terça-feira, 17 de outubro de 2017

Como Mises explicaria a realidade do SUS?

Como Mises explicaria a realidade do SUS?

Um leitor que acabou de descobrir nosso site pede-nos para fazermos uma "análise profunda do SUS (sistema socialista de saúde do país) à luz da extraordinária teoria de Mises".
Curiosamente, ao se analisar o funcionamento do SUS à luz da teoria misesiana, conclui-se que o real desafio está em perceber como uma medicina socializada afeta a oferta de serviços de saúde privados.  No caso do Brasil, o desafio é perceber como o SUS afeta o funcionamento dos serviços fornecidos pelos planos de saúde privados, e como as regulamentações impostas pelo governo sobre as seguradoras de saúde ajudam a piorar todo a serviço de saúde do país.
No que concerne ao funcionamento específico do SUS, ele em nada difere de qualquer outro serviço socializado.  Falar sobre questões ligadas aos serviços de saúde é algo que desperta grandes paixões, pois, por algum motivo, parte-se do princípio de que saúde é um direito do cidadão (de quem é o dever é algo que não se comenta), e que, por conseguinte, a oferta de serviços de saúde deve ser ilimitada. 
Infelizmente, porém, a realidade econômica não nos permite tais devaneios, e o fato de que vivemos em um mundo de escassez é uma verdade válida também — e principalmente — para os serviços de saúde.  Infelizmente.  Se a escassez pudesse ser extinta por meio do simples decreto governamental — como acreditam os socialistas —, então estaríamos já há muito tempo de volta ao Jardim do Éden.
Logo, voltemos à realidade.
Quando se deixa as paixões ideológicas de lado e busca-se apenas a verdade por meio da razão e, consequentemente, da aplicação da genuína ciência econômica, nenhum resultado é surpreendente.  Mais especificamente, o interesse aqui é discutir como a ciência econômica explica os problemas inerentes a uma medicina socializada, sem fazer qualquer juízo de valor.  Afinal, economia não funciona de acordo com sentimentalismos, e serviços médicos funcionam exatamente da mesma maneira que qualquer outro setor de serviços na economia, por mais que as pessoas se deixem levar pela emoção.
Os libertários seguidores da doutrina dos direitos naturais — que dizem que cada indivíduo tem o direito de não lhe tirarem a liberdade, a propriedade e a vida — diriam que a medicina socializada não só é economicamente maléfica como também é moralmente indefensável, pois baseia-se no roubo da propriedade alheia para o financiamento dos serviços médicos.  Embora seja indiscutível que a medicina socializada baseia-se no roubo da propriedade alheia, somente essa argumentação não é muito promissora, pois a própria existência do governo baseia-se no roubo.  Logo, por coerência, pedir o fim da medicina socializada implicaria também pedir a abolição do governo.  Embora seja esse o desejo dos anarcocapitalistas, é preciso reconhecer que tal postura não faria ninguém vencer um debate econômico.
Logo, argumentações puramente econômicas são necessárias para explicar por que nenhuma medicina socializada pode ser de qualidade duradoura.  (E, de fato, nenhum país que hoje possui medicina socializada apresenta serviços de saúde invejáveis.  Canadenses e britânicos que o digam, para não citar os cubanos).
O princípio do SUS é igual ao de qualquer medicina socializada
Serviços de saúde socializados são defendidos e ofertados de acordo com o princípio de que a saúde é um direito básico e indelével do cidadão, principalmente dos mais pobres.  Logo, o acesso aos serviços de saúde deve ser gratuito ou quase gratuito, pois só assim os pobres podem ter saúde em abundância.
O problema é que até aí estamos apenas no terreno dos desejos, e não da realidade econômica.  É indiscutivelmente bonito posar de defensor dos pobres e oprimidos, exigindo saúde gratuita para eles.  Porém, infelizmente, a realidade econômica sempre insiste em se intrometer.  E a realidade econômica é que, sempre que algo passa a ser ofertado gratuitamente, a quantidade demandada desse algo passa a ser infinita.  No caso específico da saúde, sempre que serviços de saúde passam a ser gratuitos, a quantidade desses serviços que as pessoas passam a querer consumir torna-se praticamente infinita.  E não poderia ser diferente.  De novo, trata-se de uma lei econômica, e não de sentimentalismos.
A medicina socializada é um caso clássico de intervenção que necessita de intervenções cada vez maiores para ser mantida, até o momento em que tudo se esfacela em decorrência da total imobilidade do setor regulado.  Mises foi pioneiro em explicar a mecânica de tal fenômeno, e é em sua explicação que vou me basear.
Falando especificamente do SUS, caso o governo apenas se limitasse a financiar — via impostos extraídos da população — a oferta de serviços de saúde, a demanda por consultas de rotina, testes de diagnósticos, procedimentos, hospitalizações e cirurgias tornar-se-ia explosiva.  Logo, caso o governo nada fizesse, os custos gerados por tal demanda iriam simplesmente estourar o orçamento do governo. 
É aí que a realidade econômica se impõe.
Como os recursos para a saúde não são infinitos, mas a demanda é (pois a oferta é "gratuita"), o governo logo se vê obrigado a impor vários controles de custo.  Os burocratas estabelecem um teto de gastos na saúde que não pode ser superado.  Porém, apenas estabelecer um limite de gastos não é o suficiente para reduzir a demanda.  Assim, embora os custos estejam agora limitados, a demanda por consultas, pedidos de testes de diagnósticos, hospitalizações e cirurgias segue inabalada.  Consequentemente, com oferta limitada e demanda infinita, ocorre o inevitável: escassez.  Ato contínuo, começam a surgir filas de espera para tratamentos, cirurgias, remédios e até mesmo consultas de rotina.
O agravamento de tais ocorrências faria com que o sistema inevitavelmente entrasse em colapso.  É aí que o governo passa, então, a impor mais controles.  No caso, ele passa a controlar a demanda.  Mais especificamente, ele começa a "limitar" — por meio de várias burocracias insidiosas — o número de visitas ao médico, o número de testes de diagnósticos, o número de hospitalizações, cirurgias etc.  Por exemplo, em alguns casos, um paciente é atendido apenas quando um determinado conjunto de sintomas é perceptível.  Em outros, uma hospitalização ou cirurgia ocorre apenas se o paciente estiver acima de certa idade ou se estiver grávida de um bebê deficiente.  Em inúmeros casos, o paciente simplesmente é rejeitado — popularmente, ficará na fila esperando até desistir.
Outra consequência inevitável do processo de controle de custos aparece nos salários e nas compensações que o governo paga aos médicos do SUS, algo que é refletido diretamente na qualidade dos serviços prestados.  Afinal, profissionais mal remunerados simplesmente não têm incentivos para trabalhar corretamente.
A medicina socializada, portanto, baseia-se no mesmo princípio do controle de preços: a oferta torna-se limitada e a demanda, infinita.  Como consequência, a qualidade dos serviços decai, os hospitais tornam-se degradados e a escassez de objetos passa a ser uma inevitabilidade — em alguns casos, faltam até sabonetes. (Tal realidade explica, por exemplo, os constantes escândalos de funcionários de hospitais públicos extorquindo pacientes, cobrando por fora em troca de remédios ou de pronto atendimento).
Tratamentos ou atendimentos bem feitos ou mesmo satisfatórios tornam-se exceções em um sistema socializado de saúde.
Seguradoras
Nesse ponto, o leitor mais iniciado pode estar pensando: "ora, dado esse cenário, o governo deveria incentivar a medicina privada, pois ela desafogaria grande parte dessa demanda pela saúde pública.  No mínimo, os mais endinheirados não mais estariam demandando os serviços do SUS."
Tal raciocínio está parcialmente certo.  De um lado, é fato que o governo, ao contrário do livre mercado, sempre vê o consumidor como algo aborrecedor.  Ao passo que, no livre mercado, as empresas estão sempre ávidas por consumidores para os quais vender seus produtos, no setor público, o consumidor é apenas um irritante demandante, um usuário esbanjador de recursos escassos.  No livre mercado, o consumidor é o rei, e os ofertantes estão sempre se esforçando para ganhar mais consumidores, com os quais poderão lucrar caso forneçam bons serviços.  No setor público, cada consumidor é visto como alguém que está utilizando um bem em detrimento de outra pessoa.  No livre mercado, todos os envolvidos em uma transação voluntária ganham, e as empresas estão sempre ávidas para oferecer seus produtos ao consumidor.  No setor público, o consumidor é apenas uma chateação para os burocratas.
E é justamente por essas características do livre mercado que o governo não pode permitir um genuíno livre mercado nos serviços de saúde.  Para entendermos o motivo, basta novamente utilizarmos a razão e aplicarmos a genuína ciência econômica.
Assim, o que ocorreria em um arranjo em que há contínua deterioração dos serviços de saúde e os salários dos médicos são controlados pelo governo?  A resposta é óbvia: os médicos iriam querer fugir de tal sistema e passar a lidar diretamente com seus pacientes, sem amarras burocráticas e sem regulamentações.  Ou seja, haveria uma fuga de médicos para a medicina totalmente privada, em um arranjo de livre mercado.
Em tal arranjo, obviamente, os médicos não apenas poderiam ganhar maiores salários, como também teriam a liberdade de tratar seus pacientes de acordo com seus próprios critérios médicos, o que iria lhes render ainda mais clientes e, consequentemente, mais dinheiro.  Na medicina pública permaneceriam apenas os ruins e incapazes, algo péssimo para qualquer democracia, um sistema em que políticos precisam de votos. 
Sendo assim, o governo fica numa encruzilhada.  Ao mesmo tempo em que deve desafogar o setor público de saúde, ele não pode permitir que o setor privado crie grandes incentivos, sob pena de perder seus melhores profissionais e, consequentemente, permitir a total deterioração da medicina pública.  Logo, ele precisa criar um meio termo.
E é assim que o governo entra em cena estipulando pesadas regulamentações sobre o setor de planos de saúde, fazendo com que os serviços médicos fornecidos por seguradoras sejam quase tão ruins quanto os do SUS.
Apenas pense: o mercado de seguro-saúde é totalmente regulado pelo governo.  Não há livre concorrência.  Não é qualquer empresa que pode entrar no mercado e ofertar seus serviços.  Houvesse livre entrada no setor, as seguradoras que oferecessem melhores condições para os médicos conveniados certamente teriam os melhores profissionais para seus clientes.  Porém, como é o governo quem decide quem entra no mercado (o que aniquila a livre concorrência) e como é o governo quem estipula várias regras para o funcionamento do setor, o que temos hoje são planos de saúde caros e que remuneram muito mal os médicos conveniados.  Há situações em que ser médico da rede pública — geralmente de sistemas estaduais ou, em alguns casos, municipais — é ainda melhor do que ser médico conveniado de alguma seguradora.
Logo, temos a seguinte situação:
1) O sistema público de saúde é ruim, sofre de escassezes e os médicos são mal pagos. 
2) O sistema privado de saúde é controlado pelas seguradoras, um ramo fortemente regulado pelo governo, dentro do qual a concorrência é mínima.  Logo, os médicos são mal remunerados pelas seguradoras e os planos de saúde são caros e cobrem cada vez menos eventualidades.  Para ter maiores benefícios, é necessário pagar apólices muito altas.
3) O domínio das seguradoras obviamente criou um "mercado paralelo", em que médicos particulares atendem diretamente seus clientes sem a intermediação de seguradoras — e, consequentemente, cobrando bem mais caro, justamente por causa dos incentivos criados pelas regulamentações sobre o setor de seguros.  Tais médicos, entretanto, precisam ter grande renome e boa reputação para obter sua clientela cativa, algo trabalhoso e demorado.  Desnecessário dizer que tal arranjo só é acessível para os mais ricos.
4) Consequentemente, o sistema privado não se torna, para boa parte dos médicos da rede pública, um sistema substantivamente mais atraente que o sistema público, exatamente a intenção do governo.
5) Tal arranjo contém o êxodo de médicos da rede pública, o que impede o esfacelamento do sistema.
6) Apenas os realmente ricos conseguem contornar tais empecilhos, e geralmente fazem suas consultas, internações e cirurgias sem o uso de seguradoras, lidando diretamente com os médicos, sempre os melhores.  Estes, por sua vez, cobram caro justamente pelos motivos delineados no item 3, a saber: porque não possuem concorrência para suas qualidades e também porque sabem que possuem uma clientela cativa, composta daquelas poucas pessoas que podem se dar ao luxo de não utilizar planos de saúde para pagar suas cirurgias.
No final, quem realmente perde são os mais pobres, justamente aqueles a quem os amorosos defensores da saúde pública querem proteger.  A medicina socializada destrói a qualidade dos serviços médicos e, por causa das regulamentações estatais, encarece o acesso à medicina privada.  Os mais pobres — aqueles que mais pagam impostos em relação à sua renda — ficam privados de bons serviços médicos, serviços estes pelos quais eles pagaram a vida inteira.  Caso tivessem podido manter esse dinheiro para si, certamente poderiam hoje estar usufruindo um melhor serviço de saúde.
Muitas vezes um pobre tem seu acesso ao sistema público de saúde negado porque os burocratas que controlam o sistema determinaram que outras pessoas estão mais necessitadas do que ele; logo, estas têm mais direito àqueles serviços que ele próprio ajudou a financiar via impostos. 
A ciência econômica mostra, portanto, que defender a medicina socializada é uma perversidade.
Conclusão
Ainda mantendo-nos fieis à ciência econômica, fica claro que o arranjo que melhor atenderia a todos os necessitados seria justamente um arranjo de livre mercado.  As pessoas seriam liberadas dos impostos, podendo agora manter consigo boa parte daquilo que são obrigadas a dar para o governo a fim de financiar um sistema de saúde que não presta serviços decentes.
O setor de seguros de saúde deve ser totalmente desregulamentado, havendo livre entrada no mercado e, consequentemente, livre concorrência.  Os preços dos planos de saúde cairiam e os médicos agora passariam a ser remunerados de acordo com sua competência.  Principalmente: haveria a livre negociação entre médicos e pacientes, sem intromissões governamentais — algo que hoje só ocorre entre médicos e pacientes ricos.  A medicina socializada não mais teria motivos para existir (como nunca teve, aliás).
Por fim, e ainda mais importante: nunca é demais enfatizar que a saúde é responsabilidade de cada indivíduo, de cada família, sendo que todos devem ter o direito de manter para si os frutos de seu trabalho e de poderem utilizar seu dinheiro da forma que quiserem, tendo a liberdade de escolher os serviços médicos que desejarem, e com a responsabilidade de encarar as consequências de suas escolhas.
Não há nada de radical ou novo nisso: afinal, esse é exatamente o princípio que seguimos hoje quando escolhemos e compramos alimentos, roupas, carros, computadores, celulares, iPads, iPods, iPhones, passagens aéreas, apartamentos e tudo o mais.  E, pelo menos até agora, tal princípio vem funcionando com enorme sucesso.  O fato de esse princípio (em outras palavras, liberdade) ter sido abandonado na saúde e principalmente na educação apenas mostra as tragédias que ocorrem quando nos desviamos dele.
Serviços médicos funcionam exatamente da mesma maneira que qualquer outro setor de serviços, por mais que as pessoas se deixem levar pela emoção.  Ademais, pela lógica socialista, não faz sentido pedir intervenção em serviços médicos e deixar, por exemplo, o setor alimentício por conta do livre mercado.  Afinal, existe algo mais essencial do que comer?  Porém, é exatamente por causa do livre mercado que temos comida sempre disponível, para todos os gostos.  Não importa a que horas você vá ao supermercado, você sempre tem a certeza de que tudo estará ali. Tanto para pobres quanto para ricos. Isso não é fascinante?
Sempre que você quiser serviços de alta qualidade a preços baixos, você tem de ter um livre mercado, uma livre concorrência. Não há nenhuma outra opção.  Quem acha que ofertar bens gratuitamente, criar uma montanha de regulamentações e impor controles de preços é a receita para bons serviços, deve se preparar para uma grande decepção.  Isso nunca funcionou em lugar nenhum do mundo.
Quem realmente quer serviços médicos de qualidade para os pobres (e quem não quer?) tem de defender um livre mercado nos serviços de saúde.  Não há outra opção.
A verdadeira ciência econômica explica.

Como realmente funciona o sistema de saúde americano



Como realmente funciona o sistema de saúde americano
Sempre que há um debate sobre sistemas de saúde e sobre como seria a medicina em um ambiente de genuíno livre mercado, rapidamente alguém menciona os EUA como sendo o exemplo mais óbvio deste arranjo.
O problema é que a comparação é obtusa. 
É verdade que os EUA não possuem um sistema público de saúde de estilo europeu (seja ele o modelo Beveridge da Inglaterra ou da Espanha, no qual o estado se encarrega de prover serviços de saúde em troca do pagamento de impostos, seja ele o modelo Bismarck da Alemanha e da Áustria, no qual o estado obriga os cidadãos a comprarem um seguro privado obrigatório e altamente regulado), mas isso não implica que o sistema americano esteja livre da atuação estatal.  Muito pelo contrário, como será visto.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que os resultados observados no sistema de saúde americano são um tanto deploráveis: o gasto total com a saúde nos EUA chega a 17% do PIB — quase o dobro do que gasta a maioria dos países europeus —, mas isso não fez com que seus resultados fossem espetacularmente superiores.  Sim, o sistema de saúde americano está na vanguarda da implantação de novas tecnologias, bem como no uso da medicina preventiva, mas esses elementos diferenciais não parecem justificar o gigantesco custo excessivo.  Por esse prisma, o debate sobre a superioridade da saúde pública europeia em relação à americana pareceria definitivamente encerrado: uma qualidade análoga pela metade do preço.
Porém, as coisas não são tão simples quanto os números sugerem.  O sistema de saúde americano — como explico em detalhes extensos em meu livro Una revolución liberal para España — está longe de ser o representante de um arranjo de livre concorrência.
Para começar, pelo lado da oferta, a concorrência entre médicos praticamente não existe.  O mercado de médicos é artificialmente cartelizado.  Para ser médico, você tem de ser aceito pelo conselho profissional da categoria, o qual tem interesse em manter baixo o número de médicos, pois isso eleva artificialmente seus salários.  Adicionalmente, um médico tem de adquirir diversos tipos de licenças, sem as quais ninguém pode exercer a medicina.  A criação de hospitais também sofre o mesmo tipo de regulamentação, o que dificulta o surgimento de hospitais baratos que poderiam concorrer com os já estabelecidos.  Já as seguradoras de saúde são, em sua grande maioria, proibidas pelo governo de concorrer entre si além das fronteiras estaduais.  Várias seguradoras não podem ofertar seus serviços em mais de um estado do país.
Mas a coisa piora.
Pelo lado da demanda, 90% dos gastos em saúde ocorrem por meio de canais que não são o paciente: mais especificamente, ocorrem pelas seguradoras e pelo estado.  Para se ter uma ideia desse despautério, na Espanha, o gasto público com saúde totaliza 6,9% do PIB.  Na União Europeia, 8,2%.  Nos EUA, como dito, o gasto total é 17%.  Dado que 90% desses 17% são gastos que não são desembolsados pelo paciente, temos que 15,3% dos gastos em saúde nos EUA são terceirizados.  Ou seja, nem mesmo a Espanha apresenta um grau tão elevado de socialização da demanda como os EUA.
Mais especificamente, de cada 100 dólares gastos na saúde americana, 45 dólares são desembolsados pelas seguradoras, outros 45 dólares pelos programas estatais Medicare (programa de responsabilidade da Previdência Social americana que reembolsa hospitais e médicos por tratamentos fornecidos a indivíduos acima de 65 anos de idade) e Medicaid (programa financiado conjuntamente por estados e pelo governo federal, que reembolsa hospitais e médicos que fornecem tratamento a pessoas que não podem financiar suas próprias despesas médicas), e apenas 10 dólares são desembolsados pelo próprio paciente.
Dito de outro modo, de cada 100 dólares gastos na saúde, o paciente — que é quem está realmente recebendo os serviços — arca com um custo de apenas 10 dólares.  Quem paga os 90 restantes?  O resto de seus compatriotas — seja por meio do Fisco, seja por meio de suas apólices de seguros, que compreensivelmente ficam a anualmente mais caras.
Nos EUA, portanto, não há uma correspondência entre custos e benefícios.  E dado que as seguradoras são obrigadas pelo governo a cobrir até mesmo consultas de rotina, os preços das apólices seguem em disparada.  Se você fizer algo tão simples e corriqueiro quanto um exame de sangue — que é coberto pelos planos de saúde e pelos programas Medicare e Medicaid —, é comum o hospital cobrar um preço astronômico do governo ou da seguradora, a qual, por causa disso, irá aumentar os preços das apólices.
Nesse arranjo, o incentivo para aumentar os gastos é o mesmo que ocorreria se milhões de pessoas fossem a um mesmo restaurante, pedissem individualmente os pratos que quisessem e, no final, dividissem igualmente entre todos a fatura total.
E, com efeito, o estudo mais completo já realizado até o presente momento sobre os custos excessivos da saúde americana não deixa espaço para dúvidas: a explosão dos custos se deve essencialmente a um crescimento descontrolado da demanda (direcionada sobretudo à medicina preventiva), a qual é capaz de suportar preços crescentes devido ao fato de que ninguém — governo, seguradoras e pacientes, como explicado acima — tem o incentivo de reduzir seus gastos.  Por mais que a oferta aumente, a demanda cresce a uma velocidade superior, o que multiplica os preços.
Vale ressaltar que, naquelas áreas do sistema de saúde americano em que não há esta socialização dos gastos — porque os programas estatais ou os seguros não cobrem —, não se observa nenhum crescimento anormal dos custos.  Este é o caso, por exemplo, dos serviços de odontologia ou das cirurgias oculares a laser, cujos custos caem ano após ano.
Na Europa, onde a saúde pública é "gratuita" para o usuário (embora seja cara para os pagadores de impostos), não ocorrem consequências similares a essas dos EUA simplesmente porque os políticos e burocratas que comandam o setor racionam os serviços que os cidadãos podem receber (os famosos cortes de gastos para a saúde, sobre os quais muito se fala atualmente, sempre foram uma prática estrutural do sistema; apenas se tornaram mais visíveis agora por causa da crise).  No Velho Continente, os donos da saúde dos cidadãos europeus não são eles próprios, mas sim os políticos e burocratas que organizam o sistema segundo seus gostos, necessidades e interesses.  Daí a frequente ocorrência de fenômenos como listas de espera, adoção tardia de novas tecnologias, tratamentos e medicamentos não cobertos, aglomeração de pacientes etc.
Dito de outra forma: os incentivos perversos para a demanda que levam a uma hipertrofia dos gastos em saúde nos EUA também existem na Europa, só que, na Europa, os políticos controlam severamente a oferta e impedem que os gastos disparem.  É como se, ao chegarmos a um restaurante, o dono do estabelecimento limitasse a quantidade e a qualidade daquilo que cada comensal pode pedir: por mais que pudéssemos e quiséssemos pedir mais e melhores pratos, não poderíamos.
Mas, afinal, que foi o motivo que levou a tamanha socialização da demanda por serviços de saúde nos EUA?  A criação dos programas estatais Medicare e Medicaid, em 1966, contribuíram substancialmente para as distorções.  Mas o principal incentivo foi criado em 1954: as empresas passaram a poder descontar no imposto de renda e na contribuição para a Previdência Social todos os gastos associados à aquisição de um plano de saúde para seus empregados.  Ou seja, caso as empresas pagassem planos de saúde para seus empregados, elas ganhariam descontos tanto no IRPJ quanto na contribuição para a Previdência Social.
Isso gerou uma consequência não-prevista.  Os incentivos para que todo o gasto em saúde fosse canalizado para os seguros adquiridos por empresas para seus empregados se tornaram enormes.  Isso, por conseguinte, elevou substancialmente a demanda por planos de saúde, os quais foram obrigados pelo governo a cobrir uma enorme variedade de serviços, inclusive aqueles associados à medicina preventiva.  Os custos das apólices obviamente dispararam. 
Apenas imagine quanto custaria o seguro do seu carro caso o governo obrigasse as seguradoras a cobrir serviços como troca de óleo e reabastecimento.  Nos EUA, é exatamente isso o que ocorre para os planos de saúde.  E tudo começou porque as empresas, muito corretamente, queriam reduzir seus gastos com tributos diretos, um confisco estatal que nem sequer deveria existir.  Um perfeito exemplo de como uma intervenção estatal (impostos sobre a renda) gerou uma grande distorção (redução dos lucros das empresas) que, por sua vez, levou à criação de uma medida aparentemente mitigadora (incentivos fiscais para planos de saúde).  No final, todo sistema de saúde ficou desarranjado.
Essa socialização de 90% dos gastos em saúde nos EUA — toda ela induzida pelo intervencionismo estatal — é a principal responsável pela hipertrofia dos preços.  Os EUA não são de maneira alguma um exemplo de livre mercado no sistema de saúde.  Em um arranjo de livre mercado e livre concorrência, os gastos para consultas de rotina são financiados pela própria poupança do paciente, e somente aqueles eventos de natureza extraordinária e catastrófica são cobertos por planos de saúde.
O que o sistema americano ilustra perfeitamente são os efeitos potencialmente devastadores do estatismo, inclusive quando em doses aparentemente inócuas.

Nem todos os problemas de saúde são seguráveis

Nem todos os problemas de saúde são seguráveis
O debate sobre políticas de saúde tornou-se global.  A tendência do momento é obrigar planos de saúde a oferecer uma cobertura cada vez mais ampla.  Esse arranjo suscita uma pergunta que raramente é feita: a saúde de um indivíduo é segurável?
O economista austríaco Ludwig von Mises ajudou a esclarecer quais tipos de eventos podem ser segurados.  Para fazer isso, ele definiu dois tipos de probabilidade: probabilidades de caso e probabilidades de classe.
Os eventos enquadrados como 'probabilidades de caso' são aqueles em que conhecemos alguns dos fatores que determinam seu resultado, mas existem outros fatores que também podem influenciar o resultado e sobre os quais nada sabemos.  Jogos de futebol estão nessa categoria, assim como guerras. 
Já os eventos enquadrados como 'probabilidades de classe' são aqueles em que sabemos ou presumimos saber tudo sobre o comportamento de uma classe de eventos ou fenômenos; mas, quanto a eventos específicos dentro desta classe de eventos, não sabemos nada, a não ser que são elementos dessa classe.  Sabemos, por exemplo, que existem noventa bilhetes numa loteria, dos quais cinco serão sorteados. Portanto, sabemos tudo sobre o comportamento de toda a classe de bilhetes. Mas, em relação aos bilhetes que serão premiados, só sabemos que integram a classe de bilhetes.
A morte também é um evento que cai nesta categoria de probabilidades de classe.  A morte é, talvez paradoxalmente, o mais certo e o mais incerto de todos os eventos que irão acometer um indivíduo durante sua vida.  Todos nós sabemos que iremos morrer, mas ninguém sabe exatamente quando, como, onde ou por quê. 
No entanto, dado que todos nós iremos morrer, podemos todos ser enquadrados em uma categoria que se comporta de maneira similar.  Por exemplo, é possível saber antecipadamente a expectativa de vida de uma pessoa ao nascer, e podemos refinar mais detalhadamente a categoria ao levarmos em conta as diferenças nos fatores que afetam a probabilidade de morte — como, por exemplo, fumar ou praticar esportes perigosos.
Seguro de vida funciona porque, para este evento, as seguradoras trabalham com médias.  Algumas pessoas que compram uma apólice de seguro de vida irão morrer antes de a seguradora haver auferido, via prêmios, um dinheiro suficiente para pagar a indenização.  Neste caso, a seguradora terá prejuízo.  Mas estes prejuízos são contrabalançados pelos lucros que ela tem com aquelas pessoas que morrem somente após já haverem pagado em prêmios um valor maior do que a indenização que a família do falecido irá receber.
A prática da discriminação no mercado de seguro de vida não apenas é algo corriqueiro; é uma necessidade.  Acima de tudo, é algo justo.  Cada segurado irá pagar seus prêmios de acordo com sua probabilidade de morte.  As pessoas são livres para praticarem atividades de risco, mas irão pagar um preço por isso.  Aquelas pessoas que optarem por viver uma vida mais tranquila e menos arriscada — isto é, aquelas que evitarem atividades que aumentam a probabilidade de morte, como fumar, praticar pára-quedismo, esqui ou automobilismo — deixarão de vivenciar o prazer que tais atividades podem proporcionar, mas, em compensação, ganharão ao pagar menos por um seguro de vida.  O clichê continua totalmente válido: não há almoço grátis neste mundo.
Planos de saúde foram criados para funcionar exatamente desta maneira.  Existem probabilidades de classe para certas doenças, tanto as contagiosas quanto as não-contagiosas.  Da mesma maneira, os fatores de risco para determinadas doenças e enfermidades também são conhecidos.  Fumantes são mais propensos a ter câncer de pulmão; peões de rodeio e lutadores de MMA correm mais risco de sofrerem fraturas ósseas; tradutores e professores de economia podem sucumbir a uma tendinite de tanto digitar artigos sobre planos de saúde.  Dependendo do estilo de vida, diferentes valores de prêmios podem ser atribuídos a um indivíduo para cobri-lo contra vários tipos de problemas de saúde.
No entanto, alguns tipos de distúrbios médicos não podem ser segurados.  Eles não pertencem a uma classe definível, a qual pode ser coberta por um seguro.  As causas do mal de Parkinson, por exemplo, ainda são muita controversas, de modo que ainda não há uma clara explicação para o que realmente causa esta doença; parece ser tudo uma questão de sorte (ou, no caso, de azar).  Igualmente, alguns tipos de câncer também são enquadrados nessa categoria.  Sempre há a esperança de que, no futuro, iremos aprender mais sobre essas enfermidades, de modo que elas finalmente poderão ser enquadradas em uma classe (ou, ainda melhor, ser curadas); mas essa infelizmente não é uma possibilidade nos tempos atuais.
Falar que alguém "deve" ter um determinado plano de saúde pressupõe que tal plano "pode" logicamente existir.  Logo, para afirmarmos que as pessoas "devem" ter um determinado plano de saúde, temos antes de responder se é economicamente "possível" haver este seguro.
Para alguns tipos de enfermidade, um plano de saúde é uma opção viável.  Para outros tipos, a cobertura é algo simplesmente não-factível.  Nos EUA, uma das várias controvérsias sobre o Obamacare gira em torno do fato de o governo americano ter estipulado que as seguradoras não podem rejeitar apólices a pessoas com condições médicas pré-existentes.  Tal regra não apenas compromete a função clássica do seguro — pois obscurece a definição de uma determinada classe —, como também anula a aplicabilidade de uma apólice. 
O fato é que há determinados riscos que simplesmente não são seguráveis.  E é assim não porque haja uma macabra trama secreta com o objetivo de fazer uma limpeza étnica e populacional (afinal, é a doença, e não o indivíduo o que está sendo excluído); é assim simplesmente por causa da fria e incontornável realidade econômica, a qual advém diretamente daquela distinção de classes feita por Mises.  Há os eventos de classe (seguráveis) e os eventos de caso (não-seguráveis).
No que mais, o reconhecimento de que alguns riscos de saúde podem ser segurados deve vir com um alerta: só porque é possível haver seguro de saúde para uma limitada variedade de enfermidades não significa que as seguradoras devem ser obrigadas a fornecer cobertura para todas as pessoas.  Afinal, nossas necessidades diárias de comida e de água são, no mínimo, tão vitais quanto nossa necessidade diária de cuidados médicos, e ninguém está sugerindo — ainda bem! — que o governo obrigue as seguradoras a fornecer cobertura para estes bens. 
Da mesma maneira, o fato de serviços de saúde serem caros não é uma condição necessária ou suficiente para que o governo obrigue os planos de saúde a fornecer uma cobertura universal.  Existem vários tipos de bens e serviços que são caros e para os quais não há a imposição de nenhuma cobertura de seguro.  A pergunta correta a ser feita é "por que os serviços de saúde são tão caros?".  Há vários detalhes a ser considerados, sendo os principais: 
1) Exigências de licenciamento para as faculdades de medicina, hospitais, farmácias, médicos e outros profissionais da área de saúde;
2) Restrições governamentais sobre a produção e a venda de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos;
3) Burocracia e altos custos para se conseguir do governo a aprovação para a produção e venda de novos remédios
4) A pesada regulamentação sobre a indústria de seguros de saúde, com agências reguladoras que cartelizam o mercado e restringem a concorrência;
5) Estilos de vida cada vez mais insalubres e descuidados;
Em todo caso, a segurabilidade de qualquer bem ou serviço está subordinada ao seu custo.
Dizer que é desejável que os planos de saúde forneçam uma cobertura geral para todos os segurados é uma coisa; outra, fundamentalmente distinta, é entender que tal desejo é econômica e matematicamente impossível, pois há vários tipos de enfermidade que, por não pertencerem a uma classe definível (como mal de Parkinson e câncer), não podem ser segurados.  Eles não pertencem a uma classe definível, a qual pode ser coberta por um seguro.  Dado que somente algumas doenças e alguns tratamentos são seguráveis, a cobertura de planos de saúde tem de ser, pelo menos dentro da realidade econômica, limitada.
Oferecer seguro sem se considerar a classe específica que está sendo segurada, ou propositadamente agrupar riscos não-seguráveis às classes de risco seguráveis, são medidas que acabam com qualquer possibilidade de se determinar de maneira lógica e racional a cobertura apropriada e o preço adequado.  Se você acredita que os preços dos planos de saúde já estão caros hoje, espere para ver o que acontecerá quando todos os tipos de cobertura se tornarem obrigatórios pelo governo.  Simplesmente não mais haverá nenhum resquício de racionalidade na estipulação dos preços das apólices e dos prêmios.





Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde
É verdade que o sistema de saúde (europeu, americano ou brasileiro) está uma bagunça e é insustentável. Entretanto, isso demonstra não uma falha de mercado, mas, sim, uma falha de governo. A cura do problema não requer uma diferenciada regulamentação governamental, tampouco mais regulamentações ou burocracias, ou mesmo invenções mirabolantes, como políticos interesseiros querem fazer-nos crer. A cura do problema requer simplesmente a eliminação de todos os atuais controles governamentais.
É urgente levarmos a sério uma reforma do sistema de saúde. Créditos tributários, vouchers e privatização já ajudariam muito na meta de descentralizar o sistema e remover encargos desnecessários sobre as empresas. Porém, quatro medidas adicionais devem ser tomadas:
1. Eliminar todas as exigências de licenciamento para as faculdades de medicina, hospitais, farmácias, médicos e outros profissionais da área de saúde. A oferta destes itens iria aumentar de imediato, os preços iriam cair, e uma maior variedade de serviços de saúde iria aparecer no mercado.
Agências de credenciamento, competindo voluntariamente no mercado, iriam substituir o licenciamento compulsório do governo — levando-se em conta que os fornecedores de serviços de saúde (afinal, serviços de saúde são serviços como quaisquer outros) acreditem que tal reconhecimento iria melhorar sua reputação, e que seus consumidores, por se importarem com a reputação dos fornecedores, estarão dispostos a pagar por isso.
Como os consumidores não mais seriam ludibriados a acreditar que existe tal coisa como "padrão nacional" de saúde, eles aumentariam sua procura por bons serviços de saúde a custos baixos, e fariam escolhas mais perspicazes.
2. Eliminar todas as restrições governamentais sobre a produção e a venda de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos. Isso significa a extinção de agências reguladoras encarregadas de controlar remédios, vacinas, drogas e produtos biológicos (como a Anvisa, no Brasil).  Atualmente, essas agências servem apenas para obstruir inovações e aumentar os custos de produção.
Custos e preços cairiam, e uma maior variedade de melhores produtos chegaria ao mercado mais rapidamente. O mercado também forçaria os consumidores a agir de acordo com suas próprias avaliações de risco — em vez de confiar essa tarefa ao governo.  E os fabricantes e vendedores de remédios e aparelhos, devido à concorrência, teriam de fornecer cada vez mais garantias e melhores descrições de seus produtos, tanto para evitar processos por produtos defeituosos como para atrair mais consumidores.
3. Desregulamentar a indústria de seguros de saúde. A iniciativa privada pode oferecer seguros contra eventos cuja ocorrência está fora do controle do segurado. Por outro lado, uma pessoa não pode se segurar, por exemplo, contra o suicídio ou a falência, pois depende apenas dessa pessoa fazer tais eventos ocorrerem.
Como a saúde de uma pessoa, ou a falta dela, depende quase que exclusivamente desta pessoa, muitos, se não a maioria, dos riscos de saúde não são efetivamente seguráveis. "Seguro" contra riscos cuja probabilidade de ocorrerem pode ser sistematicamente influenciada por um indivíduo depende fortemente da responsabilidade própria desta pessoa.
Além do mais, qualquer tipo de seguro envolve um compartilhamento de riscos individuais. Isso implica que as seguradoras paguem mais a alguns e menos para outros. Mas ninguém sabe com antecedência, e com convicção, quem serão os "ganhadores" e quem serão os "perdedores". "Ganhadores" e "perdedores" são distribuídos aleatoriamente, e a resultante redistribuição de renda não é nada metódica. Se "ganhadores" e "perdedores" pudessem ser determinados sistematicamente, os "perdedores" não iriam querer compartilhar seus riscos com os "ganhadores", mas sim com outros "perdedores", porque isso faria diminuir seus custos de seguridade. Por exemplo, eu não iria querer compartilhar meu risco de sofrer acidentes pessoais com os riscos incorridos por jogadores profissionais de futebol; eu iria querer compartilhar meus riscos exclusivamente com os riscos de pessoas em circunstâncias similares às minhas, a custos mais baixos.
Devido às restrições legais impostas às seguradores de saúde, que não têm o direito de recusar certos serviços — excluir algum risco individual por este não ser segurável —, o atual sistema de saúde está apenas parcialmente preocupado em assegurar. A indústria dos seguros não pode discriminar livremente entre diferentes riscos incorridos por diferentes grupos.
Como resultado, as seguradoras de saúde têm de cobrir uma multidão de riscos não seguráveis em conjunto com riscos genuinamente seguráveis. Elas não podem discriminar os vários grupos de pessoas que apresentam riscos de seguridade significativamente diferentes. Assim, a indústria dos seguros acaba gerenciando um sistema de redistribuição de renda — beneficiando agentes irresponsáveis e grupos de alto risco às custas de indivíduos responsáveis e de grupos de baixo risco. Como esperado, os preços desta indústria estão altos e em constante crescimento.
Desregulamentar esta indústria significa devolver a ela a irrestrita liberdade de contrato: permitir que uma seguradora de saúde seja livre para oferecer qualquer tipo de contrato, para incluir ou excluir qualquer tipo de risco, e para discriminar quaisquer tipos de grupos ou de indivíduos. Riscos não seguráveis perderiam cobertura, a variedade de políticas de seguridade para as coberturas remanescentes aumentaria, e os diferencias de preços refletiriam os riscos reais de cada seguridade. No geral, os preços iriam cair drasticamente. E a reforma restauraria a responsabilidade individual na questão da saúde.
4. Eliminar todos os subsídios para os doentes ou adoentados. Os subsídios sempre criam mais daquilo que está sendo subsidiado. Subsídios para os doentes e enfermos alimentam a doença e a enfermidade, e promovem o descuido, a indigência e a dependência. Se estes subsídios forem eliminados, seria fortalecida a intenção de se levar uma vida saudável e de se trabalhar para o sustento próprio. De início, isso significa abolir todos os tipos de tratamento e assistência  médica "gratuitos" — isto é, financiado compulsoriamente pelo contribuinte saudável e zeloso de sua saúde.
Apenas essas quatro medidas, conquanto drásticas, irão restaurar um completo livre mercado no fornecimento de serviços médicos. Enquanto estas medidas não forem adotadas, a indústria continuará tendo sérios problemas — afetando de maneira extremamente negativa a vida de seus consumidores.

Com um simples decreto, Trump expôs a escandalosa natureza do Obamacare

Com um simples decreto, Trump expôs a escandalosa natureza do Obamacare
Um programa estatal que é arruinado ao se permitir mais liberdade não pode ser sensato
Desde a década de 1960, os EUA possuem um sistema de saúde altamente regulado pelo governo. Dentre outras coisas, o governo proíbe que uma seguradora de saúde de um estado forneça serviços em outro estado, o que criou uma reserva de mercado tentadora. [É como se a Unimed só pudesse atuar no Rio, a Amil só em São Paulo, a SulAmerica só em MG e por aí vai]
Adicionalmente, as seguradoras sempre foram obrigadas pelo governo a cobrir até mesmo consultas de rotina. Se você fizer algo tão simples e corriqueiro quanto um exame de sangue — que é coberto pelos planos de saúde e pelos programas estatais Medicare e Medicaid —, o hospital cobra um preço astronômico do governo ou da seguradora. Consequentemente, os preços das apólices e mensalidades só aumentavam. (Leia todos os detalhes aqui).
Foi neste cenário de custos em alta que, em março de 2010, o então presidente Barack Obama promulgou o Patient Protection and Affordable Care Act (Lei de Proteção ao Paciente e de Assistência Acessível), que passou a ser popularmente conhecido como Obamacare.
Qual era a essência do Obamacare?
1) Os planos de saúde passaram a ser legalmente obrigados a fornecer cobertura a todos os requerentes, independentemente de seu histórico médico. 
2) As apólices dos planos teriam de atender a padrões mínimos (chamados de "benefícios essenciais de saúde"), o que inclui não haver um limite máximo para indenizações anuais ou vitalícias das empresas seguradoras para uma apólice individual.
3) Absolutamente todos os cidadãos dos EUA passaram a ser obrigados a comprar um plano de saúde. Os mais pobres que se declarassem incapazes de arcar com as mensalidades receberiam subsídios do governo federal. 
4) Empresas com mais de 50 empregados que trabalham em tempo integral (30 horas ou mais por semana) passariam a ter de bancar o plano de saúde deles. Caso contrário, seriam multadas.
Ou seja, o governo Obama obrigou as pessoas a comprarem planos de saúde e obrigou as seguradoras a conceder planos de saúde para todos os requerentes.
A justificativa teórica para essa obrigatoriedade é que, se todos pagassem às seguradoras e se as seguradoras aceitassem todos os requerentes, então aqueles mais pobres que não tinham nenhum plano de saúde poderiam agora ter acesso a um. 
A consequência, no entanto, é que os custos das mensalidades explodiram.
Com o governo estipulando a cobertura mínima que tem de ser fornecida pelos planos de saúde; obrigando todos os cidadãos americanos a adquirir apólices homogêneas e com cobertura completa; e obrigando os planos de saúde a aceitarem pessoas com condições médicas pré-existentes e a cobrarem delas o mesmo prêmio que cobram de pessoas saudáveis, os preços da mensalidade só poderiam ir para o alto.
Em última instância, o Obamacare foi o evento que fez com que os eleitores independentes votassem em Donald Trump.
O decreto
O Obamacare não era apenas financeiramente insustentável. Mais grave ainda, sempre foi intelectualmente insustentável, ainda que este fato tenha demorado a vir à tona. Isso chegou ao fim com o decreto do presidente Trump.
O que faz o decreto? Corta os subsídios das seguradoras ineficientes. Também redefine o significado de coberturas de "curto prazo": de um ano para 90 dias. Mas o que é mais importante, e é isso o que causou um frenesi na mídia: liberaliza as regras para que as seguradoras atendam consumidores.
Nas palavras do jornal USA Today: o decreto proporciona um maior leque de opções, "ao permitir que mais consumidores comprem seguros de saúde, por meio de planos corporativos, de operadoras de outros estados".
Atente para a palavra-chave: "permitir". Não "forçar", não "obrigar", não "coagir". Permitir.
E por que isso seria um problema? Ora, porque permitir essa escolha representa uma severa derrota para a principal característica do Obamacare, que era forçar as seguradoras a aceitar, sob as mesmas condições de preços, pessoas totalmente saudáveis e pessoas pertencentes a grupos de risco. Esse agrupamento homogêneo e indiscriminado entre pessoas saudáveis e pessoas adoentadas jamais seria feito em um livre mercado.
Se você fosse resumir a mudança em uma frase seria essa: ela permite mais liberdade.
O teor dos comentários críticos a esta mudança dá a entender que ela representa uma espécie de ato tirânico. Mas sejamos claros: ninguém é coagido por esse decreto. É exatamente o contrário: ele remove uma fonte de coerção. Ele liberaliza, apenas um pouco, o mercado de seguradoras.
Eis um princípio: se um programa governamental é arruinado ao permitir mais liberdade de escolha, então ele não é sustentável.
O site The Atlantic já prevê tudo:
Tanto os planos corporativos quanto os de curto prazo tenderão a ser menos caros que os planos mais robustos regulados pelo Obamacare. Mas a preocupação, entre os críticos, é que os planos agora irão ser mais seletivos e optarão pelos clientes mais saudáveis, deixando para trás aqueles que já possuem condições pré-existentes. Estes mais doentes ficarão presos nas seguradoras reguladas pelo Obamacare. Assim, os preços para estes irão subir, pois as pessoas seguradas serão as mais adoentadas. As pequenas empresas que optarem pelos planos mais robustos — talvez porque têm empregados com sérias condições de saúde — também lidarão com custos maiores.
Já o site Vox coloca desse jeito:
Os indivíduos mais propensos a fugir dos mercados do Obamacare para planos corporativos serão os mais jovens e mais saudáveis, deixando para trás uma população mais idosa e doente para ser cuidada pelo que restar do mercado do A.C.A. Isso tem todos os componentes de uma espiral da morte, com mensalidades cada vez maiores e seguradoras optando por deixar o mercado completamente.
O The New York Times segue a mesma linha:
Os empregadores que permanecerem no mercado restrito do A.C.A. (Affordable Care Act) oferecerão a seus empregados planos mais caros que a média. Haverá aumento das mensalidades. Somente os mais adoentados permanecerão nos grupos de risco regulados pelo Obamacare após várias rodadas de cadastramento.
Já a CNBC coloca a questão sobre a duração do plano nos termos mais estranhos e irônicos:
Se o governo liberaliza as regras sobre a duração dos planos de saúde de curto prazo e, em seguida, também torna mais fácil para as pessoas se esquivarem das dificuldades inerentes à obrigatoriedade do Obamacare, isso pode fazer com que pessoas saudáveis e que não precisam de benefícios abrangentes optem por se inscrever em massa na cobertura de curto prazo.
Dá para imaginar? Deixar as pessoas fazerem aquilo que mais as beneficia? Um horror!
Tão logo você entende os detalhes, a verdade cruel sobre o Obamacare se torna explícita. O Obamacare não criou um mercado. Ele destruiu o mercado. Até mesmo a permissão de apenas um pouco de liberdade destrói o programa por completo.
Sob as regras até então vigentes, pessoas saudáveis eram forçadas (eram pesadamente tributadas caso negassem) a pagar por quem já não estava saudável. Os jovens eram obrigados a pagar pelos idosos. E qualquer indivíduo tentando levar uma vida saudável era obrigado a bancar os mais permissivos.
Esta sempre foi a grande verdade oculta a respeito do Obamacare. Nunca foi um programa para melhorar a cobertura médica. Era um programa para redistribuir coercitivamente a riqueza dos saudáveis para os doentes. E o programa fez isso forçando o agrupamento homogêneo entre pessoas saudáveis e pessoas adoentadas, algo que contraria por completo a lógica da própria instituição do seguro, que sempre se baseou em mensalidades de acordo com os riscos. O Obamacare imaginou que seria fácil usar a coerção para abolir toda a lógica da existência de um seguro. Não funcionou.
E, assim, o decreto de Trump introduz um pouco de liberalidade, aumentando as opções. E os críticos estão gritando que isso é um desastre. Você não pode permitir a escolha! Você não pode permitir mais liberdade! Você não pode permitir que produtores e consumidores se arranjem sozinhos! Afinal, isso desafia o cerne do Obamacare, que era obrigar as pessoas a fazer aquilo que não fariam em sã consciência.
Essa revelação é, como se costuma dizer, um tanto constrangedora.
Eis a principal lição do fracasso de Obamacare: nenhuma quantidade de coerção pode substituir a racionalidade e a produtividade de um mercado competitivo.
Mesmo com o decreto liberalizando um pouco o setor, ainda há um longo caminho a percorrer. Todo o mercado de saúde precisa de uma liberalização maciça, com o governo saindo de cena e permitindo a livre concorrência total entre seguradoras e médicos, e uma total liberdade de escolha e de interação entre pacientes e médicos.
Liberdade ou coerção: só há estes dois caminhos. O primeiro funciona; o segundo, comprovadamente, não.