O duplo ônus da cultura do funcionalismo público
Assim se destrói um país
É tentador: salário vitalício, benefícios garantidos pelo estado,
estabilidade, carga horária conveniente, e a não-necessidade de
apresentar resultados.
Quem nunca desejou passar em um concurso
público para dar fim às aflições motivadas pelas incertezas do
conturbado cenário econômico-social atual?
A grande questão é que o sonho do concurso público tem gerado um enorme e duplo prejuízo ao país: além do custo exorbitante — o qual exige impostos e endividamento crescentes —, temos uma boa parcela de nossos talentos (nada menos que 12 milhões de jovens preparados) buscando vagas em trabalhos que não acrescentam nada ao avanço da nação.
A
maior parte dos cargos públicos se dedica à operacionalização e à
manutenção da máquina estatal — e nada mais do que isso. Só que apenas
manter a máquina não gera crescimento econômico. É algo como uma
locomotiva funcionando sem sair do lugar.
A mentalidade do concurseiro e do burocrata
Normalmente, as pessoas que almejam a um cargo público têm uma certa aversão a riscos.
Entretanto,
elas próprias não conseguem enxergar os grandes riscos que estão por
trás de suas escolhas. Enquanto se preparam para os concursos, os
candidatos deixam de desenvolver as competências e habilidades
extremamente necessárias na iniciativa privada. Não acumulam
experiência, não fazem contatos, e colocam em seu currículo apenas os
cursinhos preparatórios para concursos. Parecem nunca ter o pensamento "e se eu não passar?".
Um
concursado leva, muitas vezes, mais tempo para passar em um concurso do
que um acadêmico leva para se fazer doutor. E em que contribuem os anos
de estudo do "caçador de concursos" para o avanço da ciência? Em nada. E
para a geração de novos negócios? Pior ainda.
Um número
incontável de pessoas com preparo e talento passa a se dedicar — e com
uma certa obsessão — a passar em algum concurso. Logicamente, o setor
público não pode absorver todo esse contingente de pessoas.
Consequentemente, apenas alguns passam. E a imensa maioria não aprovada
permanece se preparando continuamente, na espera de algum dia ser
aprovada.
Enquanto se preparam para os concursos, não desenvolvem
habilidades e competências essenciais na iniciativa privada. Os
conhecimentos que adquirem nessa jornada são rasos: não provocam avanços
na ciência, tampouco estimulam a inovação e muito menos fomentam novos
negócios. Trata-se, literalmente, de uma geração desperdiçada. Para
infelicidade do país.
Com efeito, os conhecimentos que os
concurseiros adquirem também não são úteis nem mesmo para promover
melhorias significativas no próprio setor público. Por quê? Porque o
sistema burocrático tem auto-defesas muito fortes.
A intenção de
burocratas sempre é a de se constituir como um grupo à parte, como um
sistema de poder coletivo definido a partir da ausência de poder dos
dominados. O fenômeno burocrático caracteriza-se por um conservadorismo
expresso especialmente na manutenção e expansão de uma situação de
privilégio.
No lugar de representar uma ponte entre os interesses
particulares e os coletivos, a burocracia serve a seus próprios
interesses — trata-se de uma corporação que se defende em oposição ao
resto da sociedade.
Nada pode gerar mais imobilismo do que isso.
O atraso
Um
dos principais vetores do desenvolvimento econômico e social de um país
é a sua capacidade de produzir ciência, tecnologia e inovação. A
inovação é o fator mais importante, não apenas no desenvolvimento de
novos produtos ou serviços, como também no estímulo ao interesse em
investir nos novos empreendimentos criados.
Nesse cenário, surge a
figura do empreendedor como uma força positiva no crescimento
econômico, fazendo a ponte entre a inovação e o mercado.
Pode-se ir ainda mais além: o empreendedor é a figura principal desse
processo. Apenas pesquisa, desenvolvimento e investimentos em capital
físico e humano não causam o crescimento. Essas atividades ocorrem em
resposta às oportunidades de crescimento, e tais oportunidades de
crescimento são descobertas por empreendedores alertas às demandas
futuras dos consumidores.
Lembrando Schumpeter, os empreendedores
são os impulsionadores do desenvolvimento econômico, os responsáveis
pelas mudanças econômicas em qualquer sociedade. O seu papel envolve
muito mais do que apenas o aumento de produção e da renda per capita.
Seu papel é iniciar e constituir mudanças na estrutura de seus negócios e
da própria sociedade, sempre buscando atender às demandas dos
consumidores. Essas mudanças geram maior produção e mais crescimento
econômico, o que possibilita que mais riqueza seja usufruída pelos
diversos atores sociais.
Entretanto, em nosso país, a cultura
empreendedora cede lugar, cada vez mais, à cultura do funcionalismo
público. Grande parte de nossos maiores talentos — pessoas capacitadas —
sente-se muito mais atraída pelos benefícios do setor público do que
pelos riscos e desafios do empreendedorismo.
Pessoas que poderiam
contribuir para a melhoria das condições do setor produtivo — seja
estudando a fundo a problemática das empresas, seja colocando em prática
a sua visão de excelência, servindo de exemplo e referência para outras
empresas e outros profissionais — desperdiçam seu talento e energia
decorando apostilas para concursos.
Por aqui, empreender passou a
ser uma saída para os menos inteligentes, para os mais necessitados,
para aqueles que não têm condições de arrumar um emprego decente ou de
passar em um concurso público.
E essa é a parte preocupante: nosso
setor privado realmente não é eficiente, o empreendedorismo brasileiro,
no geral (e essa é uma generalização necessária), é muito rudimentar,
surgindo muito mais por necessidade do que pela identificação de
oportunidades. Não há diálogo entre academia e mercado. E, em vez de
termos pessoas debruçadas sobre os problemas enfrentados por nossas
organizações, pesquisando, inovando ou empreendendo, temos um êxodo cada
vez maior dos nossos talentos em busca do setor público.
Está
tudo errado. Ao passo que os gênios americanos criam empresas
fantásticas que mudam os rumos da humanidade, os gênios brasileiros
passam em concursos públicos.
O grande inimigo
E,
para piorar, além de enfrentar a concorrência dos salários do setor
público, o empreendedorismo também não atrai os jovens por causa dos
elevados riscos e das enormes dificuldades para se fazer negócios no
Brasil.
Empreender e empregar legalmente no Brasil é muito caro. Para abrir uma empresa são necessários 107 dias, em média. Pagar impostos requerem 2.600 horas apenas para preencher formulários (mais do que o dobro do segundo colocado, a Bolívia). Empregar alguém traz um custo extra de 103% do salário só com impostos e outros encargos trabalhistas.
Ou seja, além do salário, você tem de pagar o equivalente a outro
salário só com impostos, encargos sociais e trabalhistas. Não bastasse
isso, ainda temos de arcar com nada menos que 93 impostos diferentes.
O
resultado dessa equação é trágico: empaca-se o avanço da ciência e dos
negócios, a oferta de empregos diminui, a economia estagna e mais e mais
pessoas passam a almejar um posto nas instituições públicas,
alimentando esse círculo vicioso.
Eis o resumo da tragédia: o
governo asfixia o empreendedorismo com impostos, burocracias e
regulamentações. Isso mantém os salários baixos. Salários baixos
empurram jovens capacitados para o setor público, que garante
estabilidade e altos salários. Mas todos os privilégios do setor público
são bancados por impostos e endividamento do governo, os quais são
integralmente pagos pela iniciativa privada. Isso deprime ainda mais os
salários do setor privado, o que empurra ainda mais jovens preparados
para o setor público.
É fundamental revertermos essa tendência e
trabalharmos no sentido de fomentar a cultura empreendedora em nosso
país. Quando coloco os verbos reverter e trabalhar na primeira pessoa do
plural, quero puxar a responsabilidade para as nossas mãos, cidadãos
comuns.
Não podemos esperar que o poder público faça a sua parte,
pois o estado faz justamente o contrário: inibe a atividade
empreendedora ao elevar a carga tributária e criar empecilhos
burocráticos absurdos, buscando sempre financiar os altos gastos do
setor público com mais tributos e endividamento.
O
estado é hoje o grande inimigo da sociedade. Já que não podemos
vencê-lo, devemos resistir fortemente à tentação de nos juntarmos a
ele.
Conclusão
Nosso setor privado precisa de
pessoas capacitadas, talentosas e inteligentes, mas grande parte de
nosso contingente pessoal com essas características sente-se muito mais
atraída por cargos públicos.
Do ponto de vista individual, todos
aqueles que almejam vagas no setor público estão mais do que certos.
Lógico: por que eu deveria me esforçar para atuar em um campo cheio de
riscos, sem segurança e sem estabilidade, quando posso trabalhar para o
estado, sem me preocupar pelo resto da vida? Por que me arriscar no
setor privado, sofrendo cobranças e tendo de apresentar eficiência, se
posso simplesmente ganhar muito no setor público, tendo estabilidade no
emprego e sem ter de apresentar resultados?
Porém, é justamente o
setor privado quem tem de sustentar a farra do setor público. Daí os
baixos salários pagos na iniciativa privada. Toda a carga tributária
existente no Brasil, que impede aumentos salariais na iniciativa
privada, existe justamente para sustentar o setor público e seus
funcionários que ganham salários magnânimos e vivem à custa dos
trabalhadores da iniciativa privada, os quais ganham pouco justamente
porque têm de bancar os membros do setor público.
O Brasil gasta demais com funcionários públicos, e não há quem se comprometa a pôr um freio nesta farra.
A
questão é: como irão fechar as contas sem recorrerem a mais impostos?
Se assim o fizerem, poderá chegar o dia em que irão inviabilizar as
empresas, que são quem mantém toda essa estrutura. Ironicamente, sem o
setor produtivo, o número de funcionários públicos bem pagos cairá a
zero.
FONTE http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2734
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