quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O Nazista Adolf Eichmann: 'Eu só cumpria ordens'


Em 15 de dezembro de 1961, após ser sequestrado da Argentina, o carrasco nazista era condenado à morte em Israel - dizendo que era inocente e só fez o que mandaram
Na juventude, como membro das SS: um nazista e seus símbolos | <i>Crédito: Wikimedia Commons
Fábio Marton

Era 15 de dezembro de 1961 quando Adolf Eichmann ouviu sua sentença: morte por enforcamento. Seria a segunda e última pessoa a ser executada pelo Estado de Israel - o primeiro, Meir Tobianski, era um militar israelense acusado de traição, e postumamente perdoado.

Oficial da SS e um dos principais responsáveis pelo holocausto, por todo seu julgamento, Eichmann jamais admitiu qualquer culpa ou demonstrou qualquer remorso. "Seu papel principal foi coordenar as atividades práticas da implementação da 'solução final'", diz Efraim Zuroff, famoso caçador de nazistas e Israelense. "De seu escritório em Berlim, Eichmann organizava as rotas dos trens que seguiam para os campos de extermínio. Em outras palavras, era ele quem carimbava as passagens de homens e mulheres de origem judaica forçados a partir com destino a lugares cujos nomes ainda hoje provocam calafrios: Auschwitz, Treblinka, Birkenau."

Por repetidas vezes, falou que simplesmente cumpria ordens, forçado pelas obrigações a seus superiores, num Estado totalitário, que não permitia dissidência. O tribunal não comprou essa versão e Eichmann foi considerado pessoalmente responsável. A sentença seria executada em 1º junho do ano seguinte.

Os juízes podem não ter ouvido seu argumento. Mas muita gente ficou perturbada pelo desafio contido nele: afinal, ordens desculpam alguém? E, muito pior: se você estivesse em seu lugar, teria feito o mesmo?

Deixamos essa questão para o final. Primeiro, vamos falar de sua captura.

Ação fulminante

20h15 de 11 de maio de 1960, um ano e meio antes da condenação. Naquela noite, o ônibus que trazia Ricardo Klement do trabalho atrasou um pouco. Ele saltou no ponto de sempre, bem perto de sua casa, onde Vera e os meninos o esperavam.

A região era meio deserta e afastada do centro, mas ele apreciava o isolamento. Dobrando a esquina, viu uma limusine preta parada, com o capô levantado.

Do lado de fora, um homem checava o motor. Quando Klement passou, foi interrompido bruscamente: "Momentito!", disse o desconhecido, em um arremedo de espanhol. .

Era obviamente estrangeiro. Klement hesitou, e o estranho pulou em cima dele, tentando segurar seus braços. Ele gritou, se debateu e os dois caíram no chão.

Logo surgiu um terceiro homem, depois mais outro, dominaram Klement e o botaram no banco de trás da limusine. O carro partiu em disparada. Então o motorista virou-se e disse em alemão: "Não se mova e ninguém vai machucá-lo. Mas se resistir, atiramos". Klement ficou em silêncio por uns segundos.

Finalmente, respondeu, também em alemão: "Eu já aceitei o meu destino". Eichmann não estava armado " nem os agentes.

A limusine seguiu pela rua Avellaneda por 800 metros e então parou para que Zeev Keren descesse e trocasse rapidamente as placas do carro; em vez das chapas comuns, agora eles tinham novas, azuis, de carro diplomático, para combinar com documentos falsos de diplomata austríaco que Aharoni levava.

O prisioneiro estava deitado no chão, com um cobertor em cima. Chegaram finalmente na casa. O carro estacionou na garagem e os ocupantes entraram pela porta que dava acesso direto à cozinha.

Vendado com óculos de motociclista cobertos com fita adesiva, Eichmann foi levado até o segundo andar, onde um quarto tinha sido preparado para ele. No lugar das janelas, colchões tornavam o ambiente à prova de som. Deitaram-no na cama, despiram-no, e o Doutor examinou seu corpo em busca de cápsulas de veneno. Vestiram-no com pijamas e a perna esquerda foi algemada à cama.

O breve interrogatório começou às 21h15. Aharoni fazia as perguntas. Qual era o nome do prisioneiro? "Ricardo Klement". E como ele se chamava antes? "Otto Heninger". E qual foi seu primeiro nome? "Adolf Eichmann".

Em 20 de maio, o prisioneiro foi avisado de que era hora de partir. Vestido com uma roupa semelhante à da tripulação da El Al (camisa branca e gravata preta), Eichmann foi sedado. A droga o impediria de falar, mas com ajuda poderia se locomover quase normalmente.

Para todos os efeitos, eram dois membros da tripulação amparando um colega doente. O Doutor sentou atrás de Eichmann e até a decolagem manteve uma seringa espetada em seu braço.

Embarcaram sem transtornos e o avião decolou à 0h04. Às 7h20 da manhã de 22 de maio, a aeromoça avisou: "senhoras e senhores, estamos entrando em espaço aéreo de Israel."

Com a palavra, a filósofa

O que você faria no lugar de Eichmann? A filósofa alemã Hannah Arendt, que cobriu o julgamento para a revista americana New Yorker, ficou intrigada por isso.

Em Eichmann em Jerusalém, o que ela fez foi uma demolição do processo. Primeiro, expôs as intenções políticas de David Ben Gurion, o primeiro premiê da história de Israel, ao promover o julgamento.

Segundo a filósofa, Gurion tinha o interesse de manter viva a memória do holocausto, e essa estratégia criava um terrível constrangimento para a corte: como esperar um julgamento justo, se o resultado já estava definido?

Em seguida, a filósofa analisa o próprio acusado, que foi um dos maiores responsáveis por organizar a logística dos campos de extermínio. Afastando-se da imagem do carrasco sanguinário, ela mostra que ele era um burocrata medíocre, que só queria fazer seu serviço bem feito.

Finalmente, Arendt demonstra que, em países cuja população se opôs de forma decidida às deportações, os nazistas fizeram vista grossa – como na Dinamarca, onde o rei ameaçou ser o primeiro a utilizar a estrela de Davi no ombro. Ou seja, havia como lutar e resistir, coisa que muitos conselhos judaicos não fizeram.

É só no fim do livro que Arendt dá seu próprio veredicto para Eichmann. Para ela, o único motivo pelo qual ele deveria ir para a forca é porque, ao obedecer a uma ideologia que se julgava no direito de dizer quem deveria ou não habitar o mundo, ele também dava o direito à humanidade de não querer partilhar a Terra com ele.

Quanto ao fato de apenas “obedecer ordens”, fica a última lição da filósofa. Para ela, “política não é jardim-da-infância; em política, obediência e apoio são a mesma coisa”.

Um hipócrita

As declarações de Arendt foram obviamente polêmicas em Israel. Judia, ela sempre fora crítica de Israel enquanto um Estado nacional judeu. Tinha também uma história complicadíssima com o nazismo - havia sido aluna e amante do filósofo Martin Heidegger, que, no mesmo 1933 no qual ela fugiu da Alemanha, se tornaria membro ativo do partido nazista.

O corpo de Eichmann seria cremado e jogado no Mar Mediterrâneo. Fora das
águas territoriais de Israel.

Em 2011, novos documentos revelaram-no na Argentina, no início dos anos 1950, falando com um jornalista. Em tom jocoso, lamentou não ter conseguido realmente exterminar os judeus: "Nós não fizemos nosso trabalho corretamente".

Arendt e ninguém mais tinha como saber disso. E a pergunta de o que cada um faria diante de ordens hediondas continua a fazer sentido. Mas Eichmann não era um mero pau-mandado como dizia ser, mas um nazista convicto. Duas vezes crápula.


FONTE http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/so-cumprindo-ordens-o-dilema-de-adolf-eichmann.phtml#.WjmvnFWnHIU
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