas ferramentas 'indispensáveis', a economia americana recuperou-se mesmo assim.
O leitor provavelmente já notou que as recomendações e as ações de Harding são exatamente opostas à sabedoria convencional reinante nos círculos políticos, midiáticos e acadêmicos de hoje.  "O governo precisa fazer algo!", gritam todos.  Obama, o líder da turma, disse que declínios econômicos degeneram-se em depressões duradouras porque os governos deixam de agir com o vigor suficiente para impedi-los.
Não se trata de uma mera coincidência que a economia tenha retornado à normalidade de modo relativamente rápido após a depressão de 1920, ao passo que, diferentemente desta, as condições depressivas persistiram durante toda a década de 1930, uma década de intenso ativismo governamental.  Foi exatamente porque medidas de estímulos fiscais e monetários não foram tentadas, que a recuperação e o posterior e sólido progresso econômico ocorreram no início dos anos 1920.  E essa foi a última vez que um governo se absteve de intervir na economia em épocas de recessão.
A ideia de que estímulos fiscais e monetários são necessários para se curar uma depressão advém de um diagnóstico equivocado das causas das depressões econômicas.  Consequentemente, os remédios ministrados são completamente errados.  Por exemplo, a causa da recessão não é a ocorrência de um nível inadequado de gastos, mas sim o fato de que, no rastro de uma expansão econômica artificial induzida pelo banco central, a estrutura do capital fica em desacordo com as demandas dos consumidores.  A recessão é o período em que esse descompasso é retificado através da realocação do capital para empreendimentos mais apropriados.  Estímulos fiscais e monetários irão apenas interferir nesse rearranjo, atrasando esse processo de limpeza (dos investimentos errados) e reajuste (da estrutura do capital).
Harding, ao contrário da classe política atual, de fato entedia isso.  Desta forma, um dos mais odiados presidentes do século XX permitiu que os EUA enfrentassem uma recessão bem pior do que a atual pela qual estamos passando simplesmente deixando que o livre mercado fizesse os ajustamentos necessários.  E Harding, como seus comentários indicam, seguiu sua política de não fazer nada não por uma questão de inércia ou por ser incapaz de conceber abordagens alternativas; essa figura menosprezada era de fato um economista muito melhor do que a maioria dos gênios que presunçosamente querem nos instruir atualmente.
Atualmente, políticos de todos os cantos do mundo insistem que devemos aprender as lições da história - e de fato há lições para serem aprendidas.  Mas para o estado e seus intelectuais comprados, a história é um mero instrumento a ser colocado a serviço das propagandas exigidas pelo momento, e não uma fonte imparcial de sabedoria ou instrução.
É por isso que observar o desenvolvimento dos eventos atuais é como observar um trem indo vagarosamente para o precipício.  Você sabe que vai acabar em desastre, mas você é incapaz de fazer algo para pará-lo.  Sabemos que os políticos não irão aprender absolutamente nenhuma lição econômica que a história venha a ensinar.  Mas se eles não irão aprendê-las, nós teremos de.  Nem que seja para nos prepararmos para o desastre vindouro.
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Um conto de duas grandes depressões

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Warren G. Harding passou todo o seu mandato fazendo exatamente aquilo que um presidente deve fazer em tempo integral: divertir-se ao invés de regular a economia
Na recente conferência anual realizada pelos conservadores americanos (a CPAC - Conservative Political Action Conference - na qual comparecem ativistas conservadores, libertários e representantes eleitos de todo os EUA), o vencedor da eleição simulada para quem deveria ser o próximo candidato a presidente foi o congressista Ron Paul, seguido por Mitt Romney e Sarah Palin.
Uma das mais conhecidas posições de Ron Paul é sua defesa do retorno dos EUA ao padrão-ouro.  David Frum - um conservador membro do American Enterprise Institute e quem escrevia os discursos de George W. Bush - reagiu, responsabilizando o padrão-ouro pela Grande Depressão.
"Ameaçado pelo esgotamento de seu suprimento de ouro", disse Frum, "o governo sentiu que não tinha escolha: ele tinha de acabar com seu déficit orçamentário.  Assim, no limiar de uma severa contração econômica, o governo americano fez exatamente o oposto daquilo que os economistas recomendariam: cortou os gastos e aumentou os impostos - jogando a economia para uma depressão ainda maior."
Porém, como mostra a tabela abaixo, essa versão da história da Grande Depressão é totalmente fictícia.

Durante cada ano da administração Hoover, de 1929 a 1932, os gastos federais aumentaram.
Já em 1932, os gastos nominais haviam subido 50% desde 1929.  Mensurados em termos do poder de compra, os gastos praticamente dobraram.  E quando mensurados em termos da renda nacional, os gastos triplicaram.
Se um padrão-ouro impossibilita que haja aumento dos gastos do governo em resposta a uma recessão econômica - como afirmou Frum -, Herbert Hoover deu um exemplo prático de que é perfeitamente possível ocorrer o contrário.  E se um estímulo fiscal é a solução para o alto desemprego, então a Grande Depressão deveria ter terminado antes de ter começado. 
Isso gera uma pergunta óbvia: o que teria acontecido se Hoover tivesse feito exatamente aquilo que a lenda diz que ele fez - isto é, cortado gastos?  Para uma possível resposta, é válido dar uma olhada no que aconteceu uma década atrás, em uma outra Grande Depressão.
De 1920 a 1921, a taxa de desemprego aumentou 6,5 pontos percentuais e os preços caíram mais de 10%.  Vistos sem o benefício da retrospectiva, tais ocorrências obviamente prenunciavam o início de uma depressão.  Comparando-se o aumento no desemprego e a queda nos preços do período 1920-1921 aos números praticamente idênticos de 1930-1931, seria uma aposta certa imaginar que haveria uma Grande Depressão no início da década de 1920.
Mas o presidente Warren G. Harding agiu exatamente como imaginam (erroneamente) que Hoover tenha agido.  Já em 1923, os gastos federais haviam sido reduzidos para a metade do que foram em 1920.  A tabela mostra o resultado.  A taxa de desemprego, que havia atingido uma média de 11,7% em 1921, caiu já em 1923 para 2,4%.  Apenas um ano de desemprego alto ao invés dos 11 anos sob Hoover e depois sob Roosevelt.
Foi a Grande Depressão que nunca houve.
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1920 - a última depressão na qual um governo não se intrometeu foi também a mais rápida

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É um clichê dizer que, se não estudarmos o passado, estamos condenados a repeti-lo.  Algo praticamente infalível, também, é o fato de que, se há lições a serem aprendidas de um episódio histórico, a classe política irá sempre se ater às erradas - e deliberadamente.
Longe de verem o passado como uma potencial fonte de sabedoria e discernimento, os regimes políticos têm o hábito de utilizar a história como uma arma ideológica, que deve ser distorcida e manipulada sempre a serviço das ambições do presente.  Foi isso o que Winston Churchill tinha em mente quando descreveu a história da União Soviética como "imprevisível".
Por essa razão, não é nenhuma surpresa que os líderes políticos tenham feito um uso tão transparentemente ideológico do passado na esteira da crise financeira que atingiu o mundo em 2008.  De acordo com a sabedoria convencional, que é incessantemente repetida, a temida Grande Depressão americana da década de 1930 foi o resultado de um excesso de capitalismo, e somente as sábias intervenções políticos progressistas da época foram capazes de restaurar a prosperidade.
Muitos daqueles que reconhecem que os programas do New Deal não tiveram êxito em retirar os EUA da depressão não hesitam, todavia, em sugerir que o que realmente acabou com a depressão foram os maciços gastos governamentais ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial.[1]  (Mesmo alguns autoproclamados livre-mercadistas incorrem nessa última alegação, atitude essa que equivale a apoiar todo o argumento teórico feito pelos defensores dos pacotes de estímulos fiscais).
A conexão entre essa versão da história e os eventos atuais é óbvia: mais uma vez alega-se que o capitalismo desregulado criou uma apavorante bagunça, e mais uma vez alega-se que somente uma combinação de estímulos fiscais e monetários pode salvar o mundo.
A fim de fazer com que essa versão dos eventos se sustente, pouca ou quase nenhuma menção é feita à depressão de 1920-1921.  E não é à toa - aquela experiência histórica esvazia completamente as ambições daqueles que prometem soluções políticas aos desequilíbrios reais que existem no âmago de todas as recessões econômicas.
A sabedoria convencional afirma que, na ausência de uma política anticíclica do governo, seja ela fiscal ou monetária (ou ambas), é impossível haver uma recuperação econômica - pelo menos não sem uma longa e intolerável demora.  Entretanto, políticas exatamente opostas foram seguidas durante a depressão de 1920-1921 nos EUA, e a recuperação não tardou a vir.
A situação econômica nos EUA em 1920 era sinistra.  Naquele ano o desemprego havia pulado de 4% para quase 12%, o PNB havia declinado 17%.  Não é de se estranhar, portanto, que o então Secretário de Comércio [equivalente ao nosso Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior] Herbert Hoover - até hoje falsamente descrito como um entusiasta do laissez-faire - tenha instado veementemente o então presidente Warren G. Harding a fazer uma série de intervenções para reativar a economia.  Mas Hoover foi ignorado.
Ao invés de um "estímulo fiscal", Harding reduziu o orçamento do governo praticamente à metade entre 1920 e 1922: os gastos federais declinaram de $6,3 bilhões em 1920 para $5 bilhões em 1921 e $3,3 bilhões em 1922.  E o restante da abordagem de Harding foi igualmente laissez-faire: o imposto de renda foi diminuído para todos os grupos de renda e a dívida nacional foi reduzida em 33%.
A atividade do Federal Reserve, o banco central americano, foi praticamente imperceptível.  Como um historiador econômico escreveu, "Apesar da severidade da contração econômica, o Fed não utilizou seus poderes para aumentar a oferta monetária e combater a recessão".[2]  No terceiro trimestre de 1921, os sinais da recuperação já eram visíveis.  No ano seguinte, o desemprego caiu para 6,7%, e em 1923 já estava em 2,4%.
É bastante instrutivo comparar a resposta americana nesse período à japonesa.  Em 1920, o governo japonês introduziu os fundamentos de uma econômica planificada, cujo objetivo era manter os preços artificialmente altos.  De acordo com o economista Benjamin Anderson,
Os grandes bancos, as indústrias concentradas e o governo entraram em conluio, destruíram a liberdade dos mercados, interromperam o declínio nos preços das commodities, e mantiveram o nível de preços do Japão acima do declinante nível de preços mundial por sete anos.  Durante esses anos, o Japão sofreu uma crônica estagnação industrial e, ao final, em 1927, enfrentou uma crise bancária de tamanha severidade que muitas filiais de grandes bancos foram à falência, assim como várias indústrias.  Foi uma política estúpida.  No esforço de se impedir que ocorressem prejuízos com os estoques de um ano de produção, o Japão perdeu sete anos.[3]
Os Estados Unidos, em contraste, permitiram que sua economia se reajustasse.  "Em 1920-21", escreveu Anderson,
encaramos nossos prejuízos, reajustamos nossa estrutura financeira, suportamos nossa depressão e, em agosto de 1921, recomeçamos nosso crescimento.. A reação ocorrida na produção e no emprego, que começou em agosto de 1921, foi solidamente baseada em uma limpeza drástica do crédito malfeito, em uma drástica redução nos custos de produção, e na livre concorrência da iniciativa privada.  A reação não se baseou em nenhuma política governamental criada para subsidiar os negócios.
O governo americano não fez aquilo que os economistas keynesianos desde então vêm insistindo para que os países façam: praticar déficits orçamentários e estimular vários setores da economia via aumento de gastos.  Ao contrário, prevaleceu a antiquada ideia de que o governo deveria manter a tributação e os gastos em níveis baixos e reduzir a dívida pública.[4]
Esses foram os temas econômicos da gestão presidencial de Warren Harding.  Poucos presidentes americanos são mais impopulares entre historiadores do que Harding, que é rotineiramente retratado como um bobo desajeitado que caiu de pára-quedas na presidência.  Entretanto, quaisquer que tenham sido suas deficiências intelectuais - e elas foram grotescamente exageradas, como recentes estudiosos vêm admitindo - e quaisquer que tenham sido seus defeitos morais (seu gabinete sofreu acusações de corrupção), ele compreendeu os fundamentos da expansão econômica, da recessão e da recuperação melhor do que qualquer outro presidente do século XX.
Em seu discurso de aceitação após ser confirmado como o candidato Republicano à presidência dos EUA, Harding declarou,
Tentaremos uma deflação inteligente e corajosa, e atacaremos a prática do endividamento governamental, algo que só aumenta o infortúnio e a nocividade, e atacaremos o alto custo do governo com todos os meios e energia inerentes à capacidade republicana.  Prometemos o alívio que advirá da interrupção do gasto e da extravagância, e a renovação da prática da economia do setor público, não apenas porque isso irá aliviar o fardo tributário, mas também porque será um exemplo para se estimular a poupança e a economia na esfera privada.
Estimulemos todas as pessoas a poupar e a economizar, a recorrerem ao sacrifício e à renúncia se preciso for, a uma iniciativa nacional contra a extravagância e a magnificência, a um recomprometimento à simplicidade de vida, àquele plano de vida prudente e normal que caracterizam a saúde da república.  Desde que a história da humanidade foi escrita pela primeira vez, os efeitos devastadores trazidos pelos gastos e anormalidades de uma guerra só são superados por meio do trabalho e da poupança, da produção e da abnegação - ao passo que a gastança desnecessária e a extravagância insensata foram as responsáveis por todos os declínios na história das nações.
É desnecessário chamar a atenção para o fato de que esse conselho de Harding - que por incrível que pareça foi dito em um discurso em uma convenção política - é o oposto daquele que os supostos especialistas nos recomendam veementemente hoje.  Inflação, aumento dos gastos públicos e agressões às poupanças privadas, tudo isso combinado a clamores por mais consumismo pródigo: esse é o programa para uma "recuperação" no século XXI.
Não surpreendentemente, muitos dos atuais economistas que estudaram a depressão de 1920-1921 se mostraram incapazes de explicar como a recuperação foi tão rápida e integral mesmo com o governo federal e o banco central tendo se recusado a aplicar qualquer uma das ferramentas macroeconômicas - gastos em obras públicas, déficits orçamentários e políticas monetárias inflacionistas - que a sabedoria convencional hoje preconiza como sendo a solução para as contrações econômicas.  O economista keynesiano Robert A. Gordon admitiu que "as políticas governamentais para moderar a depressão e acelerar a recuperação foram mínimas.  As autoridades do Federal Reserve foram amplamente passivas... Apesar da ausência de uma política governamental de estímulo, a recuperação não demorou."[5]
Outro historiador econômico admitiu que "a economia recuperou-se rapidamente da depressão de 1920-1921 e adentrou um período de crescimento bastante vigoroso", porém, como a maioria dos historiadores, ele preferiu não tecer mais comentários sobre esse fenômeno e nem extrair dele qualquer aprendizado.[6]  "Isso foi em 1921", escreveu com ares de superioridade Kenneth Weiher, "muito antes do conceito de política anticíclica ter sido aceito ou mesmo compreendido"[7] Pode ser que as pessoas daquela época ainda não tinham "entendido" o conceito de política anticíclica, mas a recuperação veio de todo jeito - e rapidamente.
Um dos mais pervertidos tratamentos do assunto em questão pode ser encontrado nos escritos de dois historiadores do governo Harding, os quais insistem que, caso os governos se recusem a confiscar a maior parte da renda dos cidadãos mais ricos, a economia jamais será estável:
Os cortes de impostos, junto com a ênfase dada ao abatimento da dívida nacional e à redução dos gastos federais, serviram apenas para favorecer os ricos.  Muitos economistas concordam que uma das principais causas da Grande Depressão de 1929 foi a desigual distribuição de renda, a qual pareceu ter se acelerado durante a década de 1920, e que foi resultado desse retorno à normalidade.  Cinco por cento da população americana detinha mais de 33% da riqueza nacional em 1929.  Esse grupo não foi capaz de utilizar sua riqueza responsavelmente... Ao contrário, eles estimularam a perniciosa especulação na bolsa de valores, bem como o crescimento econômico desigual.[8]
Se essa teoria - ou pelo menos essa tentativa absurda de se criar uma - fosse correta, o mundo viveria em um constante estado de depressão.  Não havia absolutamente nada de atípico no padrão de riqueza dos EUA nos anos 1920.  Disparidades muito maiores já existiram (e existem) em inúmeros lugares e em épocas diferentes, sem que gerassem qualquer distúrbio semelhante.
Com efeito, a Grande Depressão na realidade veio exatamente quando ocorria um dramático aumento na fatia da renda nacional ocupada pelos salários - e uma queda na fatia ocupada por juros, dividendos e renda empresarial.[9]  O que prova que, para se obter a prosperidade, não é necessária nenhuma expropriação violenta da renda dos indivíduos.
Entretanto, não basta demonstrar que a prosperidade surge da ausência de estímulos fiscais ou monetários.  É preciso entender por que esse resultado é o esperado - em outras palavras, por que a restauração da prosperidade na ausência dos remédios amplamente receitados pelos economistas modernos não foi um fato raro e irrelevante ou um resultado do mero acaso.
Primeiro, é preciso antes de tudo examinar por que a economia de mercado é atormentada pelos ciclos de expansão e recessão.  O economista britânico Lionel Robbins fez a seguinte pergunta em seu livro The Great Depression, de 1934: Por que todos empreendedores repentinamente cometem um "conjunto de erros" ao mesmo tempo?
Dado que o mercado, por meio do sistema de lucros e prejuízos, está constantemente eliminando os empreendedores menos competentes, por que é que aqueles relativamente mais capacitados, os quais foram recompensados pelo mercado com lucros e com o controle sobre recursos adicionais, repentinamente cometem erros graves - e todos na mesma direção?  Será que algo fora da economia de mercado - ao invés de algo inerente a ela - pode ser o responsável por esse fenômeno?
Ludwig von Mises e F.A. Hayek apontaram a expansão artificial do crédito, normalmente sob os auspícios de um banco central criado pelo governo, como sendo o culpado extramercado.  (Hayek ganhou o Prêmio Nobel em 1974 pelo seu trabalho sobre o que é hoje conhecida como a teoria austríaca dos ciclos econômicos.)  Quando o banco central expande a oferta monetária - por exemplo, quando ele compra títulos do governo em posse dos bancos -, ele faz isso criando dinheiro essencialmente do nada.
Esse dinheiro vai diretamente para os bancos comerciais (caso os títulos estejam em posse de outra entidade qualquer, o dinheiro vai para essa entidade, que acabará depositando-o em sua conta bancária, fazendo com que o destino final do dinheiro também seja os bancos comerciais).  Da mesma forma que o preço de um bem qualquer tende a diminuir quando sua oferta aumenta, o influxo de dinheiro recém-criado causa uma diminuição nas taxas de juros, uma vez que os bancos tiveram um aumento nos seus fundos disponíveis para empréstimos.
As taxas de juros mais baixas estimulam o investimento em projetos de longo prazo, os quais são mais sensíveis aos juros do que os projetos de curto prazo.  (Compare os juros que são pagos mensalmente para quitar empréstimos de 30 anos com os juros que são pagos mensalmente para quitar um empréstimo de 2 anos - uma pequena redução nos juros terá um impacto substancial no primeiro caso, mas um impacto desprezível no segundo).  Investimentos adicionais em, por exemplo, pesquisa e desenvolvimento (P&D), os quais podem levar anos para produzir resultados, irão repentinamente parecer lucrativos, ao passo que não teria sido lucrativo fazê-los sem esses menores custos de financiamento trazidos pelas taxas de juros mais baixas. 
Na estrutura de produção de uma economia (estrutura do capital), dizemos que P&D é um estágio de produção de "ordem mais alta" do que uma loja de varejo que vende chapeus, por exemplo, já que chapeus estão imediatamente disponíveis para os consumidores, ao passo que os resultados comerciais da P&D só estarão disponíveis daqui a um tempo relativamente longo.  Quanto mais perto um estágio da produção estiver do produto final a ser comercializado, mais baixo é o estágio que ele ocupa na estrutura de produção.
No livre mercado, as taxas de juros coordenam a produção ao longo do tempo.  Elas garantem que a estrutura de produção seja configurada sempre de maneira a estar de acordo com as preferências dos consumidores.  Se os consumidores querem que haja mais bens de consumo disponíveis agora, os estágios de ordem mais baixa da estrutura de produção vão se expandir.  Se, por outro lado, eles estão dispostos a adiar o consumo atual (consumindo menos, poupando mais), as taxas de juros irão estimular os empreendedores a aproveitar essa oportunidade para empregar seus fatores de produção em projetos que não estão voltados para a satisfação dos desejos imediatos dos consumidores, mas que, tão logo se tornem uma realidade, irão gerar uma maior oferta de bens de consumo no futuro.
Se as taxas de juros mais baixas no nosso exemplo tivessem sido o resultado de uma poupança voluntária da parte do público, e não de uma intervenção do banco central, a diminuição relativa nos gastos em consumo - que é o equivalente a um aumento da poupança - teria liberado recursos para serem utilizados nos estágios de ordem mais alta da estrutura de produção.  Em outras palavras, caso haja uma genuína poupança, a demanda por bens de consumo sofre um declínio relativo; as pessoas estão poupando mais e gastando menos do que antes.
As indústrias de bens de consumo, por sua vez, sofrem uma relativa contração em resposta a essa diminuição na demanda por bens de consumo.  Os fatores de produção que essas indústrias utilizavam - serviços de transporte de carga, por exemplo - são agora liberados para serem utilizados em estágios mais remotos da estrutura de produção.  O mesmo ocorre com a mão-de-obra, aço e outros insumos não específicos.
Quando há alguma interferência na estrutura da taxa de juros - que até então vinha sendo determinada livremente pelo mercado -, essa função coordenadora é perturbada.  Um aumento dos investimentos nos estágios de ordem mais alta da estrutura de produção ocorre em um momento em que a demanda por bens de consumo não foi reduzida.  A estrutura da produção é distorcida de tal modo que ela não mais corresponde ao padrão temporal determinado pelas demandas dos consumidores.  Os consumidores estão demandando bens no presente justamente em um momento em que está havendo um desproporcional aumento nos investimentos para a produção de bens futuros.
Portanto, quando taxas de juros mais baixas são resultado de uma política do banco central, e não de um aumento genuíno na poupança, não houve nenhum recuo na demanda do consumidor.  (Na verdade, as taxas mais baixas deixam as pessoas ainda mais propensas a se endividar e gastar).  Nesse caso, não houve uma liberação de recursos para que estes sejam usados nos estágios de ordem mais alta.  A economia encontra-se, portanto, em um cabo-de-guerra, com recursos sendo disputados entre os estágios de ordem mais alta e os estágios de ordem mais baixa da estrutura de produção.
Com o passar do tempo, os recursos vão se revelando inesperadamente escassos, o que gera um aumento dos custos.  Esse aumento dos custos ameaça a lucratividade dos projetos de ordem mais alta.  O banco central pode expandir artificialmente o crédito ainda mais, com o intuito de reforçar a posição dos estágios de ordem mais alta nesse cabo-de-guerra.  Mas isso irá meramente adiar o inevitável.
Se o padrão de poupança e consumo que foi livremente escolhido pelos indivíduos não estiver dando respaldo a esse desvio de recursos para os estágios de ordem mais alta - mais ainda, se ele estiver na realidade forçando os recursos a voltarem para aquelas empresas que lidam diretamente com bens de consumo finais -, então o banco central está numa guerra contra a realidade.  Ele terá que, em algum momento futuro, decidir se - a fim de validar toda a expansão havida nos estágios de ordem mais alta - ele está preparado para expandir o crédito a uma taxa galopante e arriscar a destruição total da moeda, ou se, ao contrário, ele deve diminuir ou mesmo interromper sua expansão monetária e deixar que a economia se ajuste sozinha às condições reais.
É importante observar que o problema não está relacionado a uma insuficiência nos gastos em consumo, como a popular noção keynesiana nos faria crer.  No mínimo, o problema advém de um excesso de gastos em consumo, o que impede que haja um suficiente direcionamento de fundos para outros tipos de gasto - a saber, a expansão de estágios de produção de ordem mais alta, os quais não podem ser lucrativamente concluídos porque os recursos necessários para tal estão sendo absorvidos exatamente pela inesperada e relativamente mais robusta demanda por bens de consumo.  Estimular os gastos em consumo irá apenas piorar as coisas, pois irá estrangular ainda mais os fundos disponíveis para investimento, deteriorando a já declinante lucratividade dos investimentos nos estágios de ordem mais alta.
Observe também que o fator gerador dos ciclos econômicos não é um fenômeno inerente ao livre mercado.  É a intervenção no mercado que gera o ciclo do crescimento insustentável seguido da inevitável recessão.[10]  Como o estudioso dos ciclos econômicos Roger Garrison sucintamente coloca, "A poupança nos dá um crescimento genuíno; a expansão do crédito nos dá a expansão seguida da recessão."[11]
Esse fenômeno antecede todos os grandes ciclos econômicos, incluindo-se aí a crise de 2008 e a depressão de 1920-1921.  Os anos anteriores a 1920 foram caracterizados por um aumento maciço na oferta monetária por meio do sistema bancário, com o compulsório dos bancos sendo reduzidos à metade após a criação do Federal Reserve em 1913 e, depois, com a considerável expansão do crédito feita pelos próprios bancos.
O total de depósitos bancários mais que dobrou entre janeiro de 1914, quando o Fed foi inaugurado, e janeiro de 1920.  Esse tipo de criação artificial de crédito é que gera os ciclos econômicos.  O Fed também manteve sua taxa de redesconto (a taxa que ele cobra por empréstimos feitos diretamente aos bancos) em um nível baixo durante toda a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e por um breve período depois dela.  O Fed só começou a adotar uma postura mais contracionista no final de 1919.
O economista Gene Smiley, autor de The American Economy in the Twentieth Century, observa que "A visão mais comum é a de que a política monetária do Fed foi o principal determinante do fim da expansão econômica e da inflação, e do início da subsequente contração econômica e da severa deflação de preços."[12] Tão logo o crédito começou a se contrair, os agentes de mercado repentinamente começaram a perceber que a estrutura de produção tinha de ser rearranjada, e que as linhas de produção que dependiam do crédito fácil representavam um investimento errôneo que sequer deveria ter sido iniciado - e que agora precisava ser liquidado. 
Agora podemos fazer uma avaliação daquelas propostas perenemente em voga, como "estímulos fiscais" e seus vários similares.  Pense na situação da economia logo após a expansão econômica artificial.  Ela está repleta de desequilíbrios.  Recursos em excesso foram empregados nos estágios de produção de ordem mais alta e recursos insuficientes foram empregados nos estágios de produção de ordem mais baixa.
Esses desequilíbrios precisam ser corrigidos por empreendedores que, atraídos por taxas de lucro mais altas nos estágios de ordem mais baixa, retiram recursos daqueles estágios que se expandiram excessivamente e os direcionam para os estágios de ordem mais baixa, onde estão sendo mais demandados.  É essencial que haja absoluta liberdade de preços e salários para que essa tarefa possa ser cumprida, uma vez que preços e salários são ingredientes indispensáveis para a avaliação empreendedorial.
À luz dessa descrição da economia do pós-boom, podemos ver o quão inúteis, até mesmo irrelevantes, são os esforços de um estímulo fiscal.  O mero ato governamental de se gastar dinheiro em projetos arbitrariamente escolhidos em nada ajuda a corrigir os desequilíbrios que levaram à crise.
Não foi um declínio nos "gastos" per se que causou todo o problema.  Foi o descompasso entre, de um lado, o tipo de produção que a estrutura do capital foi erroneamente levada a empreender, e, de outro, o padrão da demanda do consumidor, que é incapaz de sustentar a estrutura da produção como ela está.
E não é incorreto se referir aos recebedores do estímulo fiscal como projetos arbitrários.  Dado que o governo não funciona sob o mesmo mecanismo de lucros e prejuízos que guia uma empresa privada, e dado que ele pode adquirir recursos adicionais por meio da expropriação direta do público, ele não tem como saber se está de fato satisfazendo as demandas do consumidor (considerando-se que ele realmente esteja preocupado com isso) ou se o uso que ele está fazendo dos recursos é grotescamente descuidoso e desperdiçador.  Não obstante a retórica popular, o governo não pode ser gerido como uma empresa.[13]
Estímulos monetários também não são de nenhuma valia.  Ao contrário, eles apenas intensificam o problema.  Em Ação Humana, Mises compara uma economia sob a influência de uma expansão artificial do crédito a um mestre-de-obras encarregado de construir uma casa, sendo que (sem que ele saiba) não há tijolos suficientes disponíveis para completá-la.  Quanto mais cedo ele descobrir esse erro, melhor.  Quanto mais tempo ele insistir nesse projeto insustentável, mais recursos e mais tempo de trabalho serão irremediavelmente desperdiçados.  Com isso, no final todos estarão mais pobres, pois capital foi consumido a troco de nada.
Estímulos monetários meramente encorajam os empreendedores a continuarem empreendendo seus projetos insustentáveis.  É como se, ao invés de alertarem o mestre-de-obras de que está faltando tijolo, seus subordinados simplesmente escondessem dele esse fato, ludibriando-o a fim de adiar a inevitável descoberta da verdade.  Tais medidas não fazem com que a derradeira recessão possa ser evitada - apenas tornam-na mais dolorosa.
Se a visão austríaca estiver correta - e creio que as evidências teóricas e empíricas fortemente indicam que está -, então a melhor abordagem para se estimular a recuperação econômica seria oposta a essas estratégias keynesianas.  O orçamento do governo deve ser reduzido, e não aumentado, permitindo assim a liberação de recursos para que agentes privados possam utilizá-los para realinhar a estrutura do capital.
A oferta monetária não deve ser aumentada.  Pacotes de socorro a empresas no limiar da falência servem apenas para congelar os erros empreendedoriais, ao invés de permitir que esses recursos sejam transferidos para empreendedores mais aptos a suprir as demandas do consumidor, empreendedores que de fato entendam as condições reais da economia. 
Empréstimos de emergência para empresas em dificuldades perpetuam a má alocação de recursos e estendem um favoritismo político para empresas que estão incorrendo em práticas insustentáveis.  Da mesma forma que a mencionada acima, esse favoritismo político se dá em detrimento de empresas sólidas que estão preparadas e capacitadas para adquirir esses recursos e direcioná-los para usos mais apropriados.
A experiência de 1920-1921 reforça a argumentação dos genuínos economistas pró-livre mercado de que a intervenção governamental é um obstáculo à recuperação econômica.  Os keynesianos costumam dizer que economia americana se recuperou rapidamente da depressão de 1920-1921apesar da ausência de estímulos fiscais e monetários.  Errado.  É exatamente porque tais medidas foram evitadas, que ela se recuperou rapidamente. 

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