quinta-feira, 31 de março de 2016

Cálculo econômico no socialismo e a natureza da informação dispersa

SocialismoLaw-of-Large-Numbers
Publicado em 29 de outubro de 2011 | por admin and Rafael Roos Guthmann
00

Cálculo econômico no socialismo e a natureza da informação dispersa

Um dos debates sobre teoria econômica e análise comparativa de sistemas econômicos mais importantes do século XX foi o debate do cálculo econômico no socialismo. O debate também foi extremamente importante para o próprio desenvolvimento da escola austríaca como uma escola de pensamento econômico consciente de suas diferenças em relação ao mainstream neoclássico. Antes do debate os três ramos de pensamento que se desenrolaram da revolução marginalista, Walrasiano, Mengeriano e os marginalistas ingleses eram considerados como basicamente a mesma coisa só que utilizando uma linguagem diferente para expor as mesma essência.
O debate se iniciou em 1920 quando Ludwig von Mises publicou o artigo Economic calculation in the socialist commonwealth, onde ele argumentou que como no socialismo a totalidade dos fatores de produção seriam de propriedade estatal não teríamos um mercado para os fatores de produção. Como não teríamos um mercado para os fatores de produção, não teríamos preços para esses fatores já que não teríamos compra a venda desses fatores pelo sistema econômico. Numa economia de mercado avançada a complexidade da divisão do trabalho é tão grande que cada indivíduo só pode se coordenar com os outros através da utilização do sistema de preços, para calcular custos e benefícios de suas escolhas. Sem preços para os fatores de produção não seria possível realizar o cálculo econômico de custos e benefícios para saber se uma certa alocação é eficiente, mesmo do ponto de vista de um planejador central. Logo o socialismo se tornaria cego e não poderia produzir alguma ordem na sociedade sem a ferramenta fundamental do cálculo econômico. O que significa que seria impossível a simples existência de uma sociedade avançada baseada na propriedade estatal dos meios de produção.
O modelo de Oscar Lange 
Oscar Lange foi um economista polonês, socialista e neoclássico, que contra argumentou a teoria de Mises e posteriormente de Hayek. Atualmente a maioria dos economistas considera que sua refutação do problema do calculo econômico no socialismo foi bem sucedida e que o problema real do socialismo se encontra na falta de incentivos e nos altos custos de coleta e transmissão de informação para o orgão que realizaria o processo de planejamento.
O modelo de Lange foi baseado completamente no modelo Walrasiano de equilíbrio geral que vinha se desenvolvendo desde a década de 1870. Nesse modelo os preços são determinados a partir do leilão walrasiano: A casa de leilão walrasiana anuncia um preço X e os agentes reagem ao preço X anunciado suas ofertas e procuras a partir desse preço, se preferem comprar nesse preço do que vender vão demandar e o inverso se aplica a oferta. Se a oferta for maior do que a procura, a casa de leilão modifica seus planos e o preço X é reduzido e reanunciado no mercado. O processo continua até que a oferta se iguale a demanda em todos os mercados de todos os bens. Se isso ocorrer as transações são finalmente realizadas e o sistema entra num equilíbrio geral walrasiano. Como os preços igualam a oferta e a procura para todos os bens do mercado, o que significa que todos os agentes maximizam a utilidade a partir dos preços do mercado e não deixam de realizar nenhuma transação anunciada então todas as transações mutuamente benéficas possíveis são realizadas e dessa maneira temos uma situação ótima do ponto de vista da economia matemática.
Nesse modelo transações não podem ser realizadas se os preços anunciados produzirem uma situação onde a oferta seja diferente da procura porque essas transações nos preços falsos provocariam realocações possivelmente ineficientes no sistema econômico e mudariam os dados do mercado já que estão mudando a alocação dos bens, o que significa que os preços de equilíbrio geral mudariam e complicariam radicalmente o processo de leilão. Já que se compreendermos que continuamente transações em preços falsos seriam realizadas e continuamente os dados do mercado mudariam e o equilíbrio (estrutura de preços igualando oferta e procura) estaria em contínuo movimento enquanto não fosse atingido. Igualar a oferta e procura possivelmente se tornaria inatingível, dependendo da capacidade da casa de leilão de reajustar seus preços anunciados a uma velocidade maior do que a velocidade de movimento da constelação de preços de equilíbrio. Ou seja, se através das conseqüências dos preços falsos a casa de leilão descobrir a magnitude dos erros de antecipação da oferta e procura ela vai conseguir gerar tendências equilibrativas, que quanto mais rapidamente o processo de descoberta das magnitudes econômicas for, mais forte será a tendência equilibrativa e mais rapidamente a economia tenderá ao equilíbrio.
O modelo de socialismo de mercado proposto por Lange é basicamente o modelo de equilíbrio geral aplicado a realidade. O orgão de planejamento central faz o papel da casa de leilão walrasiana. Os agentes que tratam os preços como dados são os consumidores e as firmas. No socialismo as firmas seriam propriedade estatal e seus gerentes receberiam a ordem de igualar o preço, anunciado pelo comitê de planejamento central, ao custo marginal, para maximizar a eficiência. O comitê de planejamento central iria então realizar o processo de equilibrativo anunciado e reajustando os preços, até atingir a igualdade de oferta e procura e assim atingir o ponto alocativo ótimo.
O problema do conhecimento 
O modelo de Lange não lidou com o problema básico que, segundo Mises, o sistema de preços resolve. Esse é o problema da informação ou conhecimento. Numa economia de mercado os preços transmitem informação espontaneamente. A informação transmitida é a informação necessária para os indivíduos se coordenarem mutuamente e produzir assim uma ordem espontânea no sistema econômico. O problema foi que na década de 20 Mises não desenvolveu a fundo seu argumento sobre a natureza do processo de mercado para explicar detalhadamente como que o mercado geraria os preços de equilíbrio que coordenariam as ações dos indivíduos. E devido a essa falha do mises em articular seus argumentos que os economistas neoclássicos falharam em compreender exatamente porque que o socialismo não poderia produzir preços.
A interpretação da maioria dos economistas atualmente sobre o problema do conhecimento é de que os preços servem como um meio barato de transmissão de informação. Um preço informa aos agentes sobre as preferências dos consumidores e sobre as disponibilidades dos fatores de produção sem que os agentes precisem pesquisar diretamente esses detalhes, economizando recursos na coleta de informações. Mas para esses economistas os preços só são completamente eficientes se corresponderem aos preços de equilíbrio competitivo, ou seja, aos preços estabelecidos num hipotético equilíbrio walrasiano. Nesse caso a informação transmitida pelo sistema de preços é totalmente correta e permite a perfeita coordenação das ações dos indivíduos. Se os preços não corresponderem aos preços de equilíbrio geral então os preços também falham, já que falham em transmitir informação eficientemente, transmitindo informações parcialmente incorretas. Logo o livre mercado também falharia em resolver o problema da informação dispersa perfeitamente. Como o planejamento central (sem ser o socialismo de mercado do Lange) exigiria enormes custos para coleta e transmissão da informação para o orgão central, ele não seria impossível como Mises afirmou, mas apenas grosseiramente ineficiente. Para o mainstream neoclássico o máximo de eficiência é atingido com um mercado regulado para que os preços correspondam aos preços que seriam estabelecidos num equilíbrio walrasiano.
Já para os socialistas de mercado como Oscar Lange, o socialismo de mercado seria o sistema ideal porque combinaria a eficiência de um sistema de preços para transmitir informação dispersa com a justiça “social” do socialismo e não sofreria dos problemas causados pelos monopólios e ciclos de negócios. Na verdade os argumentos de Mises e Hayek não foram compreendidos pelos economistas do mainstream e como conseqüência a escola austríaca descobriu que seu entendimento da natureza da economia era completamente diferente do entendimento dos outros economistas, que não viam o sistema econômico como uma constelação de mentes agindo propositadamente mas sim como um mundo de magnitudes que independem das percepções subjetivas dos indivíduos.
O entendimento Mises-Hayek do processo de mercado e sua relação com o problema do socialismo 
Para compreendermos porque que o socialismo é impossível primeiro é necessário entender exatamente qual o problema que o processo equilibrativo resolve, tanto no mercado do mundo real, onde o processo equilibrativo opera através da ação humana como também no hipotético mercado walrasiano, onde o processo equilibrativo opera através da casa de leilão walrasiana. O processo equilibrativo é um processo de coordenação, ou seja, é um processo onde emerge uma tendência ao alinhamento dos planos dos vários indivíduos e dessa maneira a satisfação de suas expectativas presentes na formulação dos seus planos. É um processo de geração de conhecimento, o conhecimento necessário para a elaboração de planos que antecipem corretamente as conseqüências das escolhas formuladas no próprio plano, esse processo de geração de conhecimento é um processo que ocorre espontaneamente com a passagem do tempo na mente de todos os indivíduo. O entendimento de como que o mercado consegue somar as capacidades perceptivas de milhões de indivíduos é fundamental para entender porque que o planejamento central de uma sociedade complexa é impossível.
Desde o desenvolvimento da moderna economia subjetiva os economistas sabem que o valor dos fatores de produção é determinado pela utilidade marginal dos bens de consumo produzidos a partir desses fatores de produção. Ou seja, os preços dos fatores de produção são determinados pela capacidade desses fatores em satisfazer as necessidades humanas, então esses preços refletem a valoração subjetiva dos indivíduos em relação ao produto derivado dos fatores.
O problema é justamente entender exatamente como que as valorações dos indivíduos são transmitidas através do sistema econômico primeiro para os preços dos bens de consumo e depois para os fatores de produção, ou seja, a força que faz o mercado tender a igualar o preços dos fatores com os preços do que esses fatores podem produzir. A força que move os preços dos fatores para o alinhamento, ou seja, que move o mercado em direção ao sistema de preços que seria estabelecido no equilíbrio é o processo de descoberta de erros nos planos de ação formulados anteriormente, ou mais especificamente, o processo de percepção de oportunidades de lucro não exploradas. Se os preços dos fatores são diferentes dos preços do que eles podem produzir, então temos uma possibilidade de lucro na compra desses fatores e na sua utilização para atender as preferências dos consumidores. Quando um empreendedor descobre que os preços de um mesmo bem são diferentes em 2 partes do mercado, ele compra onde são mais baratos e vende onde são mais caros, logo surge uma tendência a equalização dos preços dos bens pelo mercado. Num mundo onde nenhum agente erra, temos uma equalização dos preços instantânea, um mundo onde nenhum agente erra é um mundo onde todos sabem de tudo o que precisam para não errar, o que significa que os agentes possuem todo o conhecimento relevante para seu processo de escolha.
Nota-se que a cesta de fatores de produção necessária para produzir um bem de consumo qualquer mais os juros sobre o tempo necessário a produção é, economicamente, o mesmo bem que o bem de consumo final, já que do ponto de vista econômico (subjetivo) o que define um bem é sua capacidade em satisfazer as necessidades humanas. Se uma cesta de fatores de produção mais o tempo necessário a produção resultam num bem de consumo, essa cesta de fatores É esse bem de consumo no passado. Isso significa que se os agentes tiverem conhecimento perfeito os preços das cestas dos fatores de produção são igualados aos preços dos bens de consumo final.
Se imaginarmos que os preços do mercado estejam perfeitamente alinhados, então o calculo econômico através desses preços é perfeito, já que esses preços de equilíbrio levam as preferências de todos os agentes e os dados do mercado em consideração. Nessa situação o cálculo econômico com os preços de mercado equivale as escolhas que uma pessoa sozinha toma quando faz a relação de custos e benefícios de todas as ações possíveis, mas incluindo os custos e benefícios que incidem sobre todas as pessoas. Uma situação onde temos um agente solitário que tem uma percepção perfeita dos custos e benefícios de todas as ações possíveis é uma situação de equilíbrio para essa economia com um agente individual. Já num mercado a situação é diferente, os agentes não precisam ter uma percepção perfeita de todos os custos e benefícios que incidem sobre todas as pessoas de todas as suas ações possíveis, mas apenas conhecer os preços, suas posses e suas próprias preferências. Ou seja, um mercado em completo equilíbrio não precisa que cada agente tenha conhecimento perfeito para estar em equilíbrio, mas apenas que a totalidade do conhecimento de todos os agentes seja completa (perfeita) e esteja integrada através do sistema de preços.
Mas se assumirmos que o mundo está sempre em equilíbrio, então assumimos que as capacidades perceptivas dos agentes são perfeitas. E isso significa que não faz nenhum sentido imaginar que o conhecimento é disperso já que não existe nenhum problema relacionado com o conhecimento. O problema não é apenas integrar o conhecimento disperso mas é na verdade como conseguir integrar as capacidades de cada mente em gerar conhecimento, para aproximar a realidade econômica do equilíbrio. Os preços do mercado nunca são perfeitos, sempre são preços falsos num certo grau, e é exatamente através dos preços falsos que temos a geração da tendência a descoberta da falsidade desses preços devido a essas diferenças nos preços.
A impossibilidade da existência de uma sociedade socialista 
A força coordenadora do mercado é derivada do sistema de preços e dos lucros e prejuízos que são derivados desse sistema de preços. Essa força é justamente mais forte quanto mais livre for o mercado, já que quanto mais livre for o mercado maior será a liberdade dos agentes em utilizar sua capacidade de percepção para iluminar os dados do sistema econômico através da percepção de oportunidades lucrativas de investimento. Num livre mercado os fatores de produção são propriedade de milhões de pessoas e essas milhões de pessoas estão sempre agindo e percebendo como utilizar seus recursos da melhor maneira possível, dado a capacidade dos proprietários em perceber e remediar erros em suas escolhas com a passagem do tempo. Além disso, como qualquer empreendedor alerta pode perceber usos mais eficientes para os fatores do os usos onde eles estão alocados no presente pelo seu proprietário, então a propriedade dos fatores sempre tende a ser distribuída segundo a capacidade empresarial de cada indivíduo, ou seja, no mercado as empresas sempre tendem a ter a melhor direção possível, já que se um empreendedor mais habilidoso descobre como organizar uma empresa de uma maneira melhor do que a esperada pelo proprietário da empresa, então esse empreendedor vai conseguir lucrar comprando a empresa pelo que o proprietário espera que a empresa valha e vendendo o produto derivado dos fatores em propriedade da empresa por um preço maior do que o valor esperado pelo antigo proprietário, devido a descoberta da ineficiência na gestão da empresa não percebida pelo proprietário original.
Mas essa tendência de pulverização da posse sobre os fatores de produção (e de que os melhores empreendedores sempre sejam proprietários de fatias dos fatores proporcionais a sua capacidade empreendedora) não existe no socialismo devido a própria definição de socialismo: Uma sociedade baseada na propriedade estatal dos meios de produção. O socialismo é um tipo de sociedade onde a totalidade dos meios de produção são geridos por um único plano, que embora não seja um plano concebido por um único indivíduo mas por um grupo de indivíduos do comitê de planejamento central, é um plano que esta restrito a capacidade empreendedora de apenas uma mente individual. Já que mesmo que vários indivíduos produzam o plano, ele é uma criação consciente para cada indivíduo envolvido, ou seja, é um plano que existe para cada mente individual, restringido sua complexidade ao nível viável com que a mente humana consegue lidar. O capitalismo supera o problema porque as ações dos empreendedores sempre tem conseqüências não percebidas, transcendendo a capacidade individual de planejar. O problema então é que se o estado assumir todas as funções de todos os empreendedores num sistema econômico capitalista mas está contando apenas com a capacidade de lidar com problemas concebíveis por uma única mente individual, então ele acaba se tornado completamente incapaz de planejar racionalmente um sistema econômico de uma sociedade inteira, já que planejamento racional significa a formulação de um plano de ação predominantemente coerente com os dados relevantes para a mente do planejador.
Conclusão
Se colocarmos como pressuposto básico no modelo a essência do processo de mercado como concebido por Mises e Hayek, então o socialismo é cego e não gera nenhuma tendência a geração do conhecimento necessário para iluminar os ilimitados caminhos possíveis com que o planejador central se depara na formulação do plano que a sociedade deve seguir. Isso significa que uma economia socialista é impossível.
http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/calculo-economico-socialismo-natureza-informacao-dispersa/http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/calculo-economico-socialismo-natureza-informacao-dispersa/

Sem comentários:

Enviar um comentário