domingo, 17 de julho de 2016

CONCENTRAÇÃO DE RENDA quase nada mudou nos últimos anos Brasil Junho 2016

 CONCENTRAÇÃO DE RENDA quase nada mudou nos últimos anos  Brasil Junho 2016 2








 Tem sido muito frequente a afirmação de que nos últimos treze anos hou - ve um inédito e expressivo processo de distribuição de renda no Brasil. O estudo que publicamos neste quarto número do Boletim de Conjuntura da Fundação João Manga - beira não confirma isso. Processos de distribuição de renda não são inéditos no país. O mais substancial deles ocorreu entre 1946 e 1964, e foi interrompido pelo golpe militar. A Constituição de 1988 criou as condições preliminares para que ele fosse retomado, em diferentes ritmos, nas décadas de 1990 e 2000. Esse ciclo recente de distribuição sem reformas foi superficial e já terminou. Desde 2013 está em curso uma reversão dos ganhos obtidos, o que não deve nos surpreender. Nesse período, a economia brasileira experimentou retrocessos importantes em seu grau de com - plexidade e em sua inserção no sistema internacional. Como mostramos em boletim ante - rior, de outubro de 2015, a indústria se enfraqueceu e a pauta de exportações se reprimari - zou. O trabalho qualificado, base de um aumento sustentável da renda, regrediu. Um modelo econômico com essas características não pode sustentar por muito tempo um aumento na renda da maioria da população. Ancorado em gastos bancados diretamente pelo Estado, o processo distributivo, tal como foi conduzido, contribuiu para a crise fiscal que vivemos hoje, agravada pelo aumento dos juros, as desonerações tributárias e a recessão. Nosso estudo demonstra também que o desempenho brasileiro durante a primeira dé - cada do século XXI nada teve de excepcional: apenas acompanhamos o movimento geral da América Latina, igualmente beneficiada pela alta internacional nos preços das commo - dities. Comparados com o mundo, transitamos da quarta para a quinta posição no ranking de países com pior distribuição de renda. A ideia de que nos tornamos um país de classe média, tão re - petida pelo governo, resulta de um simples truque estatístico, já que pessoas com renda mensal entre R$ 291,00 e R$ 1.029,00 passaram a ser computadas nesse grupo social. Rebaixando a linha de corte, retiramos milhões de pessoas da pobreza com uma penada. Há múltiplas explicações para a resiliência da desigual - dade entre nós, entre as quais a concentração da proprieda - de, a estrutura do mercado de trabalho, o sistema tri - butário e o perfil dos gastos do Estado. Não pode haver democracia robusta e estável com desigualdade grande demais. Precisamos entender essa característica histórica da sociedade brasileira para que possamos alterá-la. Boa leitura! Rena t o C a s a grande Presidente da Fundação João Mangabeira. Fundação João Mangabeira Diretoria Executiva Presi dente Renato Casagrande Diretor Administrativo Milton Coelho da Silva Neto Diretor de cursos Vivaldo Vieira Barbosa Diretor Financeiro Renato Xavier Thiebaut Diretor de Assessoria Jocelino Francisco de Menezes Conselho Cu rado r Membros Titulares Presi dente Carlos Siqueira Luiza Erundina de Sousa Serafim Corrêa Dalvino Troccoli Franca Kátia Born Álvaro Cabral Adilson Gomes da Silva Eliane Novais Paulo Afonso Bracarense Manoel Alexandre Bruno da Mata James Lewis Silvânio Medeiros dos Santos Francisco Cortez Gabriel Gelpke Joilson Cardoso Conselho Cura dor ( S u plentes) Jairon Alcir do Nascimento Paulo Blanco Barroso Felipe Rocha Martins Henrique José Antão de Carvalho Conselho Fiscal Cacilda de Oliveira Chequer Ana Lúcia de Faria Nogueira Gerson Bento da Silva Filho Conselho Fiscal ( S u plentes) Marcos José Mota Cerqueira Dalton Rosa Freitas Sede própria – SHIS QI 5 – Conjunto 2 casa 2 CEP 71615-020 - Lago Sul - Brasília, DF Telefax: (61) 3365-4099/3365-5277/3365-5279 www.fjmangabeira.org.br www.tvjoaomangabeira.org.br www.facebook.org/Fjoaomangabeira - twitter.org/fj_mangabeira Copyright ©Fundação João Mangabeira 2015 Cré ditos Coor denação Geral Renato Casagrande coor denação Editorial Márcia Rollemberg pesquisa e texto César Benjamin Assessoria de co municação Handerson Siqueira Pro jeto grá fico Traço Design ca p a Candido Portinari, “Retirantes” Impressão TC Gráfica Tiragem 5.000 exemplares Distribuição Versão impressa e eletrônica Acesso e download http://www.tvjoaomangabeira.com.br/boletimconjunturabrasil boletimconjuntura Brasil Junho 2016 4 5 Junho 2016 boletimconjuntura Brasil A evoluç ão rece nte da desigu a ldade no Brasil Estudos r e c ent es, qu e usam o banco d e dados da Re c eita F e d eral, mostram qu e a r enda brasil eira p erman e c eu extr emam ent e conc entrada nos últimos quinz e anos. a distribuição foi quas e r esidual. o brasil p erman e c e ond e s empr e est e v e, no grupo dos país es mais d esiguais do mundo. boletimconjunturaBrasil Junho 2016 6 7 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil A desigualdade existente no Brasil é incompatível com o grau de modernização que nossa sociedade já atingiu. Além de grande, ela é resiliente, seja qual for a metodologia adotada para estudá-la. A base de dados mais tradicional são as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (PNADs), do IBGE, bastante sérias, mas portadoras de uma grande limitação: as entrevistas domiciliares praticamente só recolhem informações sobre salários, aposentadorias e pensões, deixando de fora lucros, dividendos e outros ganhos de capital, heranças, rendas resultantes de patrimônio, investimentos financeiros e atividades afins, que nunca são citados. Os dados das PNADs mostram, basicamente, o que ocorre no mundo do trabalho. Ao subestimarem grandemente as rendas mais altas, essas pesquisas não conseguem captar o comportamento da desigualdade como um todo. Pois em um país com renda muito concentrada, como o Brasil, o que determina as variações na desigualdade é o comportamento do topo da escala, onde está a maior parte da renda nacional. A desigualdade que existe dentro dos 90% que são pobres ou remediados tem pouca influência no resultado geral. Por isso as PNADs não são o instrumento adequado para medir a chamada distribuição funcional da renda, que separa trabalho e capital. Nos últimos anos começaram a surgir trabalhos, ainda pouco divulgados, que se baseiam no banco de dados da Receita Federal.2 Eles partem das declarações de imposto de renda de pessoas físicas, uma fonte que não registra os rendimentos dos mais pobres, que são isentos, mas capta de modo mais confiá- vel os rendimentos dos mais ricos. Contrariando as expectativas, esses trabalhos revelam duas coisas: (a) na melhor das hipóteses, a distribuição da renda permaneceu estável durante a última década (Figura 2); (b) a concentração no topo da escala é substancialmente maior do que se pensava, pois justamente ali ela se acelera (Figura 3). A partir desses resultados, começa a se formar um novo consenso: as pesquisas domiciliares indicaram corretamente melhoras na base da pirâmide social, provavelmente como efeito da maior geração de empregos formais Ao contrário do que diz a propaganda oficial, não houve alteração significativa no perfil da distribuição de renda no Brasil na última década. Desde 2013 os pequenos ganhos começaram a ser revertidos. Tudo indica que o ciclo de distribuição sem reformas foi curto e superficial, incapaz de produzir ganhos significativos e permanentes. A renda continua concentrada no topo da escala, onde está o pequeno grupo dos mais ricos. O Brasil sempre esteve no grupo dos países que têm a renda mais concentrada no mundo, disputando com alguns países africanos e latino-americanos os últimos lugares nas classifica- ções internacionais. Nossa trajetória histórica é bastante estável a respeito disso, mas com inflexões. Entre 1946 e 1963 houve a mais expressiva e mais longa redução da desigualdade já registrada entre nós. O golpe militar de 1964 a interrompeu, dando início a um período de reconcentração. Essa tendência perdurou até 1992, quando os efeitos da Constituição de 1988 começaram a se fazer sentir. Nesse ano iniciamos uma nova trajetória de melhora que, em diferentes ritmos, durou até 2013. Terminou então esse ciclo recente, que podemos chamar de distribuição sem reformas. A reversão de 2013 não foi logo percebida porque os dados estatísticos mostravam que a baixa classe média continuava crescendo. Nesse ano, porém, ela já não crescia por absorver grupos em ascensão. Ao contrário. Pessoas antes posicionadas em estratos superiores estavam caindo. Ou seja, a baixa classe média ainda crescia em 2013 porque a média classe média diminuía (Figura 1).1 A estagnação econômica de 2014 e a forte recessão que começou em 2015 estão acelerando o empobrecimento da população e a concentração da renda nacional. Em vez de ganhos estruturais e permanentes, os governos do PT produziram uma distribui- ção tímida e facilmente reversível, incapaz de retirar o país da sua posi- ção tradicional. A PNAD de 2013 já mostrava que 3,4 milhões de pessoas estavam em mobilidade social descendente em relação a 2012. A alta classe média e a média classe média diminuíam de tamanho, redistribuindo-se pelos três estratos inferiores. Figura 1 Estratificação social da população brasileira Padrões de vida 2012 (mil pessoas) 2013 (mil pessoas) 2013 - 2012 (mil pessoas) Alta Classe Média 17.877 17.097 – 780 Média Classe Média 31.459 28.857 – 2.603 Baixa Classe Media 86.658 89.043 2.385 Massa Trabalhadora 50.548 50.218 – 330 Miseráveis 14.926 16.253 1.327 Total 201.467 201.467 0 Fonte: Waldir Quadros, “A regressão social que ameaça a sociedade brasileira”, Le Monde Diplomatique – Brasil, 2 de maio de 2016. boletimconjunturaBrasil Junho 2016 8 9 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil e dos aumentos reais do salário mínimo, que é o indexador dos benefícios do sistema de Seguridade Social (Figura 4). Mas isso não foi suficiente para alterar a desigualdade total. Houve mobilidade social entre os mais pobres, chegando até a baixa classe média, mas a partir desse patamar o movimento arrefeceu consideravelmente. Cresceu a concentração no topo – algo que as PNADs não captam –, pois os ricos continuaram a se apropriar da maior parte do crescimento da renda nacional. Por isso a desigualdade de renda, vista como um todo, não diminuiu e pode até mesmo ter aumentado. As pesquisas que usam os dados tributários mostram que a razão entre a renda do grupo 1% mais rico e o PIB voltou a crescer a partir de 2006. As diferenças que se obtêm a partir de dados tributários e de pesquisas domiciliares tornam-se gigantescas quando se observam esse grupo dos 1% mais ricos e os subgrupos que se podem formar dentro dele. Em 2013, 71 mil pessoas, que correspondiam a 0,3% dos declarantes de imposto de renda e a 0,05% da população economicamente ativa, dispunham de 14% da renda total e de 22,7% de toda a riqueza declarada à Receita Federal na forma de bens e ativos financeiros.3 Paradoxalmente, esse ínfimo grupo social paga menos impostos, proporcionalmente, do que todos os demais. Os dados tributários não mostram nenhuma alteração clara no perfil da distribuição de renda no Brasil nos últimos quinze anos. Os coeficientes de A superposição das curvas de Lorenz para os anos 2006, 2009 e 2012 mostra que elas praticamente coincidem ao longo de todas as faixas de renda, o que demonstra a estabilidade da distribuição. A metade mais pobre da população não chega a dispor de 10% da renda do país, enquanto os 10% mais ricos se apropriam de 60%. A inclinação das curvas aumenta muito no topo da distribuição, mostrando que a concentração se acelera ali. Até 90%, as fontes são as PNADs. O último décimo foi calculado com dados da Receita Federal. O histograma mostra as transferências de renda do governo federal às famílias entre 2002 e 2014. Nesse último ano, os benefícios previdenciários (atrelados ao salário mínimo) distribuíam 7,4% do PIB, enquanto o segurodesemprego distribuía 0,9%, os benefícios assistenciais distribuíam 0,7% e o Bolsa-Família apenas 0,5%. Isso mostra que a melhora na distribuição da renda no Brasil tem muito mais a ver com os dispositivos da Constituição de 1988 do que com os programas de transferência de renda. Não há tendência de queda na participação dos mais ricos na renda nacional entre 2006 e 2012. Nesse último ano, os 0,1% mais ricos dispunham de 11% da renda total, com uma renda 110 vezes maior que a média. Os 1% mais ricos se apropriavam de pouco mais de 25%, enquanto os 5% mais ricos ficavam com 47%. Fonte: Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Ferreira de Souza e Fábio Ávila de Castro, “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e de pesquisas domiciliares”. Saúde Coletiva, v. 20, n. 4, abril de 2015. Figura 2 Curvas de Lorenz, Brasil (2006 – 2009 / 2012) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Fonte: Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Ferreira de Souza e Fábio Ávila de Castro, “O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares, 2006-2012”, Dados, v. 58, n. 1, Rio de Janeiro, jan.-mar. 2015. Figura 3 Percentual da renda total apropriado pelo 0,1%, pelo 1% e pelo 5% mais ricos – Brasil 2006/2012 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 5% mais ricos 1% mais ricos 0,1% mais ricos 50 40 30 20 10 0 Percentual da renda total (%) • Curva de Lorenz 2006 • Curva de Lorenz 2009 • Curva de Lorenz 2012 Fonte: Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Figura 4 Transferências de renda da União às famílias, em % do PIB • Benefícios previdienciários •Benefícios assistenciais (LOAS e RMV) • Seguro desemprego e abono salarial • Bolsa família e outros programas 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 0,1 0,1 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,6 0,7 0,7 0,8 0,8 0,8 0,9 0,9 0,9 0,0 0,3 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5 0,6 0,6 0,6 0,7 0,7 0,7 6,0 6,3 6,5 6,8 7,0 7,0 6,6 6,9 6,8 6,8 7,2 7,4 7,4 boletimconjunturaBrasil Junho 2016 10 11 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil Gini calculados a partir deles são bem maiores e mais estáveis que os calculados a partir das PNADs: 0,696 em 2006, 0,698 em 2009 e 0,688 em 2012 – níveis altíssimos –, apresentando uma variação para cima e para baixo inferior a 1%, sem tendência clara.4 Esse coeficiente, como se sabe, varia de zero (distribuição perfeita da renda) a um (concentração máxima), de modo que quanto maior, mais desigual é o país. Para reforçar a percepção de que nada de excepcional aconteceu no Brasil neste início do século XXI, basta constatar que nossa posição relativa no mundo quase não mudou. O aumento dos gastos sociais e a queda na desigualdade, medida por pesquisas domiciliares, foram fenômenos generalizados na América Latina, graças à conjuntura internacional favorável aos países produtores de commodities, o que afrouxou as restrições nas contas externas e permitiu a ampliação das despesas públicas (Figura 5).5 O Panorama Social de America Latina, da Cepal, reforça a ideia de que o Brasil não teve uma trajetória específica ao mostrar que o ciclo de queda da pobreza em todo o continente terminou em 2014, junto do nosso, mantendo a desigualdade em um nível muito alto.6 Também no ranking mundial dos países mais desiguais o Brasil quase não se moveu, deslocando-se da quarta para a quinta posição (Figura 6).7 A sensação generalizada de que a distribuição de renda teve um salto de qualidade nos governos do PT nasce de três fatores: a. a maior formalização nas relações de trabalho, com os assalariados com carteira passando de 40% para 52% da população economicamente ativa; a carteira assinada traz consigo uma série de benefícios e o reconhecimento oficial de uma renda; b. a expansão do crédito, que também é potencializado pela carteira assinada e aumenta enormemente o poder de compra no curto prazo; c. a apreciação do real diante do dólar. Essa apreciação, como se sabe, é nociva à economia do país, pois deprime o investimento. Mas, ao mesmo tempo, barateia os produtos importados. Cotados em dólar, os salários brasileiros deram um salto impressionante entre 2002 e 2014. Como grande parte dos eletrodomésticos é importada ou usa muitos componentes importados, os salários subiram muito mais rapidamente do que os preços desses produtos, que são o sonho de consumo de todas as famílias. Esses três fatores deixaram de existir: o desemprego e a informalidade voltaram a crescer, o crédito está se contraindo e o real sofreu forte desvalorização. Acabou a mágica. Variação média anual do coeficiente de Gini em países latino-americanos entre 2001 e 2009, medida segundo pesquisas domiciliares. Por esse critério, todos os países do painel, com exceção de Honduras, melhoraram seus índices de desigualdade na primeira década do século XXI. Fonte: Reinaldo Gonçalves, “Redução da desigualdade na renda no governo Lula: análise comparativa”, http:// www.ie.ufrj.br/hpp/mostra. php?idprof=77. Entre meados da década de 1990 e 2010, o Brasil passa da quarta para a quinta posição no ranking dos países mais desiguais do mundo, um resultado muito insuficiente. Cálculos feitos a partir de pesquisas domiciliares. Fonte: Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Figura 5 América Latina - Coeficiente de Gini, variação média anual (2001–2009) Venezuela Peru Brasil Paraguai Argentina Chile Média Mediana México Equador Bolívia Uruguai Colômbia 0,20 0,00 -0,20 -0,40 -0,60 -0,80 -1,00 -1,20 Figura 6 Mundo - Coeficiente de Gini em Ordem Decrescente (10 países com Maior Desigualdade de Renda): Meados dos Anos 1990 e Primeira Década do Século XXI Gini, meados anos 1990 Gini, 2010 1 Suazilândia 60,9 Colômbia 58,5 2 Nicarágua 60,3 África do Sul 57,8 3 África do Sul 59,3 Bolívia 57,2 4 Brasil 59,1 Honduras 55,3 5 Honduras 59,0 Brasil 55,0 6 Bolívia 58,9 Panamá 54,9 7 Paraguai 57,7 Equador 54,4 8 Chile 57,5 Guatemala 53,7 9 Colômbia 57,1 Paraguai 53,2 10 Zimbábue 56,8 Lesoto 52,2 Fonte: Reinaldo Gonçalves, Desenvolvimento às avessas. Rio de Janeiro: LTC, 2013. boletimconjuntura Brasil Junho 2016 12 13 Junho 2016 boletimconjuntura Brasil A estrutura social de um país é pro - fundamente marcada pela distribuição da propriedade e o perfil do mercado de trabalho. A primeira influencia de - cisivamente as condições iniciais da vida de cada um, enquanto o emprego determina o tipo de inserção que a maioria das pessoas terá na sociedade. Os governos do P T nem democratiza - ram a propriedade nem tornaram a estrutura produtiva brasileira mais complexa, de modo a demandar tra - balho qualificado em mais alto grau. Não aproveitaram a excepcional con - juntura internacional e a bonança dela decorrente para realizar reformas es - truturantes, aquelas capazes de con - solidar ganhos e avanços. O Brasil per - deu uma oportunidade histórica. Toda a melhora se concentrou no consumo individual de curto prazo, fortemente alavancado pela expansão P aís DE c l ass e mé d i a ? Pessoas com r enda m ensal a partir d e R$ 291,00 foram incluídas na class e média, s em qu e sua qualidad e d e vida justi ficass e essa asc ensão social m eram ent e estatística do crédito. A afirmação de que o Brasil se transformou em um país de classe média não tem sentido algum. Para poder dizer isso, o governo adotou um critério de corte muito rebaixado, es - tabelecendo uma renda mínima extre - mamente baixa para o ingresso nessa classe. Pessoas com renda entre R$ 291,00 e R$ 1.029,00 mensais passa - ram a ser classificadas assim. Graças a essa manipulação estatística, nada me - nos do que 54% dos chefes de família sem escolaridade ou com ensino fun - damental incompleto e 64% das em - pregadas domésticas, que são o estra - to inferior do mercado de trabalho urbano, foram incluídos na classe mé - dia, sem que sua qualidade de vida jus - tificasse essa passagem. 8 Falsificou-se assim um conceito sociológico criado na década de 1950 para descrever a expansão dos chama - dos “empregos de colarinho branco” nas grandes empresas típicas da S e - gunda Revolução Industrial. Foi du - rante o chamado “milagre econômico” da década de 1970, na ditadura militar, que esse tipo de ocupação mais se ex - pandiu entre nós. No período recente, ao contrário, o setor de serviços de baixa qualificação foi responsável pela maioria dos novos empregos. Medida somente pelo critério da ren - da monetária, a redução da pobreza não capta outras dimensões essenciais de bem-estar e cidadania. Uma medi - da multidimensional mostraria que a melhora da qualidade de vida foi mui - to menor do que a que tem sido anun - ciada. Entende-se isso facilmente ao se observarem três características do modelo que o P T implantou: a. Por causa da permanente sobreva - lorização do câmbio (até 2015), a in - dústria brasileira não conseguiu cap - turar para si o aumento da demanda de bens de consumo. O resultado foi um aumento das importações, com desin - dustrialização e queda no saldo comer - cial do país (ver Desindustrialização, Boletim de Conjuntura nº 2 da Fun - dação João Mangabeira, outubro de 2015). A estrutura produtiva do país regrediu, com impacto óbvio sobre a possibilidade de sustentar padrões de vida mais elevados. b. A renda monetária das famílias au - mentou, mas manteve-se intacta a tra - dicional deficiência na oferta de ser - viços coletivos essenciais, como saneamento, educação, saúde, trans - porte e segurança. Parte dos ganhos foi absorvida pela compra desses serviços no mercado privado, especialmente de educação e saúde. 9 c. Houve grande estímulo ao endivi - damento. Na média, o estoque de dí - vidas atingiu 45% da renda familiar anual e passou a comprometer 20% dos rendimentos correntes. Com a re - versão do ciclo econômico, o aumento do desemprego e a queda na renda, esse endividamento torna muito mais vulneráveis as classes populares (ver Desemprego, Boletim de Conjuntura nº 3 da Fundação João Mangabeira, no - vembro de 2015). boletimconjunturaBrasil Junho 2016 14 15 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil A política de salário mínimo é muito importante para a economia e a sociedade brasileiras, pois ele é o indexador da renda de camadas pobres grandemente majoritárias (embora não das mais pobres), tanto no mercado de trabalho (formal ou informal) quanto nas aposentadorias e na maioria dos demais benefícios da Seguridade Social. Como vimos na Figura 4, a combinação dos dispositivos constitucionais de 1988 com a recuperação consistente do salário mínimo – que já dura mais de vinte anos – constituiu, de longe, o mais importante mecanismo de redistribui- ção de renda no Brasil contemporâneo. Isso está fortemente ameaçado agora. O debate em torno desse tema tende a crescer (ver “Salário mínimo, ontem e hoje”). Opapel do salário mínimo a indexação dos benefícios da seguridade social ao salário mínimo foi, de longe, o principal mecanismo de distribuição de renda nas últimas décadas. Esta é uma conquista da constituição de 1988 O péssimo desempenho atual da economia brasileira e a presença de pressões inflacionárias têm reatualizado a argumentação de que a política de valorização do salário mínimo impõe uma grave restrição ao crescimento econômico, ao encarecer a mão de obra e inibir os investimentos. Seria preciso, pois, diminuir o ritmo de ganhos para aumentar a competitividade da economia. Isso não é verdade. A Figura 9 mostra que o salário mínimo não está muito acima de sua média histórica, e a Figura 10 mostra que a relação entre o salário mínimo e o PIB per capita subiu lentamente na última década. Ou seja, quando observamos o indicador relevante – pois o PIB per capita é uma boa aproximação dos ganhos de produtividade da economia –, vemos que o aumento do salário mínimo tem sido adequado ao equilíbrio macroeconô- mico do país. O ritmo de ganhos do salário mí- nimo já é fortemente decrescente, por causa, principalmente, da queda observada nas taxas de crescimento do PIB, o indexador mais importante dos aumentos reais. No primeiro governo Dilma, o crescimento real foi muito menor do que no primeiro governo de Implantado por Getúlio Vargas em 1940, o salário mínimo sofreu grandes oscilações desde então, atingindo o pico do seu poder de compra no biênio 1958-1959. Depois caiu e manteve relativa estabilidade até 1985, quando, em plena crise inflacionária, começou a desabar. Perdeu, então, toda relevância na economia e na sociedade brasileiras. A Constituição de 1988 indexou a maioria dos benefícios do recém-criado Sistema de Seguridade Social ao salário mínimo. Não sabemos o grau de consciência que os parlamentares tinham em relação a tal decisão, mas ela foi de grande alcance. Por causa do baixo valor do salário mínimo da época, seu impacto redistributivo não foi logo percebido. Nos anos seguintes, o salário mínimo continuou a cair, atingindo seu menor valor histórico em 1991-1992. Começou então um processo de recuperação que durou até 2014 – e que está ameaçado. A lei em vigor, estabelecida em 2011 e renovada em 2015, só tem validade até 2019. Por causa da recessão, seus efeitos já se tornaram nulos. A Figura 7 mostra que não foram os governos do PT que iniciaram essa recuperação. Sempre seguindo uma curva ascendente, o salário mínimo real mais do que dobrou entre 1995 e 2014. Hoje, cerca de 119 milhões de pessoas estão no mercado de trabalho ou são beneficiárias da Previdência. Destas, 17 milhões recebem menos de 1 salário mínimo Salário mínimo, ontem e hoje O movimento ascendente do salário mínimo começou em 1995 e se estendeu até 2013, acumulando 128% de crescimento real. Esse foi, de longe, o mais importante mecanismo de distribuição de renda nesse período, já que, conforme a Constituição de 1988, o salário mínimo é o indexador dos benefícios do sistema de Seguridade Social. Fonte: João Saboia e João Hallak Neto, “Salário mínimo e distribuição de renda no Brasil a partir dos anos 2000”, Instituto de Economia da UFRJ, Texto para discussão n. 2, 2016. Figura 7 900 800 700 600 500 400 300 200 100 - 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Evolução do salário mínimo real, em R$ – 1994/2014 boletimconjunturaBrasil Junho 2016 16 17 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil e 31 milhões recebem 1 salário mínimo. Cerca de 70% dos assalariados recebem até 2 salários mínimos – faixa salarial que é diretamente atingida pelos reajustes desse indexador. As estatísticas não confirmam uma ideia que foi hegemônica durante muito tempo e que agora começa a voltar: a de que uma política de aumento real do salário mínimo provocaria três consequências negativas: (a) crescimento do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho; (b) tensões inflacionárias; (c) desequilíbrios fiscais insanáveis. Na última década houve uma relação inversa entre o aumento do salário mínimo, de um lado, e as taxas de desemprego e de informalidade, de outro. Ao mesmo tempo, enquanto o salário mínimo subia, a inflação foi mantida em patamares baixos e o desequilíbrio fiscal brasileiro continuou atrelado à conta de juros. Há os que destacam o suposto impacto inflacionário do atual nível do salário mínimo, pois os trabalhadores que recebem esse salário, ou cujos rendimentos estão indexados a ele, têm alta propensão a consumir. É apenas uma hipótese. Ninguém demonstrou que seja verdadeira. Ao contrário. O único estudo disponível sobre o assunto chama-se “Algumas evidências sobre a relação entre salário mínimo e inflação no Brasil”, apresentado pelo Banco Central em março de 2014. Segundo esse estudo econométrico, cada 10% de reajuste no salário mínimo nacional tende a gerar um acréscimo de apenas 0,6% nos serviços e de 0,2% no IPCA cheio, depois de cinco trimestres. Diz o Banco Central: “O impacto de reajustes do salário mínimo nacional sobre a inflação ao consumidor parece ser estatisticamente não significante, pelo menos considerando a ordem de grandeza dos reajustes colocados em prática desde o ano 2000” (Figura 8). Estudo do Banco Central mostra que cada 10% de reajuste no salário mínimo nacional gera, depois de cinco meses, um acréscimo de apenas 0,6% nos serviços e de 0,2% no IPCA cheio. Esse aumento se dilui nos meses seguintes. O salário mínimo em perspectiva de longo prazo. Valor real a preços de 2014. A ideia de que o salário mínimo está alto demais não se sustenta. Na verdade, ele não está distante de sua média histórica. O péssimo desempenho atual da economia brasileira e a presença de pressões inflacionárias têm reatualizado a argumentação de que a política de valorização do salário mínimo impõe uma grave restrição ao crescimento econômico, ao encarecer a mão de obra e inibir os investimentos. Seria preciso, pois, diminuir o ritmo de ganhos para aumentar a competitividade da economia. Isso não é verdade. A Figura 9 mostra que o salário mínimo não está muito acima de sua média histórica, e a Figura 10 mostra que a relação entre o salário mí- nimo e o PIB per capita subiu lentamente na última década. Ou seja, quando observamos o indicador relevante – pois o PIB per capita é uma boa aproximação dos ganhos de produtividade da economia –, vemos que o aumento do salário mínimo tem sido adequado ao equilí- brio macroeconômico do país. O ritmo de ganhos do salário mí- nimo já é fortemente decrescente, por causa, principalmente, da queda observada nas taxas de crescimento do PIB, o indexador mais importante dos aumentos reais. No primeiro governo Dilma, o crescimento real foi muito menor do que no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Neste segundo mandato de Dilma, o PIB parou de crescer. Fonte: Banco Central, “Algumas evidências sobre a relação entre salário mínimo e inflação no Brasil”, http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2013/03/ri201303b8p.pdf * inflação acumulada em 4 trimestres (em %) Figura 8 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 Resposta da inflação a um aumento de 10% no salário mínimo* - Modelo desagregado de pequeno porte 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 • IPCA Serviços • IPCA Livres • IPCA cheio Fonte: Ipea. Figura 9 1.200 1.000 800 600 400 200 0 1940.12 1943.12 1946.12 1949.12 1952.12 1955.12 1958.12 1961.12 1964.12 1967.12 1970.12 1973.12 1976.12 1979.12 1982.12 1985.12 1988.12 1991.12 1994.12 1997.12 2000.12 2003.12 2006.12 2009.12 2012.12 O salário mínimo em perspectiva de longo prazo (valor real a preços de fevereiro de 2014) Média histórica boletimconjunturaBrasil Junho 2016 18 19 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil Os percentuais de aumento real foram os seguintes: FHC 1º mandato: 29,45% FHC 2º mandato: 9,98% Lula 1º mandato: 20,68% Lula 2º mandato: 34,87% Dilma 1º mandato: 11,36% O desempenho dos governos do PT é melhor, mas não é qualitativamente diferente do dos governos do PSDB. Essa melhora na margem pode ser explicada pela conjuntura internacional excepcionalmente favorável que prevaleceu durante o segundo mandato de Lula. Combinado com os dispositivos que regulam o sistema de Seguridade Social, o salário mínimo é a principal via de distribuição de renda no Brasil, atingindo diretamente cerca de 70% dos trabalhadores ativos e a quase-totalidade dos aposentados. Além disso, o gasto público com esse salário é o que tem o maior efeito multiplicador sobre o crescimento do PIB, da renda e do emprego. Ele deve ser preservado. Evolução do salário mínimo real e sua relação com o PIB per capita, indicador que é uma aproximação dos ganhos de produtividade da economia. Essa última relação não confirma a ideia de um crescimento exagerado do salário mínimo no último período. Os planos Cruzado (1986) e Real (1994) já haviam produzido quedas significativas nos indicadores de pobreza, mas elas não se sustentaram. Representaram flutuações, sem inaugurar períodos qualitativamente novos. Tudo indica que a experiência recente, nos governos do PT, repete esse padrão. A desigualdade social brasileira, mais uma vez, mostra a sua resiliência. Há divergências na interpretação desse fato. O pensamento conservador enfatiza as deficiências do nosso sistema educacional, pois a educação teria o papel de elevar a qualificação da for- ça de trabalho, tornando-a mais bem remunerada. Assim, a distribuição de renda ocorreria no interior dos processos normais de acumulação de capital, pela melhor capacitação dos trabalhadores, o aumento da sua produtividade e a consequente elevação de salários. Essa visão subestima as causas estruturais que operam por dentro do sistema econômico. Podemos destacar, pelo menos, quatro dessas causas: a. A concentração da propriedade A concentração da riqueza – ou seja, do estoque de bens, na forma de terras, imóveis, fábricas etc. – é maior que a da renda. Estima-se que 1% da população detenha 53% do estoque de riqueza do país. Isso evidencia que as questões da pobreza e da desigualdade não dizem respeito apenas à renda, ou seja, ao fluxo monetário corrente. Elas nos remetem também à criação da riqueza no passado, à forma como ela se cristalizou e foi apropriada ao longo do tempo. Os dados disponíveis mostram um aumento na concentração da propriedade. As grandes propriedades rurais ocupavam 51,6% da área total em Por que a desigualdade se reproduz? causas estruturais, que atuam por dentro do sistema socioeconômico, contribuem decisivamente para que a renda nacional permaneça concentrada. A alteração desse quadro exige reformas Fonte: Banco Central e Ipeadata. Figura 10 180,0 160,0 140,0 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 - 1943 1947 1951 1955 1959 1963 1967 1971 1975 1979 1983 1987 1991 1995 1999 2003 2007 2011 Evolução do Salário Mínimo Real e da Relação Salário Mínimo / PIB per capita – Brasil, 1943–2012 • Salário mínimo / Pib per capita • Salário mínimo real boletimconjuntura Brasil Junho 2016 20 21 Junho 2016 boletimconjuntura Brasil 2003 e 56,1% em 2010, enquanto os ativos totais dos cinquenta maiores bancos, no mesmo período, passaram de 100% a 174% dos ativos das qui - nhentas maiores empresas.10 b. A estrutura do mercado de trabalho A desindustrialização do país e o tama - nho insuficiente do moderno setor de serviços fazem com que a economia bra - sileira absorva pouco trabalho qualifi - cado, o mais bem remunerado. O pro - blema não está situado principalmente na oferta (educação), mas na demanda de força de trabalho (estrutura produti - va do país). A grande maioria dos em - pregos gerados nos últimos quinze anos concentrou-se nos serviços de baixa qua - lificação – office-boys, vigilantes, balco - nistas, vendedores etc. –, que pagam até dois salários mínimos. c. O sistema tributário A tributação pode ser progressiva (quando atinge mais fortemente as ren - das mais altas), proporcional (quando é neutra em relação aos estratos de ren - da) ou regressiva (quando penaliza os mais pobres). O Brasil está neste últi - mo caso: as famílias pobres gastam 32% de sua renda em pagamento de impostos, enquanto as mais ricas gas - tam 21%.11 Isso é uma decorrência do sistema tributário brasileiro, forte - mente baseado em impostos indiretos, que incidem sobre o consumo. É muito baixa a tributação sobre propriedades, heranças e patrimônio em geral. O imposto de renda, por sua vez, penaliza fortemente a classe mé - dia, pois as rendas recebidas sob a for - ma de distribuição de lucros e dividen - dos, tipicamente apropriadas pelos mais ricos, estão isentas de tributação. Por isso o pequeno grupo que ganha mensalmente mais de 160 salários mí - nimos paga apenas 6,5% de imposto sobre sua renda total. Essa estrutura de tributação – que resulta de decisões políticas – destoa dos padrões aplicados nos países mais ricos e contribui para concentrar a ren - da nacional. d. O perfil dos gastos do Estado O gasto social do Estado, que tem uma função redistributiva, vem sendo am - pliado desde que a Constituição de 1988 entrou em vigor. Atingiu 15% do PIB em 2013. Mas também há gastos for - temente regressivos. Um deles é o da rolagem da dívida pública, que remu - nera a parcela mais rica da população. Nos doze primeiros anos de exis - tência, entre 2003 e 2015, o programa Bolsa Família distribuiu R$ 168 bilhões aos seus beneficiários, o que equivale a somente 37% do que o Estado gasta por ano com o pagamento de juros da dívida pública. O problema não é só o nível da taxa de juros, mas o próprio regime de po - lítica monetária adotado pelo Banco Central. Os títulos públicos brasileiros têm a rentabilidade de uma poupança premiada e a mesma liquidez da moe - da, o que é uma clara anomalia. Os po - bres só têm acesso à moeda comum, que se desvaloriza conforme a taxa de inflação, enquanto os ricos manejam também essa “moeda financeira” que rende juros, outro mecanismo forte - mente concentrador da renda nacional. Somos um país com muitos pobres e com grandes desigualdades. Mas não somos miseráveis. O esforço que fize - mos no século XX criou um parque in - dustrial articulado e quase completo. Nossa população ainda é jovem, com presença marcante de pessoas habi - tuadas à produção moderna e quadros técnicos em bom número. Nossa agri - cultura é capaz de responder com ra - pidez a estímulos adequados. Temos vasto espaço geográfico, recheado de recursos, e centros internos geradores de dinamismo. Precisamos transformar a eliminação da pobreza e da incultura, sob todas as suas formas e manifestações, em um ob - jetivo explícito ao qual a sociedade su - bordina os demais, deixando de consi - derá-la como o resultado presumido de um modelo econômico qualquer. A pobreza tende a cair quando a ren - da per capita cresce ou quando a distri - buição dessa renda melhora. Nossa ex - periência histórica mostra que se obtém esse resultado mais rapidamente quan - do se busca conscientemente um aumen - to da equidade do que quando se confia apenas nos efeitos do crescimento eco - nômico. Mas a melhor situação, é claro, é a que combina os dois processos. Cres - cer e distribuir, isso permanece sendo o nosso maior desafio. Ele não diz respei - to apenas à questão social, mas ao pró - prio desenvolvimento econômico. Quan - do exagerada, a desigualdade também afeta de múltiplas formas o potencial de crescimento da economia nacional. De - mocracia, crescimento e distribuição, eis o trinômio que devemos buscar. Não se trata de um crescimento qual - quer. No longo prazo, o aumento da pro - Olh a n do para A fre nte P r ecisamos combinar aum ento da r enda p er capita e políticas distributivas. o trinômio virtuoso é aqu e l e qu e combina d emocracia, cr escim ento e distribuição. É ess encial aum entar a oferta d e s erviços ess enciais d e carát er não m ercantil, como saúd e, san eam ento e educação boletimconjunturaBrasil Junho 2016 22 23 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil dutividade e da complexidade de uma economia é o que permite um desenvolvimento mais inclusivo. No interior de uma rede produtiva mais densa, circuitos virtuosos de desenvolvimento social, econômico, tecnológico e cultural se retroalimentam, fazendo com que os ganhos de produtividade se espalhem por diversos grupos sociais. É o contrário do que o Brasil fez nos últimos anos, quando cresceu impulsionado pelo desempenho do setor primário produtor de commodities. O ciclo do PT se esgotou, mas a questão da distribuição de renda e riqueza permanece decisiva para o nosso futuro. Se adotarmos como referência um padrão de vida decente para todos os brasileiros, resta muito a fazer. A renda média do país continua num patamar inferior ao necessário e é muito mal distribuída. Se usarmos a linha de pobreza adotada pelo programa Bolsa Família, ainda temos 17 milhões de pobres; se usarmos os critérios da OCDE, são 57 millhões. A renda deles precisa crescer acima da média por muito tempo para que deixem essa situação. Políticas sociais continuam sendo necessárias. Os erros que o PT cometeu não devem nos levar a abandonar esse ponto de vista. Para ser mais efetivo, o processo redistributivo precisa incluir a generaliza- ção da oferta de serviços essenciais não mercantis, como educação e saúde, que hoje, quando contratados no mercado, pesam fortemente sobre os orçamentos familiares. Por fim, uma política eficaz de distribuição de renda deve ser complementada pela redistribuição da riqueza. Thomas Piketty, em O capital do século XX, mostra que a taxa média de retorno do capital tende a superar a taxa de crescimento do produto, fazendo com que a riqueza herdada cresça mais do que a renda corrente. Esse padrão histórico predominou no século XX, com exceção dos períodos das duas guerras mundiais, e tende a se tornar mais forte nos sistemas econômicos atuais, provocando aumento da desigualdade. A distribuição inicial de recursos disponíveis a cada geração precisa ser sucessivamente equalizada, o que exige imposto eficaz sobre heranças, tributação progressiva, taxação de grandes fortunas e reformas estruturais. Sem isso as polí- ticas distributivas ficam condenadas a buscar linhas de menor resistência que, em geral, envolvem aumento dos gastos pú- blicos de natureza social, com o impacto fiscal decorrente daí. Além disso, essa distribuição tende a se circunscrever apenas à base da pirâmide social, como mostra a nossa experiência recente, com pouco impacto sobre o conjunto. Isso reforça a necessidade de uma reforma tributária. Impostos fortemente progressivos desconcentram a renda no topo da distribuição, permitindo que o Estado redistribua essa renda na base. Tributação e gastos sociais podem formar um binômio bastante dinâmico. Sem reformas estruturais, os avanços na desconcentração da renda são frágeis. Podem ser revertidos em decorrência de alterações na conjuntura nacional e internacional. O modelo econômico vigente no Brasil não contém nenhum elemento estruturante que aponte de forma consistente para a desconcentração. Reformas estruturais combinadas com políticas econômicas e sociais ousadas, de modo a compatibilizar a dinâmica da distribuição com a dinâmica do crescimento – esse é o caminho para o Brasil. Referências 1. Waldir Quadros, “Está em curso um retrocesso social em cascata”, entrevista ao Instituto Unitas Unisinos, 10 de abril de 2015, http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541562. 2. Marcelo Medeiros, Pedro H.G.F. Souza e Fábio Ávila Castro, “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006-2012: estimativa com dados do imposto de renda e de pesquisas domiciliares”, agosto de 2014, http://ssrn.com/abstract=2479685. Marcelo Medeiros e Pedro H.G.F. Souza, “A estabilidade da desigualdade de renda no

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