Continuação
Jineteiras: amor, sexo & dinheiro nas ruas de Cuba
Parte - 2
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Uma nota lingüística: aprender uma língua é fazer mil cálculos mentais em um segundo. Por exemplo, quando o cara disse que eu tinha gasto tudo em homem, eu pensei em dizer apenas “fui fraco”. Quase falei "fue flaco", mas "flaco" em espanhol quer dizer “magro” e não “fraco”. Dizer “fui magro” teria realmente destruído meu diálogo. O correto teria sido dizer "fue débil", mas eu não sabia disso naquele milésimo de segundo.
Pensei em português “fui fraco”, traduzi para "fue flaco", concluí que não sabia se a tradução era correta e decidi transmitir a mesma idéia de modo mais simples e disse: "nadie lo sabe, es mi secreto." Toda essa cadeia de raciocínio aconteceu ao mesmo tempo em que eu respirava e abaixava a cabeça. Ele respondeu "se lo ve en su cara" e foi-se embora, se achando o gostosão. Coitadinho.
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Meus amigos cubanos que testemunharam o contrajineteio, ao vivo e sem aviso prévio, tiveram que se conter para não rir. Alguns se afastaram pra não me entregar com suas risadas. Muitos até hoje não acreditam que tive a cara-de-pau de inventar uma história dessas e, mais ainda, declamá-la com os olhos cheios d’água e apertando o ombro da vítima. Pois podem acreditar: meu pau, minha memória, minha voz, minha força física, todos esses vacilões já falharam comigo uma vez ou outra. Minha cara-de-pau, pelo contrário, nunca me deixou na mão.
Depois de ver o contrajineteio em ação, Cándido, um dos maiores caras-de-pau que já conheci, fez esse enorme elogio: Alexandre, já podes se considerar um havaneiro honorário!
Jacques e sua jineteira
Alguns jineteiros até oferecem putas, do mesmo modo como oferecem charutos, mas são duas coisas diferentes: jineteira não é puta, puta não é jineteira. Puta é quem transa por dinheiro. Uma jineteira, se cobrar por sexo, não é mais jineteira: é puta.
Rosa, a dona da casa onde estou, não cansa de me advertir contra as implacáveis jineteiras. Morre de medo de eu trazer uma jineteira pra casa e ela fugir com meu dinheiro, meu passaporte e meu computador – e talvez minha honra. Conta uma história de horror atrás da outra, casos exemplares de estrangeiros bobos que sofreram nas mãos de cubanas perversas. Por exemplo, o pobre e inocente francês Jacques e sua malvada jineteira Adela.
Jacques era francês, setenta anos, empresário. Vinha a Cuba três ou quatro vezes por ano, sempre por um mês. Em uma de suas viagens, apaixonou-se por Adela, uma sinuosa mulata cubana de vinte e poucos:
Você não imagina, Alexandre, como o homem era devotado! Fazia tudo por ela! Cada vez que vinha da França, trazia uma mala de roupas, perfumes, comidas exóticas, presentes. Mandava cem euros por mês. Comprou um computador pra ela. Levava Adela para os melhores restaurantes de Havana – e ela ainda dava um jeito de conseguir comissão em cima do coitadinho. Nesse meio tempo, enquanto ele estava na França, ela aproveitava pra dar pra todos os homens da cidade. Um absurdo! Até que arranjou um outro turista e não quis mais saber dele. Jacques ficou aqui semanas, de coração partido, chorando no meu ombro! Pobrezinho!
Mas quem estava jineteando quem?
Rosa ficava horrorizada de ver Adela se gabando para as amigas cubanas do velho francês broxa que lhe mandava cem euros por mês, mas fico imaginando outra conversa:
Vocês não sabem como é fácil! Pra começar, mando uma merreca por mês pra ela ficar feliz, praticamente o preço de um jantar em Paris. Então, antes de embarcar pra Cuba, minha secretária passa em uma liquidação qualquer e compra umas roupas, alguns perfumes, meia dúzia de sucreries, uns espelhinhos, e pronto. Vocês precisam ver a cara dela quando abre a mala. Parece que é um tesouro. Depois, a gente transa a noite toda. E ela não é que nem essas putas frias fedidas do Bois de Bologne, não. Ela faz com amor, com calor, com ardor. Sério, mulher latina é o máximo, vocês deviam arranjar uma também. Quem diria que, depois dos setenta, eu ainda teria uma mulher dessas!
Se Adela só se aproximou de Jacques atrás dos seus euros, Jacques também só se aproximou de Adela atrás de sua sensualidade latina, de sua juventude quente, de sua bunda de mulata. Qualquer relação humana, desde parceria comercial até amizade, só funciona quando ambas as partes estão obtendo algo que desejam. É sempre ida e volta. Senão, caímos naquela falácia tão brasileira de achar que existe corrupto sem corruptor, homossexual passivo sem ativo.
Mas Alexandre, responde Rosa, e as semanas que ele ficou aqui desolado, chorando no meu ouvido?
Olha, das duas uma: ou ele enganou a si mesmo, esqueceu as regras do jogo e se deixou acreditar em amor verdadeiro a essa altura do campeonato ou, mais provável, foi apenas a dor normal do pé na bunda. Quem nunca perdeu ninguém? O outro turista deveria ser mais novo, mais bonito, mais rico, menos broxa. Eu bateria no ombro de Jacques e diria: calma, velho, na próxima esquina tem outra cubana quente, gostosa e precisando dos seus euros. Bola pra frente e Viagra na veia.
Tenho uma amiga brasileira que diz sinceramente não entender porque cargas d’água ela sairia com um homem que não pagasse tudo. Pra ela, isso não faz o menor sentido. Ora, se for pra eu mesma pagar, saio sozinha ou com minhas amigas.
Em Cuba, seria tachada de jineteira. No Brasil, é somente uma mulher à moda antiga.
Somos todos jineteiros
Agora, finalmente, sei como se sente uma mulher bonita.
Sei como é a sensação de não poder andar daqui até ali sem ser abordado por alguém que não conheço, de intenções duvidosas. Sei como é a sensação de não poder sentar quieto num banco de praça ou num bar sem alguém sentar do meu lado de papinho-furado, perguntando quem sou, o que faço ali, qual é meu signo. Sei como é a sensação de ter que decidir em meio segundo se é apenas um cubano extrovertido com quem quero bater-papo ou se é um jineteiro pentelho que quero despachar. Sei como é a sensação canalha, mas tentadora, de calcular se consigo tirar dele o que quero (no meu caso, umas dicas interessantes; no dela, um drinque, um almoço) sem ter de necessariamente lhe dar o que ele quer (meus dólares, um beijinho, sexo).
Ser uma mulher bonita é ser jineteada todo dia.
Quando abordo uma cubana na biblioteca pra saber o que está estudando, poxa, que interessante, quer tomar um café comigo ali na esquina?, quem sabe me deixar beijar seus pés?, qual a diferença disso pro cubano que me aborda na rua, pergunta de que país eu sou, Brasil, que legal, adoro o Brasil, você quer charutos?, por que não vamos pro restaurante do meu amigo aqui perto conversar?
A mulher que se aproxima de um turista porque vê nele uma fonte possível de dinheiro fácil é diferente do turista que se aproxima da nativa porque vê nela uma fonte possível de sexo fácil? Quem é o jineteiro? Quem está jineteando quem? Quem está enganando quem? Tem alguém enganando alguém?
Somos todos jineteiros.
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Essa crônica faz parte do meu ebook Radical Rebelde Revolucionário: Crônicas Cubanas, à venda no meu site. Todas as fotos desse post são minhas e a maioria está no livro. Confere lá.
publicado em 07 de Novembro de 2012, 22:02
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