No último dia 10, cerca de 60 mil poloneses saíram às ruas de Varsóvia para comemorar o dia de sua independência. Entre essas pessoas, como pode acontecer em uma multidão tão grande, alguns extremistas com bandeiras trazendo símbolos nazi-fascistas. Muitos, mas muitos católicos anticomunistas também – normal, já que a Polônia talvez seja um dos países mais católicos do planeta e tem um histórico de sofrimento nas mãos dos soviéticos ao longo do século passado.
Muitos jornais pretensamente sérios (Wall Street Journal, Guardian, BBC, Independent) noticiaram a passeata como se os 60 mil poloneses tivessem aproveitado a ocasião para ir às ruas pedir o extermínio de muçulmanos, de judeus e de toda a população não-branca do país. A matéria do Wall Street Journal, por exemplo, chega a mencionar a presença de faixas com dizeres como “A Europa será branca” e “Rezemos pelo Holocausto islâmico”. Mesmo que nenhuma reportagem sequer apresentasse fotos para comprovar essas manifestações, o feriado nacional acabou sendo retratado como um evento neonazista. Não por um ou por dois jornais esquerdistas estridentes, mas por toda a mídia.
É verdade que, apesar de terem sofrido não só nas mãos dos comunistas como também dos nazistas, houve colaboracionistas entre os poloneses. Também não se pode negar que existam focos de extremismo fascista na Europa. Não se pode, porém, partir de um fato e da presença de 60 mil pessoas para generalizar um fenômeno que se pretenda denunciar, colocando a minoria de fascistoides como representativa da multidão que lá estava.
O que um profissional minimamente sério deveria ter feito diante desse caso? Antes de tudo, noticiar tão somente os fatos, todos devidamente documentados. Esse jornalista hipotético ficou perturbado com a presença dos neonazistas e considera o ocorrido um fenômeno suficientemente relevante? Bem, sendo assim, esse profissional deve reunir materiais, separá-lo do contexto maior (feriado da independência da Polônia, multidão de 60 mil poloneses em Varsóvia) e criar uma reportagem à parte, relacionando-a ao contexto histórico (antissemitismo na história polonesa, colaboracionismo durante a Segunda Guerra, neonazismo na Europa de hoje, etc.).
Boa parte do jornalismo atual baseia-se nas informações repassadas pelas agências de notícias. Muitos dos jornais que veicularam tais reportagens sensacionalistas e histéricas apenas reproduziram o conteúdo dessas agências. A opinião também é requentada e corresponde a uma narrativa. Uma multidão de católicos anticomunistas nas ruas, a presença de pequenos grupos extremistas, patriotas vestindo as cores do país (ainda que num feriado nacional), manifestações contra a imigração muçulmana: tudo isso, tirado do contexto, serve para comprovar a ideia de que existe um extremismo fascista iminente na Europa.
Esse tipo de abordagem se assemelha à dos militantes das políticas de identidade que se utilizam de casos falsos ou descontextualizados para generalizar suas ideias. Diante de uma notícia de que o Instagram de determinada celebridade negra recebeu comentários racistas, esses militantes saem dizendo que isso prova que o Brasil é um país de racistas. Caso descubram que o comentário foi feito por outro militante para incriminar racistas imaginários, tudo bem; o caso não foi verdadeiro, mas poderia muito bem ter sido e fica como exemplo. Da mesma forma, pouco importa que entre os 60 mil poloneses nas ruas de Varsóvia poucos fossem ativistas do fascismo. Afinal, o extremismo de direita é um fenômeno na Europa dos últimos séculos e qualquer faísca serve para criar uma denúncia.
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