quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Como vamos lidar com o Islamismo?

Como vamos lidar com o Islamismo?

mulher-muçulmanaA Europa vive um clima de tensão constante. A entrada massiva de imigrantes muçulmanos tem levado ao recrudescimento do choque de culturas entre estes e os nativos. E não é só isso. Os atentados terroristas nos últimos anos têm aumentado a xenofobia e o discurso nacionalista de alguns partidos. Esse inclusive foi um motivo apontado por alguns analistas para a saída do Reino Unido da União Europeia. Esses elementos parecem formar o fermento de algo muito desagradável prestes a surgir.
O islã ainda não é um problema para nós, no Brasil, embora seja uma religião que tem crescido no país nos últimos anos. Mas por que deveríamos nos preocupar com o islã mais do que com outros credos ou, não deveríamos nos preocupar apenas com o radicalismo islâmico? Já escrevi outros textos aqui sobre as origens do radicalismo islâmico (confira link ao final) e a questão que pretendo levantar aqui é de outra ordem.
Não há como fazer uma distinção clara entre o radicalismo islâmico e o islã enquanto fé religiosa. É claro que nem todos os muçulmanos são homens-bomba ou terroristas, a questão não é essa. A questão está no fato de que o islã não conhece separação entre vida civil e política e vida religiosa e isso o coloca em posição de confronto com os valores da civilização ocidental.
A doutrina islâmica contém preceitos que regulam toda a vida do fiel: sua conduta em casa, na empresa, na rua, suas convicções políticas, seu modo de vestir, sua percepção sobre outras religiões e outras filosofias de vida, sua forma de se relacionar com outras pessoas, dentro e fora da fé; ela regula as relações entre homens e mulheres, a poligamia, que atitudes devem tomar para com os fiéis de outras religiões, há regras para testamento, cobrança de juros – nada foge à regulação da religião. Além disso, a doutrina islâmica só reconhece a legitimidade de um estado teocrático: suas noções de igualdade, comunidade, participação política estão todas relacionadas a isso.
Então, que riscos a religião islâmica pode oferecer ao Ocidente? Alguns exemplo que podemos mencionar: o Alcorão diz (Sura 2, versículo 228) que as mulheres divorciadas devem observar o prazo de três menstruações e que “seus maridos podem retomá-las de volta se desejarem a reconciliação”. Além disso, o livro afirma a superioridade dos homens sobre as mulheres e recomenda que os maridos podem bater nelas se temerem sua rebelião (Sura 4, versículo 34). O Alcorão também permite a poligamia, desde que o homem tenha condições de sustentar as mulheres (Sura 4, versículo 02). Tudo isso pode vir a representar um problema para mulheres muçulmanas que vivem sob nossa Constituição, uma vez que para permanecerem na comunidade (ummah) e não se tornarem infiéis, devem se submeter a essas leis. Seu silêncio, portanto, torna difícil a punição para casos de violência doméstica. Além disso, homossexuais, descrentes e minorias religiosas sofrem forte discriminação na maior parte do mundo muçulmano. Nossas discussões e avanços em temas como direitos das mulheres e dos homossexuais e liberdade de consciência são estranhos à doutrina islâmica.
Nossas leis civis garantem a liberdade de culto desde que eles não atentem contra a vida. O islã não é a única religião que tem problemas com isso. Outro exemplo são as Testemunhas de Jeová. Sua religião não permite transfusão de sangue. Já houve casos em que juízes ordenaram a transfusão para crianças em risco de morte e que são filhas de testemunhas de Jeová sob o princípio de que o direito à vida está acima da liberdade religiosa.
Em relação ao islã, há muitas questões que precisam ser pontuadas. Algumas delas vêm da perspectiva multiculturalista que considera problemática a imposição de valores ocidentais para outras culturas e grupos minoritários em nossas sociedades. As políticas imperialistas dos séculos XIX e XX e as guerras do Ocidente em países orientais jamais levaram em conta princípios de direito à vida, autonomia, respeito ao outro, etc. Em muitos casos, a religião se tornou um elemento de reforço de uma identidade frente à violência e às políticas desagregadoras dos conquistadores europeus. Essas práticas de sujeição política e moral da alteridade foram muito bem abordadas por autores como Edward Said, Homi Bhabha e Stuart Hall.
Em grande parte, as migrações que hoje vemos para a Europa são resultado desses conflitos e da destruição provocadas por eles no Oriente Médio. Isso tem levado muitos intelectuais ocidentais a adotarem uma posição de cautela antes de tecerem qualquer crítica a formas de violência ligadas ao islã. Nesses casos, uma questão fica sempre no ar: qual o limite entre uma visão de mundo eurocêntrica e ocidentalizante e a construção de uma crítica que possa ser pertinente sobre o islã?
Alguém que pode nos ajudar a pensar isso vem uma sociedade não europeia e não cristã: Ayaan Hirsi Ali. Ayaan é somali, foi criada como muçulmana, saiu ainda jovem de sua terra natal, viveu um tempo na Holanda, onde estudou e hoje mora nos Estados Unidos, onde é professora em Harvard. Antes de ir para a Europa, ela ainda viveu em Meca e foi estudante e professora da doutrina islâmica. Ayaan teve uma vasta experiência como muçulmana, o que lhe dá um importante cabedal para criticar a religião que professou por quase toda a vida. Em uma autobiografia, relatou sua dolorosa trajetória pessoal e intelectual, até o momento em que teve coragem de abandonar sua fé. Ela tem se destacado como uma das vozes mais críticas ao Islamismo, ao termo islamofobia e à intolerância subjacente a essa religião.
Em um de seus livros, Herege: por que o islã precisa de uma reforma imediata (editora Companhia das Letras, 2015), ela começa afirmando que o islã não é uma religião pacífica, não porque transforme todos os seus adeptos em pessoas violentas, o que obviamente não acontece, mas porque sanciona e legitima a violência em nome de Deus, algo que ela chama de uma “licença teológica” para a intolerância e a violência presente nos textos religiosos.
Ela compara o islã hoje com o que fora a religião hebraica na Antiguidade e o Cristianismo na Idade Média e era moderna, contextos em que essas religiões também permitiam a violência em nome de Deus. Ela argumenta como o Ocidente desconstruiu isso através da Reforma, do Iluminismo e outros movimentos, e afirma que o maior desafio para o islã hoje é debater e rejeitar os elementos violentos da religião.
Ayaan identificou pelo menos cinco elementos que tornaram o islã resistente à mudança histórica e à adaptação: (1) a crença na infalibilidade de Maomé; (2) a supervalorização da vida após a morte em detrimento desta; (3) a sharia (lei sagrada) e o hadith (palavra que significa “tradição: são os relatos documentados dos ensinamentos e ações de Maomé não constam no Alcorão); (4) a prática de ordenar o certo e proibir o errado e (5) a jihad. Ela diz enfaticamente que esses princípios devem ser reformados ou descartados, que temos que parar de pensar que o exame crítico do islã é apenas “racista” e deixar bem claro para os muçulmanos que as liberdades democráticas que defendemos no Ocidente não são opcionais.
Depois ela disserta como, ao dividir a humanidade em crentes e descrentes, o islã não deixa espaço cognitivo para outras formas de pensamento, como o agnosticismo, e que qualquer iniciativa para relativizar a fé é considerada um pecado tão grave como assassinato e apostasia. Quando um clérigo defende a separação entre Mesquita e Estado é neutralizado declarado como herege e seus livros tirados de circulação.
Ayaan passa pela história da religião para mostrar como as reformas sempre foram evitadas e que a base disso está na crença de que a geração de Maomé foi a melhor que existiu. Por conseguinte, como todas as gerações posteriores seriam piores, a única mudança possível para o islã seria um retorno aos princípios do século VII, à época do Profeta. Para ela, os movimentos de fermentação política dos últimos anos, como a Primavera Árabe, não eram apenas movimentos contra o despotismo, mas o seu fracasso expressa principalmente a incompatibilidade do islã com a modernidade e que isso não poderá ser mudado enquanto os muçulmanos não aprenderem a ver Maomé como um personagem histórico e seu livro sagrado como livro historicamente construído, um livro humano, ao invés de um manual divino com regras atemporais.
Em uma passagem marcante, ela afirma: “Não é de modo algum convincente pôr a culpa no imperialismo ocidental por essa estagnação; afinal de contas, o mundo islâmico teve seus próprios impérios, o Mughal, o Otomano e o Safávida. Embora não seja de bom-tom mencionar, o fatalismo islâmico é uma explicação mais plausível para a falta de inovação no mundo muçulmano” (p. 129).
A abordagem de Ayaan é importante para qualquer discussão histórica que queiramos levantar sobre o tema. Longe de se limitar a uma perspectiva ocidentalizante, ela levanta questões pertinentes para se pensar a integração dos muçulmanos em nossas sociedades, e terrorismo e a difícil relação do islã com a modernidade. Um ponto na obra a que podemos fazer objeção é sua insistência de que o mundo muçulmano precisa de algo como foi a Reforma Protestante no Ocidente. Talvez essas sociedades não precisem de uma mudança no sentido do protestantismo, mas do Iluminismo. Embora o protestantismo tenha contribuído para o surgimento do pensamento liberal no Ocidente, essa, contudo, foi uma consequência tardia e não planejada da Reforma. Por outro lado, vem do Iluminismo nossos ideais de separação entre Igreja e Estado, direitos individuais e direitos humanos.
O islã ainda não é um problema político para nós e não sabemos se um dia virá a ser. Mas pensar sua doutrina, seus valores, sua história é algo que não podemos nos furtar de fazer.


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