Para pessoas como eu, educadas na Grã-Bretanha do pós-guerra, a liberdade de expressão tem sido uma firme premissa do modo de vida britânico. John Stuart Mill expressou o ponto:
O mal peculiar em silenciar a expressão de uma opinião é que isso rouba a raça humana; a posteridade, bem como a geração existente; aqueles que discordam da opinião, ainda mais do que aqueles que a defendem. Se a opinião é certa, eles são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, eles perdem um benefício tão importante: a percepção mais clara e a mais viva impressão da verdade, produzida por sua colisão com o erro.
Esta célebre frase não é a última palavra sobre a questão, mas é a primeira palavra e foi, durante a minha juventude, a opinião vigente de todas as pessoas educadas.
A lei, acreditávamos, iria proteger os hereges, os dissidentes e os que duvidam contra quaisquer punições concebidas para intimidar ou silenciá-los, pela simples razão de que a verdade e o argumento são sagrados e devem ser protegidos contra aqueles que procuram suprimi-los.
Além disso, a opinião pública estava inteiramente do lado da lei, pronta para envergonhar aqueles que assumissem o direito de silenciar seus adversários, qualquer que seja o assunto em discussão, e por mais extremas ou absurdas que fossem as opiniões expressas.
Tudo isso está agora mudando.
Nos termos do Ato Religioso e Racial de 2006 (Racial and Religious Hatred Act 2006), é crime incitar o ódio contra grupos religiosos e raciais. “Incitar o ódio” é uma expressão tanto carregada quanto indefinida.
Estarei eu incitando o ódio contra um grupo religioso ao criticar suas crenças abertamente em termos francos e sem reservas? Sob os termos do Ato, eu teria que usar “palavras e comportamentos ameaçadores” e também ter a intenção de incitar ódio.
Mas ofender é razão para condenar alguém de um crime? A visão inglesa robusta costumava ser que a resposta correta para palavras ofensivas é ignorá-las ou respondê-las com uma repreensão. Se em último caso invocássemos a lei, seria para proteger aquele que ofende e não aquele que é ofendido. Agora, ao que parece, é tudo o contrário.
Na época dos ataques às torres gêmeas, muitos expressaram seu choque com o assassinato gratuito de 3.000 pessoas inocentes culpando a doutrina do Islã pela perversão dos criminosos responsáveis. Imediatamente uma nova palavra entrou no discurso público—islamofobia.
O fanatismo religioso dos que tinham voado contra as torres gêmeas e a chamada islamofobia de quem os criticou foram ambos representados como crimes, dificilmente distinguíveis em sua destrutividade.
O principal objetivo de futuras medidas políticas, estava claro, deveria ser o de assegurar que nenhum dos dois crimes fosse cometido novamente. A pressão aumentou para que se proibisse a islamofobia por lei — e de certa forma é o que o Ato Religioso e Racial tem tentado fazer.
Ed Miliband prometeu em abril passado que um futuro governo Trabalhista faria da islamofobia um crime de ofensa agravado e, enquanto isso, as consequências para um funcionário público, um policial ou um professor de serem acusados deste erro são sérias ao extremo.
Isso nos leva de volta para o que John Stuart Mill tinha em mente. Não é a mentira que causa a maior ofensa, mas a verdade.
Você pode suportar insultos e abusos quando sabe que esses são falsos. Mas, se os comentários que o ofendem são verdadeiros, sua verdade torna-se um punhal na alma — você grita “mentira!” com toda sua voz, e sabe que deve silenciar quem os profere.
Isso é o que aconteceu no caso da islamofobia. Os muçulmanos na nossa sociedade são frequentemente vítimas de preconceito, abuso e agressão, e esta é uma situação angustiante que a lei se esforça para remediar.
Mas quando as pessoas inventam uma fobia para explicar toda a crítica ao Islã não é esse tipo de abuso que eles têm em mente. Eles querem esconder a verdade, querem gritar “mentira!” à crítica e silenciar qualquer tentativa de discussão.
Em minha opinião, no entanto, é hora de trazer a verdade à tona, incluindo a verdade sobre o próprio Livro Sagrado.
Os filósofos clássicos islâmicos, os primeiros juristas e os poetas sufis todos tentaram interpretar o Alcorão de modo que esse fosse compatível com a vida no mundo real. Mas os seus esforços foram cada vez mais desaprovados, e agora é amplamente aceito entre sunitas ortodoxos que a interpretação não é mais permitida — ou, como diz o ditado, “o portão do ijtihad está fechado”.
Nenhuma das verdadeiras dificuldades deve ser discutida. E no entanto é justo agora, no encontro do Islã com a democracia ocidental, que a discussão é mais necessária.
Os muçulmanos devem se adaptar, assim como todos nós temos de nos adaptar, às circunstâncias novas em que vivemos.
E nos adaptamos colocando as coisas em questão, perguntando se esta ou aquela crença é verdadeira ou obrigatória e, em geral, abrindo nossos corações para os argumentos de outras pessoas e tentando responder a estes com os nossos próprios.
A liberdade de expressão não é a causa das tensões que estão crescendo ao nosso redor, mas a única solução possível para elas.
Se é para o governo ter sucesso em suas novas medidas para erradicar o extremismo islâmico ele deveria incentivar as pessoas a discutir o assunto abertamente, independentemente de quem possa se ofender.
Em 2008 tornou-se também um crime incitar o ódio contra grupos definidos por sua orientação sexual. A visão liberal ortodoxa é que a homossexualidade é inata e inocente. Como os islamitas, os defensores dessa visão inventaram uma fobia para denunciar os seus adversários.
Desvie-se da ortodoxia na menor questão e você vai ser acusado de homofobia e, embora esta ainda não seja um crime, ela é acompanhada, especialmente para aqueles com qualquer tipo de cargo público, por custos sociais reais.
O medo da acusação, de permanecer à margem da multidão, de não estar impecavelmente ao lado das opiniões vigentes, explica grande parte da legislação que ataca a liberdade de expressão nesse país.
Os políticos não têm examinado suficientemente o que queriam dizer com “incitar o ódio”. Eles têm sido ansiosos demais em mostrar que estão do lado dos muçulmanos e também de homossexuais não obstante o conflito manifesto entre os dois.
É precisamente por esta razão que eles deveriam ter sido cuidadosos com a introdução de frases vagas que poderiam ser usadas para silenciar discussões.
Podemos desaprovar da visão de que a homossexualidade é um pecado, mas isso não quer dizer que os pregadores de rua que foram recentemente detidos por dizer isso estão incitando o ódio.
Por mais equivocada que seja sua opinião, ela é uma contribuição legítima para um debate público muito necessário — um debate que agora não vai ocorrer, tão feroz é a condenação daqueles que se desviam da opinião permitida.
Qual, então, deveria ser o papel da lei em policiar o fórum do debate público? Parece-me que a lei não deve criminalizar opiniões que ofendam, mas proteger aqueles que as expressam.
No entanto, na era da internet, da multidão do Twitter e mídias sociais, é cada vez mais difícil para a lei intervir — o abuso e a perseguição rapidamente tornam-se generalizados e anônimos, evitando toda punição e culpa.
Um exemplo recente ilustra o que quero dizer.
No decurso de uma conferência científica na Coréia, o Professor Sir Tim Hunt, biólogo Prêmio Nobel, disse que quando “meninas” estão presentes em um laboratório de pesquisa “você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você, e quando você as critica elas choram”.
Como resultado da subsequente caça às bruxas, Sir Tim foi forçado a renunciar ao seu cargo de professor na University College London. A Royal Society (dos quais ele é um membro colaborador) veio a público com uma denúncia e ele foi deixado de lado pela comunidade científica. Uma vida inteira de notável trabalho criativo terminou em ruína.
A visão ortodoxa, hoje, é que o sexo é em todos os aspectos irrelevante na busca de uma carreira científica. Eu não sei se essa visão é verdadeira, embora eu duvide que seja, e claramente Sir Tim também não a endossa completamente.
Como eu iria descobrir quem está certo? Certamente considerando os argumentos, pesando as opiniões concorrentes na balança da discussão racional e incentivando a livre expressão de ideias heréticas.
Isso é o que a liberdade de expressão é, e porque a lei tem a intenção de protegê-la. A verdade surge por uma mão invisível dos nossos muitos erros, e tanto o erro quanto a verdade devem ser protegidos.
O herege, no entanto, está agora exposto à intimidação pública e ao abuso em uma escala inconcebível antes da invenção da internet.
Claro, avançamos um pouco desde os tempos da Idade Média. Não é o homem que agora é assassinado, mas apenas seu caráter. Mas o efeito é o mesmo.
A discussão livre está sendo suprimida em todos os lugares, de modo que nunca saberemos quem está certo — os hereges ou aqueles que tentam silenciá-los.
Publicado originalmente na BBC Magazine. Traduzido por Patricia K. de Camillis e André Luzardo e reproduzido no Blog Cético.
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