PAUL GOTTFRIED: A Morte do Marxismo Revisitada
Cerca de dez anos atrás, eu publiquei um livro, A Estranha Morte do Marxismo, que argumentava vigorosamente que a esquerda atual não é marxista, mas pós-marxista. Ao contrário dos marxistas tradicionais e dos socialistas democráticos europeus, o tipo de esquerda que ganhou terreno desde e até mesmo antes da queda do Império Soviético é culturalmente radical, mas apenas secundariamente interessado na mudança econômica.
Nossa esquerda atual faz as pazes com a iniciativa privada e até com as grandes corporações, de forma que ela possa impor sua ideia de transformação social e cultural a cidadãos cada vez mais impotentes e seus filhos cada vez mais doutrinados.
Não que esta esquerda seja particularmente amigável com qualquer coisa que seja privada, incluindo transações econômicas. Mas ela trata a economia como algo que pode influenciar sem ter que nacionalizar, evitando assim aquelas políticas desastrosas que governos socialistas do passado tentaram decretar.
Nossa própria elite intelectual concluiu com sensatez que é melhor permitir que as forças de mercado operem ao mesmo tempo que se asseguram de que a administração pública possa usurpar os lucros, sempre que houver um pretexto. Além disso, a elite intelectual, constantemente intimida o povo a acompanhá-los sob orientações comportamentais cada vez mais complicadas, supostamente destinadas a lutar contra a “discriminação”.
É a cultura, e apenas instrumentalmente o governo, que a esquerda pós-marxista procura dominar; E o tipo de estado administrativo que se expandiu de forma explosiva em todos os países ocidentais desde a década de 1960 é um instrumento eficaz pelo qual engenheiros sociais e comissários da sensibilidade podem fazer o seu trabalho.
Embora eu não tenha mudado minha visão sobre como a esquerda se transformou desde que escrevi meu livro, parece que, de certa forma, tem havido mais continuidade entre o velho e o novo esquerdista, como sugeri.
Os antigos marxistas, aqui e na Europa tornaram-se multiculturalistas quase que da noite para o dia, enquanto nossos esquerdistas atuais ainda admiram comunistas do passado (como Castro) e associam anticomunistas ao fascismo. Além disso, depois de assistir à histeria organizada anti-Trump, que tem cativado a indignação das massas, as autointituladas indústrias de entretenimento, e a mídia desequilibrada, torna-se óbvio que a esquerda multicultural politicamente correta está seguindo a esquerda marxista mais antiga e mais intelectual em três aspectos críticos.
- Como os comunistas e também como os fascistas italianos, a esquerda multicultural nunca se vê ocupando posições de autoridade e/ou sendo capaz de forçar a falta de vontade em cumprir com suas exigências. Embora a esquerda compreenda a situação, está sempre se esforçando para tomar o poder. Também quando parece estar chegando a algum lugar (como na América de Obama), ainda corre o risco de ser esmagada por forças hostis. Exatamente como a esquerda, certa vez, argumentou que nenhuma revolução socialista jamais havia sido plenamente realizada e que os países comunistas ainda estavam “no caminho para se tornarem socialistas”, também os regimes politicamente corretos de hoje, como vistos por seus defensores, são apenas os primeiros passos em direção à superação do passado. São os primeiros passos da longa marcha para o poder; mesmo que esses passos tenham sido ameaçados quando Hillary Clinton não conseguiu chegar à presidência.
- Não há meios da esquerda abrir mão das mudanças que já implementou na sociedade sem que toda a estrutura de mudança esteja em perigo. Isto corresponde à fórmula de Trotsky de que se a revolução é feita para recuar do estágio D ao estágio C, então toda a marcha para a nova sociedade poderia ser revertida. Por conseguinte, a marcha para fora do passado sombrio e repressivo deve ser seguida incondicionalmente, e qualquer deslize será equivalente a uma contra-revolução — ou em um discurso esquerdista amedrontador, fazendo com que as mulheres sejam forçadas a fazer abortos em becos, re-impondo a segregação racial, e aprisionando homossexuais.Este tipo de pensamento faz todo sentido, se alguém começa a supor que está em uma situação de “tudo ou nada”.Também não importa que o presidente Obama tenha cancelado os voos do Iraque para os EUA em 2011 ou que Bill Clinton tenha falado em um discurso do Estado da União em 1994 sobre a interrupção da presença de ilegais nos EUA. Também não devemos perceber que o predecessor de Donald Trump tenha sido contrário ao Casamento gay na época em que foi eleito para a presidência. É nosso dever proteger qualquer revolução que esteja em andamento em seu estágio mais avançado.
- Qualquer um que ameace o processo ainda frágil e reversível de mudança, deve ser desumanizado. Não pode haver desentendimentos honestos com aqueles que por desígnio ou por perigosa ignorância estejam trabalhando contra a “esperança e mudança”. Portanto, é justificado condenar esses reacionários como o mais vil e maligno dos seres. Como os comunistas, a esquerda atual, particularmente na Europa Ocidental, caracteriza seus oponentes como “fascistas”. Note que para a velha esquerda o “fascismo” tinha um significado quase científico. Referia-se aos defensores de uma forma de capitalismo tardio, que já havia atingido um ponto de crise mortal. “Fascistas” reprimiram a revolução socialista criando ditaduras nacionalistas de direita. No processo, os falsos revolucionários “fascistas” expulsaram os verdadeiros revolucionários de esquerda.
Para a esquerda multicultural, em contrapartida, o termo “fascista”, utilizado antigamente pelos marxistas foi reduzido a um borrão. Agora ele diz respeito àqueles que a Esquerda está combatendo, isto é, aqueles que discordam de todos ou de algum aspecto da agenda social da Esquerda. Aqueles que se opõem a essa agenda podem ou talvez devam ser atacados como nazistas e até mesmo negadores do Holocausto (que um conhecido meu recentemente me chamou por votar em Donald Trump). Se as pessoas sob ataque não negarem explicitamente os crimes nazistas, sua visão de “justiça social” será tão irremediavelmente negativa que se presumirá que eles teriam endossado entusiasticamente a Hitler. O que mais deve-se pensar de alguém que está tentando nos empurrar de volta para a idade das trevas, quem sabe para 2008?
[*] Paul Gottfried. “The Death of Marxism Revisited”. The American Thinker, 9 de Fevereiro de 2017.
Tradução: Daiana Neumann
Revisão: Rodrigo Carmo
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