O princípio da Falseabilidade e a noção de ciência de Karl Popper
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1) Dados biográficos
Karl Raimund Popper nasceu na Áustria, em 1902. Filho de judeus, emigrou para a Nova Zelândia em 1937, onde publicou, em 1945, a obra de filosofia política “A sociedade Aberta e Seus Inimigos”. Antes disso, em 1935, publicou a obra “Lógica da Investigação Científica”, considerada uma das obras mais importantes de filosofia da ciência. Faleceu em 1994, na Inglaterra, país que o acolheu a partir de 1946, conferindo a ele o título de Sir. Na Inglaterra, Popper publicou muitos de seus escritos e desenvolveu carreira docente na London School of Economics. Embora seu pensamento político seja muito conhecido, o que o tornou célebre foi o seu pensamento sobre a ciência que impactou filósofos e cientistas.
2) O Círculo de Viena
Karl Popper teve no início de sua formação a influência das discussões feitas no Círculo de Viena, uma associação fundada no final da década de 1920 por um grupo de cientistas, lógicos e filósofos que concentrava seus esforços em torno de um projeto intelectual. Tal projeto era o desenvolvimento de uma filosofia da ciência baseada em uma linguagem lógica e a partir de procedimentos lógicos com alto rigor científico.
O tema prioritário dos estudos desse grupo era a formulação de um critério que permitisse distinguir entre proposições com ou sem significação a partir do critério de “verificabilidade”. Assim, aquilo que não tivesse possibilidade de verificação deveria ser retirado do saber científico, como os enunciados metafísicos. A Física era o modelo que eles propunham para todos os enunciados científicos, ou seja, só aquilo que foi dito a partir de observações poderia ser considerado verdadeiro. Os enunciados que não pudessem ser examinados a partir da verificação empírica não tinham significação e, portanto, deveriam ser desconsiderados da ciência.
A verificação pode ser feita ainda de outra forma além do método empírico: por meio da aplicação da lógica para saber se há coerência no enunciado. Nesse caso, a verificação é feita por demonstração. Dependentes de constatações empíricas ou de demonstração lógico-matemática, as leis científicas para os pensadores do Círculo de Viena só poderiam ser a posteriori, ou seja, os enunciados científicos são constatações.
Desse modo, a proposição “Existe petróleo no meu quintal”, por exemplo, é possível de ser verificada e pode ser verdadeira ou falsa a partir da constatação feita, por exemplo, por uma escavação no solo. A proposição “A alma é imortal”, ao contrário, não é verificável, apesar de ser uma construção gramaticalmente correta e independente dos argumentos utilizados para prová-la. Segundo os pensadores do Círculo de Viena, a primeira proposição tem significação e valor cognitivo porque é verificável; a segunda, não.
Pelo critério de verificabilidade, era possível fazer uma distinção entre a Filosofia e a Ciência. O objetivo da Filosofia era, para Rudolf Carnap, um dos principais representantes do Círculo, o de estudar a natureza da linguagem científica, um estudo que compreenderia três processos: um sintático, pelo qual ela estabeleceria teorias a respeito das relações formais entre os signos; um semântico, pelo qual estabeleceria teorias a respeito das interpretações; e um pragmático, pelo qual estabeleceria teorias a respeito das relações entre a linguagem, o locutor e o ouvinte.
Outros pensadores importantes do Círculo de Viena foram Otto Neurath, Moritz Schilick e Ernest Nagel. A ascensão do nazismo repercutiu na formação do Círculo: Carnap e outros membros mudaram-se para os Estados Unidos; Hahn, Schilick e Neurath morreram. O movimento intelectual dispersou-se a partir de então.
3) O princípio da falseabilidade
O princípio de verificabilidade dos pensadores do Círculo de Viena foi um dos principais pontos combatidos por Popper. Para ele, uma proposição poderia ser considerada verdadeira ou falsa não a partir de sua verificabilidade, e sim da sua refutabilidade (ou falseabilidade).
A observação científica, segundo ele, é sempre orientada previamente por uma teoria a ser comprovada, ou seja, a ciência que se baseia no método indutivo seleciona os fenômenos que serão investigados para a comprovação de algo que já se supõe. Por essa razão, o critério de verificabilidade nem sempre será válido.
O princípio proposto por Popper, em vez de buscar a verificação de experiências empíricas que confirmassem uma teoria, buscava fatos particulares que, depois de verificados, refutariam a hipótese. Assim, em vez de se preocupar em provar que uma teoria era verdadeira, ele se preocupava em provar que ela era falsa. Quando a teoria resiste à refutação pela experiência, pode ser considerada comprovada.
Com o princípio da falseabilidade, Popper estabeleceu o momento da crítica de uma teoria como o ponto em que é possível considerá-la científica. As teorias que não oferecem possibilidade de serem refutadas por meio da experiência devem ser consideradas como mitos, não como ciência. Dizer que uma teoria científica deve ser falseável empiricamente significa dizer que uma teoria científica deve oferecer possibilidade de refutação – e, se refutadas, não devem ser consideradas.
4) O conceito de ciência para Karl Popper
A noção de ciência para Karl Popper pode ser pensada a partir de dois pontos fundamentais: o caráter racional da ciência e o caráter hipotético das teorias científicas.
A ciência, como um projeto humano, não é impassível de transformação, o que possibilitou o surgimento de diversas teorias. O que há em comum entre esses modos variados de se fazer ciência, ele mesmo responde em sua obra Conjecturas e Refutações (1972): o caráter racional da ciência. Diz ele:
Um dos ingredientes mais importantes da civilização ocidental é o que poderia chamar de 'tradição racionalista', que herdamos dos gregos: a tradição do livre debate – não a discussão por si mesma, mas na busca da verdade. A ciência e a filosofia helênicas foram produtos dessa tradição, do esforço para compreender o mundo em que vivemos; e a tradição estabelecida por Galileu correspondeu ao seu renascimento. Dentro dessa tradição racionalista, a ciência é estimada, reconhecidamente, pelas suas realizações práticas, mais ainda, porém, pelo conteúdo informativo e a capacidade de livrar nossas mentes de velhas crenças e preconceitos, velhas certezas, oferecendo-nos em seu lugar novas conjecturas e hipóteses ousadas. A ciência é valorizada pela influência liberalizadora que exerce – uma das forças mais poderosas que contribuiu para a liberdade humana.(POPPER, 1972, p. 129)¹
A racionalidade está relacionada também com duas outras características importantes da ciência: a busca da verdade e o progresso do conhecimento. Esse progresso do conhecimento científico, na concepção popperiana, não pode ser pensado a partir de uma “lei histórica”, e sim algo que acontece em virtude da própria razão humana a partir da possibilidade de discussão crítica. Assim, podemos perceber que seu projeto consiste em uma tentativa de preservar o debate livre e crítico e a avaliação constante das ideias para que essas sejam aperfeiçoadas. Assim, esse aperfeiçoamento ecoará no plano social.
O debate livre e crítico também aponta para o caráter hipotético das teorias científicas, pois elas sempre estão sujeitas a serem falseadas – ou não podem ser consideradas teorias científicas. Seu método foi conhecido como hipotético-dedutivo.
Notas
¹POPPER, K. R. Conjecturas e refutações. Brasília: UNB, 1972.
Por Wigvan Pereira
Graduado em Filosofia
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SANTOS, Wigvan Junior Pereira dos. "O princípio da Falseabilidade e a noção de ciência de Karl Popper"; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm>. Acesso em 26 de abril de 2018.
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