segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A tragédia venezuelana



Resultado de imagem para bandeira da venezuela atual

Resultado de imagem para bandeira da venezuela atual 

Resultado de imagem para bandeira da venezuela atual 
Resultado de imagem para bandeira da venezuela atual 

A tragédia venezuelana

Na ausência de votos e de dinheiro suficientes, restaram as armas como recurso político

SÉRGIO FAUSTO*, O Estado de S.Paulo
04 Setembro 2017 | 05h00
Com as maiores reservas mundiais de petróleo, a Venezuela não consegue alimentar o seu povo. Pesquisa feita por universidades venezuelanas (Encuesta Nacional de Condiciones de Vida) mostra que, em 2016, quase 80% dos venezuelanos apresentaram perda significativa de peso em relação ao ano anterior. O dado mostra um dos aspectos dramáticos de uma crise humanitária que cresce a cada dia no país vizinho, onde falta de tudo, do alimento à liberdade.
Culpa do imperialismo? Ora, as exportações de petróleo venezuelano para os EUA mantiveram-se inalteradas desde que Chávez chegou ao poder, em 1999. Representam hoje, como então, aproximadamente 10% das importações americanas de petróleo. Fluem para o mercado americano em torno de 35% das exportações venezuelanas de petróleo. Se Washington quisesse, provocaria enorme dano à Venezuela, sem impacto maior sobre o seu abastecimento interno de combustíveis.
A culpada pela tragédia seria, então, a redução à metade no preço internacional do petróleo nos últimos três anos? Óbvio que a queda dos preços dessa commodity não ajudou a Venezuela. Mas não foi apenas o preço que caiu. Despencou também a produção venezuelana de petróleo, que era de cerca de 3 milhões de barris/dia no início do ciclo chavista e hoje se encontra ao redor de 2,5 milhões de barris/dia e em queda. Além disso, em lugar de aproveitar o boom do petróleo para diversificar a economia, Chávez e Maduro só fizeram aumentar a dependência da Venezuela em relação ao “ouro negro”: as exportações de petróleo, que respondiam por menos de 70% das exportações totais no final dos anos 90, hoje representam quase 100%.
A verdade é que a crise humanitária em curso na Venezuela é produto da lavra do chavo-madurismo. Apesar da mística revolucionária, não é difícil explicar a lógica das ações que conduziram a Venezuela à situação atual. A transformação da PDVSA em instrumento do poder chavista dentro e fora do país foi matando a galinha dos ovos de ouro e desorganizando o Estado e a economia do país.
A partir de 2005, quando Chávez anuncia a construção do “socialismo do século 21”, recursos crescentes da empresa estatal petroleira passaram a ser carreados para um fundo gerido discricionária e diretamente pelo presidente da República. Dois anos antes, ele assumira controle absoluto sobre a PDVSA, depois de demitir nada menos de 18 mil funcionários, uma perda de recursos humanos qualificados sem precedentes na história da indústria petroleira mundial.
Hoje, quando faltam comida ao povo e votos ao governo, sobra ao regime, para se manter no poder, o uso da força bruta. Para tanto, conta com a fidelidade da cúpula das Forças Armadas, a maior beneficiada pelo destrutivo “socialismo do século 21”, pródigo em gerar oportunidades de corrupção e ganhos ilegais, e com a mobilização de milícias populares, formadas por um regime que deu armas aos seus, mas não é capaz de assegurar o básico à população do país.
Enquanto os preços internacionais do petróleo estiveram em alta constante (de aproximadamente US$ 45 o barril para mais de US$ 100 entre 2005 e 2012), abundava dinheiro para o financiamento de programas sociais orientados a criar relações de lealdade entre o “povo chavista” e seu carismático líder político. E ainda sobravam recursos para projetar a influência da “revolução bolivariana” sobre países latino-americanos e caribenhos por meio do fornecimento subsidiado de petróleo e doações eleitorais subterrâneas.
No seu auge, o chavismo se mostrava eleitoralmente imbatível em casa e cada vez mais desenvolto no exterior. Seus feitos encantavam grande parte da esquerda latino-americana e mesmo parte da esquerda europeia. E seus recursos forravam cofres e bolsos de políticos, empresários, partidos, consultores, etc., como a Lava Jato tem revelado.
Aqui, no Brasil, os governos do PT e outros partidos ditos de esquerda cantavam o chavismo em verso e prosa, ressaltando a legitimidade que lhe dava o voto popular e a redução da pobreza. Sim, havia distribuição da renda, mas já era claro que o insustentável distributivismo chavista se alimentava da destruição do estoque de riquezas do país (junto com o populismo petroleiro, campeava a desarticulação da agricultura e dos serviços, com expropriações e controle de preços). Igualmente clara era a substituição das antigas oligarquias por uma nova elite civil, militar e, sobretudo, mafiosa, nutrida por uma rede de negócios propiciados pela arbitrária gestão do Estado e da economia. Não menos evidentes eram as crescentes tendências autoritárias do governo chavista (fechamento de rádios e TVs opositoras, aprovação de reeleição ilimitada para o presidente, etc.).
Com a morte do seu líder máximo no início de 2013 e a queda do preço do petróleo, o sonho chavista virou pesadelo. Depois de perder a maioria na Assembleia Nacional ao final de 2015, o regime rasgou o fino véu democrático que ainda lhe encobria a face essencialmente autoritária. Na ausência de votos e recursos financeiros suficientes, restaram as armas como recurso político. E o governo venezuelano o tem empregado sem restrições, não apenas diretamente pelas mãos do Exército e das milícias (na morte e tortura de manifestantes, na prisão de líderes opositores, etc.), mas também indiretamente, como garante último da escalada de arbitrariedades que, pisoteando a própria Constituição chavista de 1999, resultou na implantação de uma ditadura, mal disfarçada por uma Assembleia Constituinte ilegítima.
As engrenagens que passaram a se mover em 2005 hoje trituram a Venezuela. Ao seu início, o “socialismo do século 21” recebeu aplausos e apoio dos governos do PT e seus aliados. Agora, recebe conivente, embora envergonhada, solidariedade de uma esquerda não democrática. O que então já não era justificável hoje se tornou abjeto, à luz da tragédia em curso no país vizinho.
*SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC, COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP

Sem comentários:

Enviar um comentário