quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Cientistas estão usando inteligência artificial para escrever artigos

Klemen Zupančič, CEO do SciNote: primeira plataforma a usar inteligência artificial para escrever artigos científicos (Foto: divulgação)

Para um cientista, publicar é tão importante quanto pesquisar. Não basta conduzir um experimento dentro do laboratório e não contar a ninguém: a ciência só avança quando o conhecimento é compartilhado.
O problema é que, para muitos pesquisadores, a empolgação da descoberta científica se perde com a etapa enfadonha que vem a seguir. Resumir meses ou até anos de investigação acadêmica em um artigo técnico, padronizado por um milhão de regrinhas chatas, porém importantes, pode se mostrar uma tarefa ingrata.


Talvez até um pesadelo, levando em conta a pressão das instituições de pesquisa para que se publique muito e o crescente volume de dados com os quais os cientistas modernos têm de lidar — o tal do big data. Mas nem tudo está perdido: os robôs vieram para ajudar.
“Escrever um artigo científico é difícil, entediante”, afirma o biólogo molecular esloveno Klemen Zupančič, CEO do SciNote, primeira plataforma a implementar o recurso de inteligência artificial (IA) para ajudar na escrita de manuscritos, lançado no início de novembro. A cada novo arquivo gerado, o software aprende um pouquinho através do método de machine learning, que torna os resultados cada vez melhores com o tempo.
Quanto mais o robô trabalha, menor fica o fardo dos cientistas. Tanto que, em menos de um mês no ar, a ferramenta Manuscript Writer já gerou 99 rascunhos de papers — indício de que a novidade está sendo bem recebida pela academia. “Vemos muita gente empolgada com o sistema, que rearranja os dados no formato certo”, diz Zupančič.
Caderno na nuvem
Desde o início de 2016, o SciNote vem se estabelecendo como o principal “caderno de laboratório eletrônico”: contabiliza 22 mil usuários de cerca de 100 países. O Brasil é o décimo país que mais usa o sistema, com cerca de 500 cadastros.
A USP anunciou que, em 2018, vai introduzir a todos os alunos e pesquisadores o acesso à plataforma, gratuita e de código aberto. Os dados são catalogados de maneira organizada, facilitando o compartilhamento com colegas e o ato de torná-los públicos. Assim, a construção do conhecimento científico ganha mais transparência.
Cada vez mais, os pesquisadores têm exigido acesso não apenas aos artigos prontos, como também desejam conhecer todos os passos que os colegas deram ao longo do estudo — muitas vezes para reproduzi-los e checar se são, de fato, confiáveis. E isso é ótimo.
“Queremos tornar a ciência mais verificável, ajudar com as questões de reproducibilidade”, diz Zupančič, que começou a se interessar por tecnologia em 2010.
Robô cientista
Naquela época, o biólogo resolveu juntar seus colegas com a turma de TI na tentativa de estabelecer pontes entre os dois campos e desenvolver softwares mais amigáveis aos cientistas. Deu certo.
Mas o recente lançamento do Manuscript Writer levanta algumas questões: poderia a inteligência artificial se tornar tão sofisticada no futuro a ponto de substituir, de vez, o papel do pesquisador na construção e publicação do conhecimento?
Zupančič descarta essa possibilidade. “A IA é muito boa em analisar big data e em aprender padrões muito sutis, mas é péssima em ser criativa”, afirma. É claro que um artigo científico não é nenhum texto literário — questões como estilo e uso da linguagem importam pouco.
Mas, ainda assim, há certas coisas que só o cérebro humano consegue fazer, como criar títulos, interpretar hipóteses, abordar problemas e discutir as implicações mais amplas do estudo para a sociedade. “Os cientistas vão continuar aqui por bastante tempo porque a IA simplesmente não é capaz de pensar e raciocinar”, tranquiliza o esloveno.
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