Há três problemas básicos inter relacionados que afligem nossa espécie na civilização contemporânea, no que se refere a nossa herança evolutiva.
1 - Evoluímos para lidar com grupos pequenos de pessoas. Embora as grandes cidades já tenham por volta de 5 mil anos, nossa espécie tem pelo menos 10 mil vezes isso, portanto continuamos funcionando como membros de uma comunidade restrita, capaz de realmente se relacionar bem com no máximo umas 100 pessoas, sabendo não apenas seus nomes, mas coisas sobre elas a ponto de termos alguma intimidade, e sendo capazes de reconhecer visualmente no máximo umas poucas milhares.
Mas vivendo em cidades com milhões de habitantes, estamos todos os dias submetidos a uma exposição constante de semelhantes com a qual nunca conseguimos desenvolver afinidade. Serão sempre estranhos, e instintivamente, potenciais ameaças. Há um custo psicológico para isso, um estresse sutil que cada um vivencia de modo diferenciado. Mas isso se torna realmente pior pelo terceiro ponto.
2 - Somos bombardeados diariamente por informações que vem de um planeta inteiro, com eventos que só são possíveis de ocorrer quantitativamente num mundo com bilhões de habitantes, mas processamos essas informações com nosso cérebro adaptado para comunidades pequenas. Isso nos faz ter a impressão que o mundo é muito mais perigoso do que realmente é, como se todas as desgraças que são diluídas numa amostragem colossal de pessoas fossem ameaças concretas ao nosso pequeno grupo. Isso associado ao fato anterior, multiplica o estresse imensamente, mas até aqui ainda seria pouco se não fosse pelo seguinte.
3 - É o terceiro ponto que realmente nos aflige, pois nosso bem estar depende de laços sociais fortes. Em comunidades pequenas ainda é possível ter esses laços e possuir alguma intimidade com praticamente todas as pessoas à sua volta, mas no caos urbano é quase impossível, pois aqueles poucos que temos ou escolhemos para ser a "nossa comunidade pessoal" estão na maior parte do tempo afastados. Ou seja, até a família na qual nascemos costuma estar longe por grande parte do tempo enquanto convivemos com estranhos, e destes, os que tomamos como amigos só nos acompanham em geral por menos tempo ainda, e quase nunca em conjunto com nossa família.
Basta lembrar o quanto ficamos satisfeitos quando conseguimos reunir um grupo de pessoas com as quais realmente temos afinidade, em especial quando esse grupo se relaciona bem com nossa família.
Ou seja, somos afligidos pelos problemas 1 e 2 sem poder saná-los devidamente por conta do problema 3.
Só não enlouquecemos todos porque a civilização dá uma substancial contra partida, que é o conforto que também somos evolutivamente adaptados para desejar. A maioria de nós, mesmo reconhecendo esses problemas, não está disposta a se arriscar nem mesmo numa cidade desconhecida na qual é certo que terá uma comunidade pequena para se relacionar, quanto menos num mundo sem a infraestrutura que somente a civilização pode dar.
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