Sobre as Provas Metafísicas da Existência de Deus
Publicado originalmente em 26 Mar 2011, 12:47
Por Acauan
É recorrente em debates entre religiosos e ateus a citação por parte dos
religiosos das chamadas provas metafísicas da existência de Deus,
geralmente
As Cinco Vias propostas por Sto. Tomás de Aquino,
citação frequentemente acompanhada de um desafio à refutação ou alguma
referência insultuosa à inteligência do interlocutor ateu por ousar não
crer no que estaria tão definitivamente provado.
Também é recorrente em debates minimamente informados sobre a História
das Idéias que o ateu cite as contestações à metafísica de Kant e
Husserl, nominalmente ou não, recebendo as réplicas esperadas que por
sua vez também podem ser postas em dúvida. Em seu
status quaestionis o debate é inconclusivo e terminam as partes acreditando naquilo que optaram por acreditar.
Já nos debates de Internet, geralmente orientados pelo que responde a
primeira página do Google sobre o tema em discussão, se nota que as
citações disponíveis sobre as provas metafísicas são postas e rebatidas
sem deixar claro se a lógica do debate é compreendida em seus princípios
básicos.
O primeiro ponto que raramente vejo discutido nestes debates é o significado e abrangência do conceito de prova.
Provar uma afirmação é apresentar evidências e argumentos que demonstrem
sua veracidade, com um grau de certeza suficiente para desacreditar os
argumentos e evidências que propõem que a afirmação seja falsa.
Como uma prova é constituída de evidências e argumentos, a abrangência
da prova é limitada à abrangência dos argumentos e evidências que a
constituem.
Quanto mais abrangente é o que se intenciona provar, mais abrangentes
devem ser as evidências e argumentos usados como prova, ou seja, a prova
vale até onde sabemos válidos seus argumentos e evidências.
Assim, as únicas provas absolutas conhecidas são as matemáticas, uma
realidade abstrata na qual a abrangência da prova contém o que se
pretende provar sem incertezas ou possibilidades alternativas.
A metafísica por sua vez estuda a realidade concreta que percebemos
visando uma compreensão de sua estrutura e funcionamento que nos permita
tirar conclusões sobre aspectos desta realidade situados além de nossa
percepção.
Obviamente, qualquer prova metafísica só é válida dentro da abrangência
da metafísica, ou seja, até onde admitimos as premissas da metafísica
como verdadeiras, sendo suas premissas essenciais tomadas da hipótese de
que a realidade concreta é necessariamente coerente, isenta de absurdos
e apreensível pela razão humana.
Na metafísica parte-se de um conhecimento e experiência finitos,
tomando-se por verdadeiro que tal finito represente uma amostra
significativa do total absoluto da realidade e, baseado em tal
confiança, tira-se conclusões de abrangência infinita, como as provas da
existência de Deus. Ou seja, a metafísica, tira conclusões sobre o todo
a partir do que sabe sobre a parte.
Na matemática é perfeitamente correto tirar conclusões sobre o infinito a
partir do finito. Não importa que a circunferência tenha infinitos
pontos, bastam três pontos para definir exatamente todos os demais
infinitos pontos constituintes.
A metafísica faz sentido para explicar uma realidade criada e mantida
por uma racionalidade divina, o que torna esta realidade específica uma
premissa metafísica e implica que conclusões metafísicas sobre a
veracidade da ordem racional divina da realidade caem em petição de
princípio.
É importante lembrar que nas Cinco Vias Sto. Tomás de Aquino não conclui
diretamente pela existência de Deus e sim que a realidade observada
necessita de certos elementos para sustentar sua coerência racional e
associa estes elementos "ao que chamamos Deus", nas palavras do
filósofo.
Pode-se dizer que as Cinco Vias não provam a existência de Deus e sim
que apresentam a "hipótese Deus" como explicação racionalmente
sustentável para a coerência do cosmo.
A "hipótese Deus" como apresentada pela metafísica não se configura como
prova de existência por não eliminar outras hipóteses e por só ser
válida dentro das premissas estritas de que a coerência cósmica tida
como verdadeira pela metafísica seja um fato e não uma interpretação do
observador humano.
Também não se sustenta como demonstração de veracidade da afirmação
"Deus existe" e sim como solução teórica para o problema da
racionalização da existência de Deus, pois demonstrar em tese que a
existência de um suposto ser explicaria determinados fatos não implica
que este ser de fato exista.
Esta questão não passou despercebida a Sto. Tomás de Aquino, que
declarou explicitamente a superioridade do ontológico sobre o lógico ao
criticar o argumento de Sto. Anselmo, que propunha provar a existência
de Deus com um argumento que, em última instância, se revela apenas um
jogo de palavras.
Provar entidades infinitas só é possível em uma realidade matemática ou
similar à matemática, na qual as propriedades de uma fração finita são
idênticas às propriedades do todo infinito.
Em qualquer outra realidade em que esta lei não seja válida, qualquer
fração finita é insignificante diante do todo infinito e, portanto,
nenhuma prova cujas evidências e argumentos estejam contidos nesta
fração terão abrangência suficiente para demonstrar a veracidade do todo
infinito que pretendem provar.
No mais, a razão mais elementar entende que o autoevidente dispensa prova.
Com o justo reconhecimento à sabedoria de Sto. Tomás de Aquino, todo o
mais para além do autoevidente só encontra provas absolutas na Fé
pessoal.