A obsessão criacionista anti-Darwin
O ano de 1859 marca um divisor de águas na história da ciência. Não que antes ninguém jamais tivesse proposto a hipótese da evolução das espécies, mas porque antes disso a evolução era apenas isso, uma hipótese. Após uma longa viagem observando, anotando e coletando evidências, Darwin a transformou numa teoria. A maioria das pessoas confunde hipótese com teoria. Quando falamos de uma teoria da evolução ou uma teoria da gravitação universal, por exemplo, não estamos falando de uma suposição científica; uma teoria se mantém verdadeira por conter princípios que não foram refutados. Apesar disso, não são poucos os teólogos, diletantes e líderes religiosos que não aceitam esse fato, pior, ainda pretendem que uma narrativa religiosa tenha caráter científico e descritivo.
Isso porque não existe uma teoria da criação, mas narrativas da criação coligidas em livros sagrados de variadas culturas e baseadas na tradição oral de povos que viam esses relatos como uma explicação das origens em momentos históricos em que não havia distinção entre logos e mythos, duas formas distintas de descrever o mundo. Com isso, criacionismo e evolucionismo estão em níveis distintos de interpretação, não podendo sequer ser comparados. Os criacionistas esquecem isso quando tentam de forma constante e azafamada demolir a teoria da evolução sem se aperceberem de que os princípios do que pretendem colocar em seu lugar não possuem validade científica.
Esse é o caso da já sovada teoria do Design Inteligente. Não é preciso nenhum cientista ser irreligioso para admitir que a teoria ID (Intelligent Design, em inglês) é uma fraude pseudo-científica. Esse é o caso de Francis Collins, que, embora teísta, se opõe a essa concepção e cujo livro “A Linguagem de Deus” comentei em outro artigo (clique aqui para ler). Não foram poucos os que já tentaram “demolir” o evolucionismo alegando que há nessa teoria a violação desta ou daquela lei científica. São mais de 150 anos de debates acalorados, tentativas de silenciamento e até querelas em tribunais. Talvez uma das questões mais importantes nisso tudo seja: por que a constatação de que evoluímos de outras espécies e não fomos criados por um ser divino ou de que o mundo não possui apenas seis mil anos ofende a tantas pessoas?
Mesmo antes do século 19, algumas pessoas já haviam tentado estipular uma idade aproximada da Terra a partir da cosmovisão cristã. Ainda na primeira metade do século 17, um arcebispo inglês chamado James Ussher calculou que a criação ocorreu por volta do ano 4004 a.C. e John Lightfoot, complementando o trabalho de Ussher, precisou que a criação finalizara no dia 23 de outubro, às nove horas da manhã.
Posteriormente, à medida que registros fósseis foram aparecendo e a geologia aperfeiçoou seus métodos de cálculo da idade aproximada das rochas, toda pretensão de transformar a narrativa criacionista em ciência caiu em maus lençóis; nem mesmo a ideia de que os fósseis derivavam do Dilúvio bíblico pôde subsistir por muito tempo. Antes de Charles Darwin escrever a Origem das Espécies, pesquisadores como Georges Cuvier, Georges de Buffon, James Hutton, Charles Lyell, Erasmus Darwin, Lineu e Lamarck deram importantes contribuições para a teoria evolucionista. Para quem fez um bom ensino médio, sabe que depois de Darwin, a genética e o aperfeiçoamento dos métodos de datação de fósseis tanto confirmaram o que ele havia pesquisado como acrescentaram novos elementos.
Hoje, embora renomados cientistas possam enquadrar a evolução como uma fraude, essa não é uma visão compartilhada pela maior parte da comunidade científica internacional e entre afirmar a falsidade de uma teoria e apresentar provas concretas disso há um enorme abismo. Mas em geral isso é feito em nome de uma fé religiosa e da reafirmação do criacionismo bíblico. Rejeitar a ciência por causa da fé tem se mostrado uma atitude leviana há séculos, pelo menos desde que a Igreja tentou silenciar Galileu por ratificar a teoria copernicana. Hoje podemos ver em contextos variados que a reclusão da ciência aos muros da religião não produz nada além de obscurantismo e tende a reduzi-la a reprodutora de dogmas. Isso talvez explique, em parte, porque a religião está em vias de desaparecer em algumas sociedades. É preciso que a religião repense seu papel diante do mundo e cultive um tipo de espiritualidade que não engesse o pensamento crítico e a capacidade humana de questionar e buscar respostas. Para finalizar, reproduzo um texto do físico Marcelo Gleiser publicado na Folha de São Paulo com o título: Por que duvidam da evolução?, e que acrescenta alguns elementos importantes a essa reflexão.
Por: Marcelo Gleiser
Será que é tão ofensivo ter um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?
Ao menos nos EUA, a evidência é indiscutível. Em uma pesquisa do grupo Gallup na véspera do aniversário de 200 anos do nascimento de Charles Darwin, no dia 12 de fevereiro de 2009, apenas 39% dos americanos responderam que “acreditam na teoria da evolução”.
Não há dados semelhantes no Brasil, mas imagino que os números sejam semelhantes ou piores.
A mesma pesquisa relaciona o resultado com o nível educacional dos respondentes. Apenas 21% das pessoas com ensino médio completo ou menos acreditam na evolução. O número sobe para 53% nos graduados e 74% em quem tem pós-graduação.
Outra variável investigada foi a relação do resultado com frequência à igreja. Dos que acreditam em evolução, 24% vão a igreja semanalmente, 30% ao menos uma vez por mês e 55% nunca vão. Quanto mais crente, maior a desconfiança em relação à teoria de Darwin.
Por outro lado, a evidência em favor da evolução também é indiscutível. Ela está no registro fóssil, datado usando a emissão de partículas de núcleos atômicos radioativos. Rochas de erupções vulcânicas (ígneas) enterradas perto de um fóssil contêm material radioativo. O mais comum é o urânio-235, que decai em chumbo-207.
Analisando a razão entre o urânio-235 e o chumbo-207 numa amostra de rocha ígnea e sabendo a frequência com que o urânio emite partículas (em 704 milhões de anos, a quantidade de urânio numa amostra cai pela metade), cientistas obtêm uma medida bastante precisa da idade do fóssil. Por exemplo, os dinossauros desapareceram há 65 milhões de anos.
A evidência em favor da evolução aparece também na resistência que bactérias podem desenvolver contra antibióticos. Quanto mais se usam antibióticos, maior a chance de que mutações gerem bactérias resistentes. Esse tipo de adaptação por pressão seletiva pode ser investigado no laboratório, sujeitando populações de bactérias a certas drogas e monitorando modificações no seu código genético.
Posto isso, pergunto-me por que a evolução causa tanto problema para tanta gente. Será que é tão ofensivo assim termos tido um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?
A nossa descendência é ainda muito mais dramática: se formos mais para o passado, todos os animais que existem descenderam de um único ancestral, o Último Ancestral Universal Comum (na sigla Luca, em inglês), que provavelmente era um ser unicelular.
Essa desconfiança do conhecimento científico é muito estranha, dada a nossa dependência dele no século 21. (De onde vêm os antibióticos e iPhones?) O problema parece estar ligado ao Deus-dos-Vãos, a noção de que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos Deus é necessário. Os que interpretam a Bíblia literalmente veem nisso uma perda de rumo. Se Deus não criou Adão e Eva e se não nos tornamos mortais após a “queda do Paraíso”, como lidar com a morte?
Uma teologia que insiste em contrapor a fé ao conhecimento científico só leva a um maior obscurantismo. Mesmo que não acredite em Deus, imagino que existam outras formas de encontrar Deus ou outros caminhos em busca de uma espiritualidade maior na vida.
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