Ideologias aberrantes nas decisões judiciais
Espera-se que, desta vez, o Conselho Superior de Magistratura saiba prestigiar os juízes portugueses.
Transcrevo, quase na íntegra, o artigo aqui publicado em 16 de Março de 2012 sob o título “Uma decisão judicial repugnante” (pedindo desculpa a quem já o leu):
O caso parecia simples: Alberto, um indivíduo alcoólico que ao longo de 15 anos aterrorizou a mulher e os filhos, insultando-os, agredindo-os e ameaçando-os, fora julgado e condenado no tribunal de 1.ª instância na pena de três anos de prisão efectiva, pela prática de quatro crimes de maus-tratos cometidos nas pessoas da Maria, sua mulher, e dos três filhos, bem como na pena acessória de afastamento da residência da mulher e dos filhos.
É impossível relatar todos os episódios da violência sinistra que o Alberto exercia sobre a sua família e que foram dados como provados na sentença que o condenou, mas, a título de exemplo, refira-se que nos últimos anos, diariamente, chamava “puta”, “vaca” e “vaca taurina” à mulher; desferia-lhe estalos na cara; puxava-lhe o cabelo; atirava contra o seu corpo os objectos que tivesse à mão. Nessas alturas, a Maria fechava-se num dos quartos da casa e o Alberto atirava contra as portas ferros, cabos de vassouras e facas, pelo que duas das portas da casa ficaram completamente esburacadas e destruídas. Ainda outro exemplo: uma noite, o Alberto bateu na Maria na presença de um filho menor. Um outro filho, que acordara com o choro da sua mãe, levantou-se e dirigiu-se ao quarto, com a intenção de parar aquelas agressões e de socorrer a sua mãe. O pai não hesitou: desferiu-lhe vários murros que o fizeram cair e, enquanto permanecia no chão, pontapeou-o continuadamente.
O Alberto recorreu da sentença de 1.ª instância para o Tribunal da Relação de Guimarães. O recurso era até tímido na sua formulação. Entendia o Alberto, pela pena do seu advogado, que a pena era excessiva, sendo certo que o seu comportamento radicava na ingestão de bebidas alcoólicas e que a prisão não era o meio idóneo para a sua ressocialização. Na sua opinião, seria justa e suficiente uma pena de prisão não superior a dois anos e suspensa na sua execução pelo período de quatro anos. Quanto à pena acessória de afastamento da habitação da Maria, Alberto não a punha em causa no recurso.
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de Fevereiro de 2008, escrito pelo juiz desembargador Anselmo Lopes com a concordância das juízas adjuntas Nazaré Saraiva e Maria Augusta, é um filme de horror e vale a pena lê-lo para se perceber como o direito nos pode envergonhar: afinal, não se podia considerar que dois dos filhos tinham sido vítimas de maus-tratos, tinham sido meramente “vítimas psicológicas da violência familiar como tantas outras (milhões delas)”, pelo que o tribunal, sem que ninguém lho tivesse pedido mas para evitar uma “injustiça manifesta”, decidiu que dois dos crimes de maus-tratos não tinham existido. Depois, quanto à suspensão da pena, Anselmo Lopes, após considerar abstractamente o crime de maus-tratos como hediondo, passou rapidamente a minimizá-lo, até porque, no seu entender, há outras subespécies de maus-tratos “quiçá mais perversas, nas causas, nos meios e nas consequências, como sejam a negligência afectiva, os maus-tratos psicológicos e as agressões pelos diversos meios audiovisuais (música, literatura, televisão, cinema, internet, jogos electrónicos, etc.)”. E acrescentou: “Além destas, há uma forma de agressão que tem sido totalmente escamoteada e que, todavia, é a mais brutal delas todas: refiro-me à agressão política, activa e omissiva.” Enfim, tudo justificava a suspensão da pena, afastando um “certo e actual fundamentalismo que corre nesta matéria”...
E, assim, a Relação de Guimarães diminuiu a pena para dois anos e oito meses de prisão e, sobretudo, suspendeu a sua execução pelo mesmo período, isto é, o Alberto nem sequer cumpriu qualquer pena de prisão e viu revogada, também, a condenação na obrigação de afastamento da residência da mulher!
Na altura, este acórdão passou incólume mas, chegados ao recente acórdão da Relação do Porto, espera-se que, desta vez, o Conselho Superior de Magistratura saiba prestigiar os juízes portugueses.
Declaração de interesses: Anselmo Lopes mantém há 15 anos uma acção judicial contra uma magistrada do Ministério Público que eu patrocino.