10 ações que Temer poderia realizar com a grana que usou para comprar apoio no Congresso
O Brasil está dividido. Você
já deve ter cansado de ouvir esta frase, que se tornou o mantra de 10
entre 10 analistas políticos desde junho de 2013. Como na política nem
tudo é preto no branco, testemunhamos na absolvição de Michel Temer no
Congresso um raro exemplo daquilo que de fato une todo brasileiro: o
sentimento de vergonha sempre que assistimos nossos representantes em
cena.
A acusação
contra o presidente da República é a mais escandalosa possível:
corrupção passiva. Ou, mais precisamente, ser o destinatário final de
uma pomposa mala com R$ 500 mil, entregue pelo empresário Joesley
Batista a um portador indicado por Temer, como recompensa pelo apoio a uma das empresas do grupo comandado por Batista, dona de uma termelétrica a gás que depende da Petrobras como fornecedora.
Em pauta, o
arquivamento ou aceitação do pedido apresentado pelo Procurador Geral
da República, Rodrigo Janot, para investigar Michel Temer. Para escapar
da denúncia, bastava a maioria simples entre os 513 deputados e foi
exatamente o que ocorreu. Um total de 263 deputados votaram para que a
investigação não seguisse adiante, contra 227 favoráveis.
Conseguir
apoio dos parlamentares para aprovar temas polêmicos tem sido um dos
pontos fortes do governo. Ex-presidente da câmara em duas ocasiões – em
1997, quando contou com o apoio do PSDB e do PFL, e em 2009, quando
contou com os votos do PT, como retribuição por ter ajudado a eleger
Arlindo Chinaglia (PT-SP) dois anos antes -, Temer é o que se pode
chamar de uma raposa da política, dos mais hábeis quando o assunto são
os jogos de interesse do Congresso Nacional.
Desta vez,
porém, o que estava em jogo não era uma reforma ou uma medida
emergencial contra a crise que o país atravessa, mas a própria
existência de um governo comandado por Michel Temer e, como tal, o jogo
foi pesado. Cerca de dez ministros foram exonerados de seus cargos para
reassumirem suas vagas de deputado e votarem a favor do presidente e
contra as investigações. Antes do dia definitivo, entretanto, muita
coisa rolou e alguns bilhões correram soltos no Congresso. Ao todo, R$ 17 bilhões foram destinados aos parlamentares por meio de emendas para serem gastos em obras de interesse em suas bases eleitorais.
Veja bem:
no confuso dicionário político de Brasília, quando Marcelo Odebrecht,
preso há dois anos em Curitiba, destina R$ 11 bilhões em dinheiro
público para comprar apoio de políticos, trata-se de Corrupção Ativa. Quando um presidente distribui cargos ou verbas para obras, financiadas com o mesmo dinheiro público, o nome que se dá é Governabilidade.
A despeito
de, perante a lei, a distribuição de emendas parlamentares ser comum e
parte do orçamento, seu uso político – em especial as condições nas
quais são liberadas – escancara uma prática de conchavos e defesa de
interesses próprios, em detrimento das prioridades do país. Entre
janeiro e junho deste ano, foram R$ 102,5 milhões em emendas liberadas.
Na véspera da votação, R$ 17 bilhões entre emendas e verbas para
prefeituras.
Abaixo, listamos alguns exemplos de prioridades – muito mais úteis do que um arquivamento de inquérito – que este valor pode comprar:
1. Aumentar em 400% os investimentos do SUS em equipamentos.
Quando se
fala em prioridades para o gasto público, é raro encontrar um brasileiro
que discorde que saúde e educação deveriam encabeçar a lista. Afinal,
para obtermos qualquer coisa, é necessário estar em dia com o primeiro
ponto, enquanto o segundo é responsável por abrir portas. Para o país
com o sistema de saúde mais mal avaliado do planeta, segundo pesquisa
realizada pela Bloomberg, nem de longe isto parece uma prioridade. Isto é, quando falamos de prioridades sob o ponto de vista do governo.
Investir
em saúde não é algo simples e requer, via de regra, duas medidas.
Primeiro, é preciso formar bons médicos, com ensino de qualidade e rigor
na avaliação. Depois, é fundamental que haja bons equipamentos para que
estes mesmos médicos possam realizar o trabalho de salvar vidas.
Publicidade
No que
depender da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), esta
segunda tarefa requer alguma paciência. Isto porque, ainda que existam
verbas, aprovar o uso de um equipamento novo por aqui – como aqueles
fabricados pela General Eletric, por exemplo, que podem chegar a custar
alguns milhões – requer quatro anos de análises burocráticas. Cada
agente precisa ir até a fábrica responsável pelo equipamento e
certificar sua qualidade.
Terminado o
passeio turístico e o preenchimento da papelada, é provável que o
equipamento já esteja obsoleto ou, ao menos, desatualizado. Isso porque,
em uma indústria dinâmica como a de materiais hospitalares, a
eficiência dos equipamentos é ampliada, em média, a cada dois anos.
Vencido
este obstáculo, ainda é preciso contar com a boa vontade do Congresso
Nacional para aprovar a verba para aquisições e isto, ao menos desde
2014, tem ficado cada vez mais difícil. Hoje são R$ 3,8 bilhões para
este fim, verba esta que poderia ser ampliada em 400%, caso o governo
decidisse alocar os recursos utilizados esta semana para garantir a tal
da governabilidade.
2. Triplicar a verba de pesquisa do orçamento de 2017.
Que o
Brasil não é um país amigo da ciência não chega a ser uma novidade.
Nossa agência espacial, por exemplo, ainda conta com datilógrafos
concursados. Nosso Congresso leva ao menos um ano para saber se
honraremos o compromisso de participar de um projeto como o Large
Telescope no Chile, e outro deputado propõe vetar a importação de
livros.
Casos como
o projeto do senador Romário para facilitar a importação de material
para pesquisa ainda são raros no país, conhecido por atrasar o
lançamento da estação espacial internacional por descumprir sua parte no
acordo de construção.
Recentemente,
por exemplo, a Telebrás (sim, ela ainda existe) lançou um satélite
geoestacionário orçado em R$ 2,8 bilhões. Exatos 12 dias antes do
satélite ser lançado, foi feita uma licitação para decidir quem
construiria as antenas para receber os sinais enviados do espaço. No que
pode se revelar decepcionante para alguns, descobrimos que nem mesmo os
chineses conseguem entregar antenas em seis cidades brasileiras no
prazo de 12 dias. O resultado? R$ 200 milhões em prejuízo ao mês, valor
similar ao que os nobres membros do judiciário recebem de
auxílio-moradia.
Para este
ano, estão previstos R$ 8,7 bilhões em verbas para a ciência, cerca de
metade daquilo que o Congresso recebeu em emendas.
Enquanto
decide a melhor maneira de se salvar, o Brasil continua investindo seus
parcos US$ 35 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, verba igual à
destinada apenas pelas empresas Google e Amazon para o mesmo fim.
3. Reduzir em um ano o prazo para universalização do saneamento básico no Brasil.
Você
talvez já tenha ouvido falar naquele papo de que cada R$ 1 investido em
saneamento, significam R$ 4 a menos em gastos com saúde. Pode parecer
lógico, portanto, que um governo obstinado em cortar despesas destine
uma boa quantidade de verbas para isso, facilmente recuperáveis em
custos menores para o SUS no futuro.
No
entanto, nem mesmo uma boa lógica de investimento público parece afetar
aqueles que têm a caneta na mão para definir o orçamento. Hoje, 100
milhões de brasileiros não possuem acesso a tratamento de esgoto, quase
metade da população.
Por ano,
alocamos aí R$ 15 bilhões, na sua maior parte através de financiamentos
subsidiados via Caixa Econômica Federal com recursos do seu FGTS. Em
outras palavras: o governo cobra impostos para entregar saúde e depois
utiliza seu dinheiro novamente para financiar o que prometeu fornecer
com seus impostos.
Para resolver esta tarefa, precisamos investir R$ 317 bilhões ao
longo das próximas duas décadas. Trata-se, portanto, da escolha de
alongar o problema por um ano para cerca de 5 milhões de brasileiros.
4. Reverter o aumento de impostos sobre combustíveis e com o troco dar um dia sem impostos a todos os brasileiros.
Cumprir a
meta fiscal deste ano de gastar apenas R$ 139 bilhões a mais do que
arrecada não tem sido fácil para a equipe econômica, que já cortou quase
tudo que era possível em investimentos e reduz verbas a ponto de deixar
faltar serviços como os passaportes em aeroportos (operação que custa
R$ 220 milhões e rende R$ 770 milhões ao governo).
Para
acalmar os ânimos, a solução foi se aproveitar da queda da inflação e
colocar no lombo do trabalhador um aumento de tributos na gasolina, o
Pis/Cofins. Por se tratarem de tributos e não impostos, eles podem ser
alterados pelo próprio executivo sem a necessidade de aprovação no
Congresso, e valem já para este ano.
Com a medida, o governo espera arrecadar R$ 11 bilhões,
o que acarretaria um aumento de 0,6% no índice de inflação deste ano,
já que combustível é base para a produção de qualquer mercadoria. Na
prática, você perde 0,6% do seu poder de compra e o governo arrecada a
mesma quantia em impostos.
Com os R$ 6 bilhões que restassem da
anulação deste aumento em contrapartida à não liberação de verbas para
emendas, seria possível cobrir a arrecadação de um dia em impostos, que
hoje soma R$ 5,7 bilhões a cada ciclo de 24 horas.5. Dar um 14º e um 15º salários a todos os professores do país.
Com 2,6
milhões de professores recebendo em média 5% do salário líquido de um
juiz federal, o Brasil é um país de contrastes. Gastamos por aqui mais
que a média dos países ricos em ensino superior e cerca de três vezes
menos no ensino básico.
Em Santa
Catarina, estado com melhores índices educacionais do país, um professor
que cumpra 40h semanais recebe como base R$ 1.917 mensais. Na média
nacional, são R$ 3,2 mil mensais para
cada um dos professores em níveis estadual e municipal. Colocando tudo
na ponta do lápis, seria possível oferecer dois salários extras por ano
para cada professor, e ainda sobraria um troco.
A verba, de R$ 17 bilhões, poderia ainda ampliar em 15% o orçamento do Ministério da Educação durante todo o ano de 2017.6. Bancar durante um ano e três meses os gastos em saúde dos 16,46 milhões de habitantes do Rio de Janeiro.
Que o
sistema público de saúde no Rio de Janeiro vive uma crise em suas
finanças não chega a ser uma novidade e muito menos exclusividade desse
estado. Seus hospitais já tiveram de recorrer a um socorro da União em
ao menos duas ocasiões nos últimos três anos, tudo isso para que
pudessem simplesmente continuar abertos.
Por ano, o orçamento do governo fluminense com saúde atinge cerca de R$ 14,4 bilhões para
atender toda a população do estado. A verba mantém, além de mais de uma
dezena de hospitais, literalmente centenas de postos de saúde.
Com a verba destinada a emendas, seria
possível portanto bancar todos os custos do Rio, seja com investimentos
em melhorias ou simplesmente pagamento de folha de pessoal, durante um
ano e três meses.7. Dobrar os gastos com segurança do RS, RJ, BA e SC, e de quebra dar um 14º salário aos policiais destes estados.
O que
China, Estados Unidos, Europa e boa parte do continente asiático têm a
ver com a segurança no Brasil? Simples. Some o número de homicídios
ocorridos nesses lugares e você ainda não chegará ao número de
homicídios que ocorrem por aqui.
Temos pouco mais de 60 mil homicídios por ano – ou 10% de todas as pessoas assassinadas no mundo -, contra o fato de que temos 3% da população mundial.
No Brasil,
violência urbana tornou-se uma epidemia, daquelas difíceis de curar.
Nossos gastos com segurança, que no total atingem R$ 80 bilhões anuais
apenas na esfera pública, são destinados, em sua maior parte, a salários
e quase nada para investimentos. Ainda assim, nossos policiais ganham
relativamente mal em relação a outras funções públicas.
Prova
disso é que se você somar os R$ 5,4 bilhões gastos em segurança no Rio
de Janeiro no ano de 2015, antes de cortes profundos atingirem todas as
pastas, aos R$ 1,9 bilhões em Santa Catarina, R$ 3,5 bilhões no Rio
Grande do Sul e R$ 3,9 bilhões na Bahia, ainda assim, não atingirá os
gastos liberados pelo governo nesta semana. As informações foram
retiradas dos portais de transparência dos respectivos estados.
Falamos aqui de estados que concentram 48 milhões de pessoas, além de alguns com os menores índices de homicídios do país.
Se
destinada apenas aos estados do Norte e Nordeste, que concentram um
terço da população e 52% dos homicídios, a verba permitiria literalmente
dobrar o orçamento aplicados pelos 14 estados das duas regiões.
8. Colocar 7 dos 12,9 milhões de analfabetos brasileiros em uma escola durante um ano.
Nada menos
do que quatro Uruguais vivem dentro do Brasil não alfabetizado. Ainda
hoje, quase duas décadas depois de atingirmos a universalização do
ensino brasileiro, colocando todas as crianças na escola, não
conseguimos curar a chaga do analfabetismo, que aumenta lentamente com o
passar do tempo, impulsionado em especial pela evasão escolar, que
saltou de 6,2% para 16,2% entre 1999 e 2011.
Com quase
40% dos nossos trabalhadores não tendo concluído o ensino médio,
sentimos o peso desta baixa qualificação em todos os setores da
economia, uma vez que trabalhadores menos estudados produzem menos para o
país.
Com um custo médio de R$ 2,5 mil por ano para cada aluno no ensino básico, estimado pelo MEC, seria possível colocar 7 milhões de pessoas para estudarem durante o período de um ano, usando os R$ 17 bilhões.
9. Dar uma semana sem impostos a todo brasileiro com renda de até três salários mínimos por mês.
Poucas
coisas parecem tão lógicas quanto dizer que, se o governo deve gastar em
algo, ele deveria priorizar a população mais vulnerável, de menor renda
e com menos condições de arcar com uma vida digna.
O exato oposto ocorre em Terra Brasilis. Por aqui, quem ganha até três salários mínimos paga a bagatela de R$ 998 bilhões ao ano em impostos, ou 53,9% da
sua renda. Tudo graças a uma lógica da tributação brasileira que
privilegia os impostos sobre consumo em detrimento dos impostos sobre
patrimônio e renda, que afetam principalmente os mais ricos.
Na teoria,
o governo quer estimular a poupança e reduzir o consumo, para assim
reduzir a inflação, uma vez que os mais pobres consomem a maior parte da
sua renda enquanto os mais ricos tendem a consumir menos. Os resultados
desta prática são bastante perversos.
Uma pessoa
que ganhe um benefício médio do Bolsa Família, de R$ 180, ganha menos
do que os impostos embutidos em uma cesta básica. Em outras palavras: o
governo dá com uma mão e tira com a outra.
Considerando
a arrecadação diária média por parte desta camada da população, de R$
2,8 bilhão/dia, seria possível criar um Tax Free de uma semana. Isso
mesmo: tudo que você quiser comprar, sem imposto, durante sete dias do
ano.
10. Zerar os encargos e subsídios da sua conta de luz durante dez meses.
Poucas
coisas podem parecer tão confusas para uma pessoa desavisada quanto uma
conta de luz examinada mais de perto. Esteja você em que parte do Brasil
estiver, além de tudo que você consome, sua conta de luz banca desde um
apoio a energias renováveis até uma grana extra para pagar as
termelétricas da região Norte, que apesar de ser grande produtora de
energia, não conta com a mesma capacidade de distribuição das demais
regiões do país.
São
tributos diversos, com nomes e siglas pra lá de confusas. Temos, por
exemplo, o Luz Para Todos, um desconto de 90% na conta de luz de quem
trabalha com aquicultura e irrigação, manutenção do sistema, manutenção
da agência responsável por fiscalizar o setor, taxa de fiscalização,
além de compra de energia para reserva, por questão de segurança.
Somando tudo, são R$ 20 bilhões anuais.
Colocando o custo para garantir a governabilidade, temos aí dez meses
de grana que sai do seu bolso que poderiam muito bem continuar nele.
Caso isso fosse uma prioridade, é claro.
Sem comentários:
Enviar um comentário