CONCENTRAÇÃO DE RENDA
quase nada mudou nos últimos anos Brasil Junho 2016
2
Tem sido muito frequente a afirmação de que nos últimos treze anos hou
-
ve um inédito e expressivo processo de distribuição de renda no Brasil. O estudo que
publicamos neste quarto número do Boletim de Conjuntura da Fundação João Manga
-
beira não confirma isso.
Processos de distribuição de renda não são inéditos no país. O mais substancial deles
ocorreu entre 1946 e 1964, e foi interrompido pelo golpe militar. A Constituição de 1988
criou as condições preliminares para que ele fosse retomado, em diferentes ritmos, nas
décadas de 1990 e 2000.
Esse ciclo recente de distribuição sem reformas foi superficial e já terminou. Desde 2013
está em curso uma reversão dos ganhos obtidos, o que não deve nos surpreender. Nesse
período, a economia brasileira experimentou retrocessos importantes em seu grau de com
-
plexidade e em sua inserção no sistema internacional. Como mostramos em boletim ante
-
rior, de outubro de 2015, a indústria se enfraqueceu e a pauta de exportações se reprimari
-
zou. O trabalho qualificado, base de um aumento sustentável da renda, regrediu.
Um modelo econômico com essas características não pode sustentar por muito tempo um
aumento na renda da maioria da população. Ancorado em gastos bancados diretamente pelo
Estado, o processo distributivo, tal como foi conduzido, contribuiu para a crise fiscal que
vivemos hoje, agravada pelo aumento dos juros, as desonerações tributárias e a recessão.
Nosso estudo demonstra também que o desempenho brasileiro durante a primeira dé
-
cada do século XXI nada teve de excepcional: apenas acompanhamos o movimento geral
da América Latina, igualmente beneficiada pela alta internacional nos preços das commo
-
dities. Comparados com o mundo, transitamos da quarta para a quinta posição no ranking
de países com pior distribuição de renda.
A ideia de que nos tornamos um país de classe média, tão re
-
petida pelo governo, resulta de um simples truque estatístico,
já que pessoas com renda mensal entre R$ 291,00 e R$ 1.029,00
passaram a ser computadas nesse grupo social. Rebaixando
a linha de corte, retiramos milhões de pessoas da pobreza
com uma penada.
Há múltiplas explicações para a resiliência da desigual
-
dade entre nós, entre as quais a concentração da proprieda
-
de, a estrutura do mercado de trabalho, o sistema tri
-
butário e o perfil dos gastos do Estado.
Não pode haver democracia robusta e
estável com desigualdade grande demais.
Precisamos entender essa característica
histórica da sociedade brasileira para
que possamos alterá-la.
Boa leitura!
Rena
t
o C
a
s
a
grande
Presidente da Fundação João Mangabeira.
Fundação João Mangabeira
Diretoria
Executiva
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Renato Casagrande
Diretor Administrativo Milton Coelho da Silva Neto
Diretor
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boletimconjuntura
Brasil Junho 2016
4
5 Junho 2016 boletimconjuntura
Brasil
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no grupo dos país
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esiguais do mundo.
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 6 7 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
A desigualdade existente no Brasil
é incompatível com o grau de modernização
que nossa sociedade já atingiu.
Além de grande, ela é resiliente, seja
qual for a metodologia adotada para
estudá-la. A base de dados mais tradicional
são as Pesquisas Nacionais por
Amostra de Domicílio (PNADs), do
IBGE, bastante sérias, mas portadoras
de uma grande limitação: as entrevistas
domiciliares praticamente só recolhem
informações sobre salários,
aposentadorias e pensões, deixando
de fora lucros, dividendos e outros ganhos
de capital, heranças, rendas resultantes
de patrimônio, investimentos
financeiros e atividades afins, que
nunca são citados.
Os dados das PNADs mostram, basicamente,
o que ocorre no mundo do
trabalho. Ao subestimarem grandemente
as rendas mais altas, essas pesquisas
não conseguem captar o comportamento
da desigualdade como um
todo. Pois em um país com renda muito
concentrada, como o Brasil, o que
determina as variações na desigualdade
é o comportamento do topo da escala,
onde está a maior parte da renda
nacional. A desigualdade que existe
dentro dos 90% que são pobres ou remediados
tem pouca influência no resultado
geral. Por isso as PNADs não
são o instrumento adequado para medir
a chamada distribuição funcional
da renda, que separa trabalho e capital.
Nos últimos anos começaram a surgir
trabalhos, ainda pouco divulgados,
que se baseiam no banco de dados da
Receita Federal.2
Eles partem das declarações
de imposto de renda de pessoas
físicas, uma fonte que não registra os
rendimentos dos mais pobres, que são
isentos, mas capta de modo mais confiá-
vel os rendimentos dos mais ricos.
Contrariando as expectativas, esses
trabalhos revelam duas coisas: (a) na
melhor das hipóteses, a distribuição da
renda permaneceu estável durante a
última década (Figura 2); (b) a concentração
no topo da escala é substancialmente
maior do que se pensava, pois
justamente ali ela se acelera (Figura 3).
A partir desses resultados, começa
a se formar um novo consenso: as pesquisas
domiciliares indicaram corretamente
melhoras na base da pirâmide
social, provavelmente como efeito
da maior geração de empregos formais
Ao contrário do que diz a
propaganda oficial, não houve
alteração significativa no perfil
da distribuição de renda no Brasil
na última década. Desde 2013 os
pequenos ganhos começaram a
ser revertidos. Tudo indica que o
ciclo de distribuição sem
reformas foi curto e superficial,
incapaz de produzir ganhos
significativos e permanentes.
A renda continua concentrada no
topo da escala, onde está o
pequeno grupo dos mais ricos.
O Brasil sempre esteve no grupo
dos países que têm a renda mais concentrada
no mundo, disputando com
alguns países africanos e latino-americanos
os últimos lugares nas classifica-
ções internacionais. Nossa trajetória
histórica é bastante estável a respeito
disso, mas com inflexões.
Entre 1946 e 1963 houve a mais expressiva
e mais longa redução da desigualdade
já registrada entre nós. O
golpe militar de 1964 a interrompeu,
dando início a um período de reconcentração.
Essa tendência perdurou
até 1992, quando os efeitos da Constituição
de 1988 começaram a se fazer
sentir. Nesse ano iniciamos uma nova
trajetória de melhora que, em diferentes
ritmos, durou até 2013. Terminou
então esse ciclo recente, que podemos
chamar de distribuição sem reformas.
A reversão de 2013 não foi logo percebida
porque os dados estatísticos
mostravam que a baixa classe média
continuava crescendo. Nesse ano, porém,
ela já não crescia por absorver
grupos em ascensão. Ao contrário. Pessoas
antes posicionadas em estratos
superiores estavam caindo. Ou seja, a
baixa classe média ainda crescia em
2013 porque a média classe média diminuía
(Figura 1).1
A estagnação econômica de 2014
e a forte recessão que começou em
2015 estão acelerando o empobrecimento
da população e a concentração
da renda nacional. Em vez de ganhos
estruturais e permanentes, os governos
do PT produziram uma distribui-
ção tímida e facilmente reversível,
incapaz de retirar o país da sua posi-
ção tradicional.
A PNAD de 2013 já
mostrava que 3,4 milhões
de pessoas estavam
em mobilidade social
descendente em relação a
2012. A alta classe média
e a média classe média
diminuíam de tamanho,
redistribuindo-se pelos três
estratos inferiores.
Figura 1
Estratificação social da população brasileira
Padrões
de vida
2012
(mil pessoas)
2013
(mil pessoas)
2013 - 2012
(mil pessoas)
Alta Classe Média 17.877 17.097 – 780
Média Classe Média 31.459 28.857 – 2.603
Baixa Classe Media 86.658 89.043 2.385
Massa Trabalhadora 50.548 50.218 – 330
Miseráveis 14.926 16.253 1.327
Total 201.467 201.467 0
Fonte: Waldir Quadros, “A regressão social que ameaça a sociedade brasileira”, Le Monde Diplomatique – Brasil, 2 de maio de 2016.
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 8 9 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
e dos aumentos reais do salário mínimo,
que é o indexador dos benefícios
do sistema de Seguridade Social (Figura
4). Mas isso não foi suficiente para
alterar a desigualdade total.
Houve mobilidade social entre os
mais pobres, chegando até a baixa classe
média, mas a partir desse patamar
o movimento arrefeceu consideravelmente.
Cresceu a concentração no topo
– algo que as PNADs não captam –, pois
os ricos continuaram a se apropriar da
maior parte do crescimento da renda
nacional. Por isso a desigualdade de
renda, vista como um todo, não diminuiu
e pode até mesmo ter aumentado.
As pesquisas que usam os dados tributários
mostram que a razão entre a renda
do grupo 1% mais rico e o PIB voltou
a crescer a partir de 2006.
As diferenças que se obtêm a partir
de dados tributários e de pesquisas
domiciliares tornam-se gigantescas
quando se observam esse grupo dos 1%
mais ricos e os subgrupos que se podem
formar dentro dele. Em 2013, 71
mil pessoas, que correspondiam a 0,3%
dos declarantes de imposto de renda e
a 0,05% da população economicamente
ativa, dispunham de 14% da renda
total e de 22,7% de toda a riqueza declarada
à Receita Federal na forma de
bens e ativos financeiros.3
Paradoxalmente,
esse ínfimo grupo social paga
menos impostos, proporcionalmente,
do que todos os demais.
Os dados tributários não mostram
nenhuma alteração clara no perfil da
distribuição de renda no Brasil nos últimos
quinze anos. Os coeficientes de
A superposição das curvas de
Lorenz para os anos 2006,
2009 e 2012 mostra que
elas praticamente coincidem
ao longo de todas as faixas
de renda, o que demonstra a
estabilidade da distribuição.
A metade mais pobre da
população não chega a
dispor de 10% da renda do
país, enquanto os 10% mais
ricos se apropriam de 60%.
A inclinação das curvas
aumenta muito no topo da
distribuição, mostrando que
a concentração se acelera
ali. Até 90%, as fontes são
as PNADs. O último décimo
foi calculado com dados da
Receita Federal.
O histograma mostra as
transferências de renda
do governo federal às
famílias entre 2002 e
2014. Nesse último ano, os
benefícios previdenciários
(atrelados ao salário
mínimo) distribuíam 7,4%
do PIB, enquanto o segurodesemprego
distribuía 0,9%,
os benefícios assistenciais
distribuíam 0,7% e o
Bolsa-Família apenas 0,5%.
Isso mostra que a melhora
na distribuição da renda
no Brasil tem muito mais a
ver com os dispositivos da
Constituição de 1988 do
que com os programas de
transferência de renda.
Não há tendência de queda
na participação dos mais
ricos na renda nacional
entre 2006 e 2012. Nesse
último ano, os 0,1% mais
ricos dispunham de 11%
da renda total, com uma
renda 110 vezes maior
que a média. Os 1% mais
ricos se apropriavam
de pouco mais de 25%,
enquanto os 5% mais
ricos ficavam com 47%.
Fonte: Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Ferreira de Souza e Fábio Ávila de Castro, “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a
2012: estimativa com dados do imposto de renda e de pesquisas domiciliares”. Saúde Coletiva, v. 20, n. 4, abril de 2015.
Figura 2
Curvas de Lorenz, Brasil (2006 – 2009 / 2012)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Fonte: Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Ferreira de Souza e Fábio Ávila de Castro, “O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas
com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares, 2006-2012”, Dados, v. 58, n. 1, Rio de Janeiro, jan.-mar. 2015.
Figura 3
Percentual da renda total apropriado pelo 0,1%, pelo 1% e pelo 5% mais ricos – Brasil 2006/2012
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
5% mais ricos
1% mais ricos
0,1% mais ricos
50
40
30
20
10
0
Percentual da renda total (%)
• Curva de Lorenz 2006
• Curva de Lorenz 2009
• Curva de Lorenz 2012
Fonte: Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Figura 4
Transferências de renda da União às famílias, em % do PIB
• Benefícios previdienciários •Benefícios assistenciais (LOAS e RMV) • Seguro desemprego e abono salarial • Bolsa família e outros programas
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
0,1
0,1 0,3
0,3
0,3 0,3
0,3
0,4 0,4 0,4
0,5 0,5 0,5
0,5
0,5 0,5
0,5
0,6 0,7
0,7
0,8 0,8 0,8
0,9 0,9 0,9
0,0
0,3 0,4
0,4 0,5 0,5
0,5
0,6 0,6 0,6
0,7 0,7 0,7
6,0 6,3 6,5 6,8 7,0 7,0 6,6 6,9 6,8 6,8 7,2 7,4 7,4
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 10 11 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
Gini calculados a partir deles são bem
maiores e mais estáveis que os calculados
a partir das PNADs: 0,696 em
2006, 0,698 em 2009 e 0,688 em 2012
– níveis altíssimos –, apresentando uma
variação para cima e para baixo inferior
a 1%, sem tendência clara.4
Esse coeficiente,
como se sabe, varia de zero
(distribuição perfeita da renda) a um
(concentração máxima), de modo que
quanto maior, mais desigual é o país.
Para reforçar a percepção de que
nada de excepcional aconteceu no Brasil
neste início do século XXI, basta
constatar que nossa posição relativa no
mundo quase não mudou. O aumento
dos gastos sociais e a queda na desigualdade,
medida por pesquisas domiciliares,
foram fenômenos generalizados
na América Latina, graças à
conjuntura internacional favorável aos
países produtores de commodities, o que
afrouxou as restrições nas contas externas
e permitiu a ampliação das despesas
públicas (Figura 5).5
O Panorama
Social de America Latina, da Cepal, reforça
a ideia de que o Brasil não teve
uma trajetória específica ao mostrar
que o ciclo de queda da pobreza em todo
o continente terminou em 2014, junto
do nosso, mantendo a desigualdade em
um nível muito alto.6
Também no ranking mundial dos
países mais desiguais o Brasil quase
não se moveu, deslocando-se da quarta
para a quinta posição (Figura 6).7
A sensação generalizada de que a
distribuição de renda teve um salto
de qualidade nos governos do PT nasce
de três fatores:
a. a maior formalização nas relações
de trabalho, com os assalariados com
carteira passando de 40% para 52%
da população economicamente ativa;
a carteira assinada traz consigo uma
série de benefícios e o reconhecimento
oficial de uma renda;
b. a expansão do crédito, que também
é potencializado pela carteira assinada
e aumenta enormemente o poder de
compra no curto prazo;
c. a apreciação do real diante do dólar.
Essa apreciação, como se sabe, é nociva
à economia do país, pois deprime
o investimento. Mas, ao mesmo tempo,
barateia os produtos importados.
Cotados em dólar, os salários brasileiros
deram um salto impressionante
entre 2002 e 2014. Como grande parte
dos eletrodomésticos é importada
ou usa muitos componentes importados,
os salários subiram muito mais
rapidamente do que os preços desses
produtos, que são o sonho de consumo
de todas as famílias.
Esses três fatores deixaram de existir:
o desemprego e a informalidade
voltaram a crescer, o crédito está se
contraindo e o real sofreu forte desvalorização.
Acabou a mágica.
Variação média anual do
coeficiente de Gini em países
latino-americanos entre 2001
e 2009, medida segundo
pesquisas domiciliares.
Por esse critério, todos
os países do painel, com
exceção de Honduras,
melhoraram seus índices de
desigualdade na primeira
década do século XXI.
Fonte: Reinaldo Gonçalves,
“Redução da desigualdade
na renda no governo Lula:
análise comparativa”, http://
www.ie.ufrj.br/hpp/mostra.
php?idprof=77.
Entre meados da década
de 1990 e 2010, o Brasil
passa da quarta para a
quinta posição no ranking
dos países mais desiguais
do mundo, um resultado
muito insuficiente. Cálculos
feitos a partir de pesquisas
domiciliares.
Fonte: Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Figura 5
América Latina - Coeficiente de Gini, variação média anual (2001–2009) Venezuela Peru Brasil Paraguai Argentina Chile Média Mediana México
Equador
Bolívia
Uruguai
Colômbia
0,20
0,00
-0,20
-0,40
-0,60
-0,80
-1,00
-1,20
Figura 6
Mundo - Coeficiente de Gini em Ordem Decrescente (10 países com Maior
Desigualdade de Renda): Meados dos Anos 1990 e Primeira Década do Século XXI
Gini, meados anos 1990 Gini, 2010
1 Suazilândia 60,9 Colômbia 58,5
2 Nicarágua 60,3 África do Sul 57,8
3 África do Sul 59,3 Bolívia 57,2
4 Brasil 59,1 Honduras 55,3
5 Honduras 59,0 Brasil 55,0
6 Bolívia 58,9 Panamá 54,9
7 Paraguai 57,7 Equador 54,4
8 Chile 57,5 Guatemala 53,7
9 Colômbia 57,1 Paraguai 53,2
10 Zimbábue 56,8 Lesoto 52,2
Fonte: Reinaldo Gonçalves, Desenvolvimento às avessas. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
boletimconjuntura
Brasil Junho 2016 12 13 Junho 2016 boletimconjuntura
Brasil
A estrutura social de um país é pro
-
fundamente marcada pela distribuição
da propriedade e o perfil do mercado
de trabalho. A primeira influencia de
-
cisivamente as condições iniciais da
vida de cada um, enquanto o emprego
determina o tipo de inserção que a
maioria das pessoas terá na sociedade.
Os governos do P
T nem democratiza
-
ram a propriedade nem tornaram a
estrutura produtiva brasileira mais
complexa, de modo a demandar tra
-
balho qualificado em mais alto grau.
Não aproveitaram a excepcional con
-
juntura internacional e a bonança dela
decorrente para realizar reformas es
-
truturantes, aquelas capazes de con
-
solidar ganhos e avanços. O Brasil per
-
deu uma oportunidade histórica. Toda a melhora se concentrou no
consumo individual de curto prazo,
fortemente alavancado pela expansão
P
aís DE
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l
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Pessoas com r
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e
R$ 291,00
foram incluídas na class
e média, s
em qu
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qualidad
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e vida justi
ficass
e
essa asc
ensão
social m
eram
ent
e
estatística
do crédito. A afirmação de que o Brasil
se transformou em um país de classe
média não tem sentido algum. Para
poder dizer isso, o governo adotou um
critério de corte muito rebaixado, es
-
tabelecendo uma renda mínima extre
-
mamente baixa para o ingresso nessa
classe. Pessoas com renda entre R$
291,00 e R$ 1.029,00 mensais passa
-
ram a ser classificadas assim.
Graças a
essa manipulação estatística, nada me
-
nos do que 54% dos chefes de família
sem escolaridade ou com ensino fun
-
damental incompleto e 64% das em
-
pregadas domésticas, que são o estra
-
to inferior do mercado de trabalho
urbano, foram incluídos na classe mé
-
dia, sem que sua qualidade de vida jus
-
tificasse essa passagem.
8
Falsificou-se assim um conceito
sociológico criado na década de 1950
para descrever a expansão dos chama
-
dos “empregos de colarinho branco”
nas grandes empresas típicas da
S
e
-
gunda Revolução Industrial. Foi du
-
rante o chamado “milagre econômico”
da década de 1970, na ditadura militar,
que esse tipo de ocupação mais se ex
-
pandiu entre nós. No período recente,
ao contrário, o setor de serviços de
baixa qualificação foi responsável pela
maioria dos novos empregos.
Medida somente pelo critério da ren
-
da monetária, a redução da pobreza
não capta outras dimensões essenciais
de bem-estar e cidadania. Uma medi
-
da multidimensional mostraria que a
melhora da qualidade de vida foi mui
-
to menor do que a que tem sido anun
-
ciada. Entende-se isso facilmente ao
se observarem três características do
modelo que o P
T implantou:
a. Por causa da permanente sobreva
-
lorização do câmbio (até 2015), a in
-
dústria brasileira não conseguiu cap
-
turar para si o aumento da demanda de
bens de consumo. O resultado foi um
aumento das importações, com desin
-
dustrialização e queda no saldo comer
-
cial do país (ver Desindustrialização,
Boletim de Conjuntura nº 2 da Fun
-
dação João Mangabeira, outubro de
2015). A estrutura produtiva do país
regrediu, com impacto óbvio sobre a
possibilidade de sustentar padrões de
vida mais elevados.
b. A renda monetária das famílias au
-
mentou, mas manteve-se intacta a tra
-
dicional deficiência na oferta de ser
-
viços coletivos essenciais, como
saneamento, educação, saúde, trans
-
porte e segurança. Parte dos ganhos foi
absorvida pela compra desses serviços
no mercado privado, especialmente de
educação e saúde.
9
c. Houve grande estímulo ao endivi
-
damento. Na média, o estoque de dí
-
vidas atingiu 45% da renda familiar
anual e passou a comprometer 20%
dos rendimentos correntes. Com a re
-
versão do ciclo econômico, o aumento
do desemprego e a queda na renda,
esse endividamento torna muito mais
vulneráveis as classes populares (ver
Desemprego, Boletim de Conjuntura nº
3 da Fundação João Mangabeira, no
-
vembro de 2015).
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 14 15 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
A política de salário mínimo é muito
importante para a economia e a sociedade
brasileiras, pois ele é o indexador
da renda de camadas pobres
grandemente majoritárias (embora
não das mais pobres), tanto no mercado
de trabalho (formal ou informal)
quanto nas aposentadorias e na maioria
dos demais benefícios da Seguridade
Social.
Como vimos na Figura 4, a combinação
dos dispositivos constitucionais
de 1988 com a recuperação consistente
do salário mínimo – que já dura mais de
vinte anos – constituiu, de longe, o mais
importante mecanismo de redistribui-
ção de renda no Brasil contemporâneo.
Isso está fortemente ameaçado agora. O
debate em torno desse tema tende a crescer
(ver “Salário mínimo, ontem e hoje”).
Opapel do
salário mínimo
a indexação dos benefícios da seguridade social ao
salário mínimo foi, de longe, o principal mecanismo
de distribuição de renda nas últimas décadas. Esta
é uma conquista da constituição de 1988
O péssimo desempenho atual da
economia brasileira e a presença de
pressões inflacionárias têm reatualizado
a argumentação de que a política
de valorização do salário mínimo impõe
uma grave restrição ao crescimento
econômico, ao encarecer a mão de
obra e inibir os investimentos. Seria
preciso, pois, diminuir o ritmo de ganhos
para aumentar a competitividade
da economia.
Isso não é verdade. A Figura 9 mostra
que o salário mínimo não está muito
acima de sua média histórica, e a
Figura 10 mostra que a relação entre o
salário mínimo e o PIB per capita subiu
lentamente na última década. Ou seja,
quando observamos o indicador relevante
– pois o PIB per capita é uma boa
aproximação dos ganhos de produtividade
da economia –, vemos que o
aumento do salário mínimo tem sido
adequado ao equilíbrio macroeconô-
mico do país.
O ritmo de ganhos do salário mí-
nimo já é fortemente decrescente, por
causa, principalmente, da queda observada
nas taxas de crescimento do
PIB, o indexador mais importante dos
aumentos reais. No primeiro governo
Dilma, o crescimento real foi muito
menor do que no primeiro governo de
Implantado por Getúlio Vargas em 1940, o salário mínimo
sofreu grandes oscilações desde então, atingindo o
pico do seu poder de compra no biênio 1958-1959. Depois
caiu e manteve relativa estabilidade até 1985, quando,
em plena crise inflacionária, começou a desabar. Perdeu,
então, toda relevância na economia e na sociedade
brasileiras.
A Constituição de 1988 indexou a maioria dos benefícios
do recém-criado Sistema de Seguridade Social ao
salário mínimo. Não sabemos o grau de consciência que
os parlamentares tinham em relação a tal decisão, mas
ela foi de grande alcance. Por causa do baixo valor do
salário mínimo da época, seu impacto redistributivo não
foi logo percebido.
Nos anos seguintes, o salário mínimo continuou a
cair, atingindo seu menor valor histórico em 1991-1992.
Começou então um processo de recuperação que durou
até 2014 – e que está ameaçado. A lei em vigor, estabelecida
em 2011 e renovada em 2015, só tem validade
até 2019. Por causa da recessão, seus efeitos já se tornaram
nulos.
A Figura 7 mostra que não foram os governos do PT
que iniciaram essa recuperação. Sempre seguindo uma
curva ascendente, o salário mínimo real mais do que dobrou
entre 1995 e 2014.
Hoje, cerca de 119 milhões de pessoas estão no mercado
de trabalho ou são beneficiárias da Previdência.
Destas, 17 milhões recebem menos de 1 salário mínimo
Salário mínimo, ontem e hoje
O movimento ascendente do salário mínimo começou em 1995 e se estendeu até 2013, acumulando 128% de crescimento real. Esse foi, de longe,
o mais importante mecanismo de distribuição de renda nesse período, já que, conforme a Constituição de 1988, o salário mínimo é o indexador dos
benefícios do sistema de Seguridade Social.
Fonte: João Saboia e João Hallak Neto, “Salário mínimo e distribuição de renda no Brasil a partir dos anos 2000”,
Instituto de Economia da UFRJ, Texto para discussão n. 2, 2016.
Figura 7
900
800
700
600
500
400
300
200
100
-
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Evolução do salário mínimo real, em R$ – 1994/2014
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 16 17 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
e 31 milhões recebem 1 salário mínimo. Cerca de 70%
dos assalariados recebem até 2 salários mínimos – faixa
salarial que é diretamente atingida pelos reajustes desse
indexador.
As estatísticas não confirmam uma ideia que foi hegemônica
durante muito tempo e que agora começa a
voltar: a de que uma política de aumento real do salário
mínimo provocaria três consequências negativas: (a) crescimento
do desemprego e da informalidade no mercado
de trabalho; (b) tensões inflacionárias; (c) desequilíbrios
fiscais insanáveis.
Na última década houve uma relação inversa entre o
aumento do salário mínimo, de um lado, e as taxas de desemprego
e de informalidade, de outro. Ao mesmo tempo,
enquanto o salário mínimo subia, a inflação foi mantida
em patamares baixos e o desequilíbrio fiscal
brasileiro continuou atrelado à conta de juros.
Há os que destacam o suposto impacto inflacionário
do atual nível do salário mínimo, pois os trabalhadores
que recebem esse salário, ou cujos rendimentos estão
indexados a ele, têm alta propensão a consumir.
É apenas uma hipótese. Ninguém demonstrou que
seja verdadeira. Ao contrário. O único estudo disponível
sobre o assunto chama-se “Algumas evidências sobre a
relação entre salário mínimo e inflação no Brasil”, apresentado
pelo Banco Central em março de 2014. Segundo
esse estudo econométrico, cada 10% de reajuste no salário
mínimo nacional tende a gerar um acréscimo de apenas
0,6% nos serviços e de 0,2% no IPCA cheio, depois de
cinco trimestres. Diz o Banco Central: “O impacto de reajustes
do salário mínimo nacional sobre a inflação ao consumidor
parece ser estatisticamente não significante, pelo
menos considerando a ordem de grandeza dos reajustes
colocados em prática desde o ano 2000” (Figura 8).
Estudo do Banco Central mostra que cada 10% de reajuste no salário mínimo nacional gera, depois de cinco meses, um acréscimo de apenas 0,6%
nos serviços e de 0,2% no IPCA cheio. Esse aumento se dilui nos meses seguintes.
O salário mínimo em perspectiva de longo prazo. Valor real a preços de 2014. A ideia de que o salário mínimo está alto demais não se sustenta.
Na verdade, ele não está distante de sua média histórica.
O péssimo desempenho atual da
economia brasileira e a presença de
pressões inflacionárias têm reatualizado
a argumentação de que a política
de valorização do salário mínimo impõe
uma grave restrição ao crescimento
econômico, ao encarecer a mão de
obra e inibir os investimentos. Seria
preciso, pois, diminuir o ritmo de ganhos
para aumentar a competitividade
da economia.
Isso não é verdade. A Figura 9 mostra
que o salário mínimo não está muito acima
de sua média histórica, e a Figura 10
mostra que a relação entre o salário mí-
nimo e o PIB per capita subiu lentamente
na última década. Ou seja, quando observamos
o indicador relevante – pois o
PIB per capita é uma boa aproximação
dos ganhos de produtividade da economia
–, vemos que o aumento do salário
mínimo tem sido adequado ao equilí-
brio macroeconômico do país.
O ritmo de ganhos do salário mí-
nimo já é fortemente decrescente, por
causa, principalmente, da queda observada
nas taxas de crescimento do
PIB, o indexador mais importante dos
aumentos reais. No primeiro governo
Dilma, o crescimento real foi muito
menor do que no primeiro governo de
Fernando Henrique Cardoso. Neste
segundo mandato de Dilma, o PIB parou
de crescer.
Fonte: Banco Central, “Algumas evidências sobre a relação entre salário mínimo e inflação no Brasil”, http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2013/03/ri201303b8p.pdf
* inflação acumulada em 4 trimestres (em %)
Figura 8
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
Resposta da inflação a um aumento de 10% no salário mínimo*
- Modelo desagregado de pequeno porte
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
• IPCA Serviços • IPCA Livres • IPCA cheio
Fonte: Ipea.
Figura 9
1.200
1.000
800
600
400
200
0
1940.12
1943.12
1946.12
1949.12
1952.12
1955.12
1958.12
1961.12
1964.12
1967.12
1970.12
1973.12
1976.12
1979.12
1982.12
1985.12
1988.12
1991.12
1994.12
1997.12
2000.12
2003.12
2006.12
2009.12
2012.12
O salário mínimo em perspectiva de longo prazo (valor real a preços de fevereiro de 2014)
Média histórica
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 18 19 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
Os percentuais de aumento real foram
os seguintes:
FHC 1º mandato: 29,45%
FHC 2º mandato: 9,98%
Lula 1º mandato: 20,68%
Lula 2º mandato: 34,87%
Dilma 1º mandato: 11,36%
O desempenho dos governos do PT
é melhor, mas não é qualitativamente
diferente do dos governos do PSDB. Essa
melhora na margem pode ser explicada
pela conjuntura internacional excepcionalmente
favorável que prevaleceu durante
o segundo mandato de Lula.
Combinado com os dispositivos que
regulam o sistema de Seguridade Social,
o salário mínimo é a principal via
de distribuição de renda no Brasil,
atingindo diretamente cerca de 70%
dos trabalhadores ativos e a quase-totalidade
dos aposentados. Além disso,
o gasto público com esse salário é o que
tem o maior efeito multiplicador sobre
o crescimento do PIB, da renda e do
emprego. Ele deve ser preservado.
Evolução do salário mínimo real e sua relação com o PIB per capita, indicador que é uma aproximação dos ganhos de produtividade da economia.
Essa última relação não confirma a ideia de um crescimento exagerado do salário mínimo no último período.
Os planos Cruzado (1986) e Real
(1994) já haviam produzido quedas
significativas nos indicadores de pobreza,
mas elas não se sustentaram.
Representaram flutuações, sem inaugurar
períodos qualitativamente novos.
Tudo indica que a experiência recente,
nos governos do PT, repete esse
padrão. A desigualdade social brasileira,
mais uma vez, mostra a sua resiliência.
Há divergências na interpretação
desse fato.
O pensamento conservador enfatiza
as deficiências do nosso sistema
educacional, pois a educação teria o
papel de elevar a qualificação da for-
ça de trabalho, tornando-a mais bem
remunerada. Assim, a distribuição
de renda ocorreria no interior dos
processos normais de acumulação de
capital, pela melhor capacitação dos
trabalhadores, o aumento da sua produtividade
e a consequente elevação
de salários. Essa visão subestima as
causas estruturais que operam por
dentro do sistema econômico.
Podemos destacar, pelo menos,
quatro dessas causas:
a. A concentração
da propriedade
A concentração da riqueza – ou seja,
do estoque de bens, na forma de terras,
imóveis, fábricas etc. – é maior
que a da renda. Estima-se que 1% da
população detenha 53% do estoque de
riqueza do país. Isso evidencia que as
questões da pobreza e da desigualdade
não dizem respeito apenas à renda, ou
seja, ao fluxo monetário corrente. Elas
nos remetem também à criação da riqueza
no passado, à forma como ela se
cristalizou e foi apropriada ao longo do
tempo. Os dados disponíveis mostram
um aumento na concentração da propriedade.
As grandes propriedades rurais
ocupavam 51,6% da área total em
Por que a desigualdade
se reproduz?
causas estruturais, que atuam por dentro do
sistema socioeconômico, contribuem decisivamente
para que a renda nacional permaneça concentrada.
A alteração desse quadro exige reformas
Fonte: Banco Central e Ipeadata.
Figura 10
180,0
160,0
140,0
120,0
100,0
80,0
60,0
40,0
20,0
-
1943
1947
1951
1955
1959
1963
1967
1971
1975
1979
1983
1987
1991
1995
1999
2003
2007
2011
Evolução do Salário Mínimo Real e da Relação Salário Mínimo / PIB per capita – Brasil, 1943–2012
• Salário mínimo / Pib per capita • Salário mínimo real
boletimconjuntura
Brasil Junho 2016 20 21 Junho 2016 boletimconjuntura
Brasil
2003 e 56,1% em 2010, enquanto os
ativos totais dos cinquenta maiores
bancos, no mesmo período, passaram
de 100% a 174% dos ativos das qui
-
nhentas maiores empresas.10
b. A estrutura do
mercado de trabalho
A desindustrialização do país e o tama
-
nho insuficiente do moderno setor de
serviços fazem com que a economia bra
-
sileira absorva pouco trabalho qualifi
-
cado, o mais bem remunerado. O pro
-
blema não está situado principalmente
na oferta (educação), mas na demanda
de força de trabalho (estrutura produti
-
va do país). A grande maioria dos em
-
pregos gerados nos últimos quinze anos
concentrou-se nos serviços de baixa qua
-
lificação – office-boys, vigilantes, balco
-
nistas, vendedores etc. –, que pagam até
dois salários mínimos.
c. O sistema tributário
A tributação pode ser progressiva
(quando atinge mais fortemente as ren
-
das mais altas), proporcional (quando
é neutra em relação aos estratos de ren
-
da) ou regressiva (quando penaliza os
mais pobres). O Brasil está neste últi
-
mo caso: as famílias pobres gastam
32% de sua renda em pagamento de
impostos, enquanto as mais ricas gas
-
tam 21%.11 Isso é uma decorrência do
sistema tributário brasileiro, forte
-
mente baseado em impostos indiretos,
que incidem sobre o consumo.
É muito baixa a tributação sobre
propriedades, heranças e patrimônio
em geral. O imposto de renda, por sua
vez, penaliza fortemente a classe mé
-
dia, pois as rendas recebidas sob a for
-
ma de distribuição de lucros e dividen
-
dos, tipicamente apropriadas pelos
mais ricos, estão isentas de tributação.
Por isso o pequeno grupo que ganha
mensalmente mais de 160 salários mí
-
nimos paga apenas 6,5% de imposto
sobre sua renda total.
Essa estrutura de tributação – que
resulta de decisões políticas – destoa
dos padrões aplicados nos países mais
ricos e contribui para concentrar a ren
-
da nacional.
d. O perfil dos gastos
do Estado
O gasto social do Estado, que tem uma
função redistributiva, vem sendo am
-
pliado desde que a Constituição de 1988
entrou em vigor. Atingiu 15% do PIB
em 2013. Mas também há gastos for
-
temente regressivos. Um deles é o da
rolagem da dívida pública, que remu
-
nera a parcela mais rica da população.
Nos doze primeiros anos de exis
-
tência, entre 2003 e 2015, o programa
Bolsa Família distribuiu R$ 168 bilhões
aos seus beneficiários, o que equivale
a somente 37% do que o Estado gasta
por ano com o pagamento de juros da
dívida pública.
O problema não é só o nível da taxa
de juros, mas o próprio regime de po
-
lítica monetária adotado pelo Banco
Central. Os títulos públicos brasileiros
têm a rentabilidade de uma poupança
premiada e a mesma liquidez da moe
-
da, o que é uma clara anomalia. Os po
-
bres só têm acesso à moeda comum,
que se desvaloriza conforme a taxa de
inflação, enquanto os ricos manejam
também essa “moeda financeira” que
rende juros, outro mecanismo forte
-
mente concentrador da renda nacional.
Somos um país com muitos pobres
e com grandes desigualdades. Mas não
somos miseráveis. O esforço que fize
-
mos no século XX criou um parque in
-
dustrial articulado e quase completo.
Nossa população ainda é jovem, com
presença marcante de pessoas habi
-
tuadas à produção moderna e quadros
técnicos em bom número. Nossa agri
-
cultura é capaz de responder com ra
-
pidez a estímulos adequados.
Temos
vasto espaço geográfico, recheado de
recursos, e centros internos geradores
de dinamismo.
Precisamos transformar a eliminação
da pobreza e da incultura, sob todas as
suas formas e manifestações, em um ob
-
jetivo explícito ao qual a sociedade su
-
bordina os demais, deixando de consi
-
derá-la como o resultado presumido de
um modelo econômico qualquer.
A pobreza tende a cair quando a ren
-
da per capita cresce ou quando a distri
-
buição dessa renda melhora. Nossa ex
-
periência histórica mostra que se obtém
esse resultado mais rapidamente quan
-
do se busca conscientemente um aumen
-
to da equidade do que quando se confia
apenas nos efeitos do crescimento eco
-
nômico. Mas a melhor situação, é claro,
é a que combina os dois processos. Cres
-
cer e distribuir, isso permanece sendo o
nosso maior desafio. Ele não diz respei
-
to apenas à questão social, mas ao pró
-
prio desenvolvimento econômico. Quan
-
do exagerada, a desigualdade também
afeta de múltiplas formas o potencial de
crescimento da economia nacional. De
-
mocracia, crescimento e distribuição, eis
o trinômio que devemos buscar.
Não se trata de um crescimento qual
-
quer. No longo prazo, o aumento da pro
-
Olh
a
n
do para
A fre
nte
P
r
ecisamos combinar aum
ento da r
enda p
er capita
e políticas distributivas. o trinômio virtuoso é
aqu
e
l
e qu
e combina d
emocracia, cr
escim
ento
e distribuição.
É
ess
encial aum
entar a oferta d
e
s
erviços
ess
enciais d
e carát
er não m
ercantil,
como saúd
e, san
eam
ento
e
educação
boletimconjunturaBrasil Junho 2016 22 23 Junho 2016 boletimconjunturaBrasil
dutividade e da complexidade de uma economia
é o que permite um desenvolvimento
mais inclusivo. No interior de uma rede
produtiva mais densa, circuitos virtuosos
de desenvolvimento social, econômico,
tecnológico e cultural se retroalimentam,
fazendo com que os ganhos de produtividade
se espalhem por diversos grupos sociais.
É o contrário do que o Brasil fez nos
últimos anos, quando cresceu impulsionado
pelo desempenho do setor primário
produtor de commodities.
O ciclo do PT se esgotou, mas a questão
da distribuição de renda e riqueza permanece
decisiva para o nosso futuro. Se adotarmos
como referência um padrão de vida
decente para todos os brasileiros, resta
muito a fazer. A renda média do país continua
num patamar inferior ao necessário
e é muito mal distribuída. Se usarmos a linha
de pobreza adotada pelo programa Bolsa
Família, ainda temos 17 milhões de pobres;
se usarmos os critérios da OCDE, são
57 millhões. A renda deles precisa crescer
acima da média por muito tempo para que
deixem essa situação. Políticas sociais continuam
sendo necessárias. Os erros que o
PT cometeu não devem nos levar a abandonar
esse ponto de vista.
Para ser mais efetivo, o processo redistributivo
precisa incluir a generaliza-
ção da oferta de serviços essenciais não
mercantis, como educação e saúde, que
hoje, quando contratados no mercado,
pesam fortemente sobre os orçamentos
familiares.
Por fim, uma política eficaz de distribuição
de renda deve ser complementada
pela redistribuição da riqueza. Thomas
Piketty, em O capital do século XX, mostra
que a taxa média de retorno do capital tende
a superar a taxa de crescimento do produto,
fazendo com que a riqueza herdada
cresça mais do que a renda corrente. Esse
padrão histórico predominou no século
XX, com exceção dos períodos das duas
guerras mundiais, e tende a se tornar mais
forte nos sistemas econômicos atuais, provocando
aumento da desigualdade.
A distribuição inicial de recursos disponíveis
a cada geração precisa ser sucessivamente
equalizada, o que exige imposto
eficaz sobre heranças, tributação
progressiva, taxação de grandes fortunas
e reformas estruturais. Sem isso as polí-
ticas distributivas ficam condenadas a buscar
linhas de menor resistência que, em
geral, envolvem aumento dos gastos pú-
blicos de natureza social, com o impacto
fiscal decorrente daí. Além disso, essa
distribuição tende a se circunscrever apenas
à base da pirâmide social, como mostra
a nossa experiência recente, com pouco
impacto sobre o conjunto.
Isso reforça a necessidade de uma reforma
tributária. Impostos fortemente
progressivos desconcentram a renda no
topo da distribuição, permitindo que o
Estado redistribua essa renda na base.
Tributação e gastos sociais podem formar
um binômio bastante dinâmico.
Sem reformas estruturais, os avanços
na desconcentração da renda são frágeis.
Podem ser revertidos em decorrência de
alterações na conjuntura nacional e internacional.
O modelo econômico vigente
no Brasil não contém nenhum elemento
estruturante que aponte de forma
consistente para a desconcentração.
Reformas estruturais combinadas com
políticas econômicas e sociais ousadas, de
modo a compatibilizar a dinâmica da distribuição
com a dinâmica do crescimento
– esse é o caminho para o Brasil.
Referências
1. Waldir Quadros, “Está em curso um retrocesso social em cascata”, entrevista ao Instituto
Unitas Unisinos, 10 de abril de 2015, http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541562.
2. Marcelo Medeiros, Pedro H.G.F. Souza e Fábio Ávila Castro, “A estabilidade da desigualdade
de renda no Brasil, 2006-2012: estimativa com dados do imposto de
renda e de pesquisas domiciliares”, agosto de 2014, http://ssrn.com/abstract=2479685.
Marcelo Medeiros e Pedro H.G.F. Souza, “A estabilidade da desigualdade de renda
no
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