ENTREVISTA: BARRY BROWNSTEIN E AS BARREIRAS PARA UMA SOCIEDADE LIVRE
- Barry Brownstein
- 1344 Visualizações
- Deixe um comentário
Barry Brownstein é professor emérito de economia e liderança na University of Baltimore. É autor do livro The Inner-Work of Leadership , e muito do seu trabalho trata da questão da descentralização de poder. Recentemente, dois de seus excelentes artigos foram publicados em nosso blog , e é com muita satisfação que o temos como convidado entrevistado do mês.
Você escreve muito sobre ordem espontânea , que é a ideia de que ordem pode emergir sem qualquer planejador central. Mas a maioria das pessoas não consegue conceber esse fenômeno, e por isso pede aumento do Estado para administrar suas vidas. Por que há essa crença tão forte em planejamento de cima para baixo?
Essa é uma pergunta excepcionalmente boa para começarmos porque vai direto ao centro do meu trabalho. Meu trabalho é identificar as barreiras internas, as mentalidades individuais que impedem uma sociedade livre. Acontece demais de focarmos nas manifestações externas de decisões internas que fizemos.
É impossível ver aquilo que não acreditamos. Surpreendentemente, evidências de ordem espontânea que estão à toda nossa volta são ignoradas.
No ensaio Cosmos and Taxis que está no primeiro volume de seu livro Law, Legislation and Liberty ,Friedrich Hayek aponta para a resposta de sua pergunta. Ele nos diz que a ordem espontânea é complexa demais para ser compreendida pela mente humana.
E é aí que muita gente quer descer do ônibus que nos traria para uma sociedade livre. Se alguma coisa é intangível, se não podem segurá-la, muitos não querem nada com ela. Elas têm medo do que pode revelar algo que elas não conseguem controlar.
É estimado que seres humanos hoje têm pelo menos 50.000 pensamentos por dia. A maior parte de nosso pensamento vem de nosso ego . Nossos pensamentos muitas vezes estão centrados no que achamos que precisamos mais ou que precisamos menos para sermos mais felizes. Nosso ego quer manipular e controlar o mundo para obter o que queremos. Nosso ego simplesmente não consegue imaginar abrir mão do controle em favor de algo que está além de nossa habilidade entender.
O famoso autor de The 7 Habits of Highly Effective People Stephen Covey , nos diz que o ego não consegue dormir, porque está sempre microgerenciando e controlando e interpretando toda a vida por sua própria agenda.
Não há pesquisa feita em cima dessa questão, mas me pergunto se aqueles com os maiores egos são aqueles menos dispostos a considerar forças maiores do que o poder de sua própria mente.
A Academia Liberalismo Econômico faz um trabalho tão importante, porque aponta indivíduos para a direção de respeitar processos maiores do que somos.
Apontar as pessoas na direção da ordem espontânea ajuda muito. É mais ou menos assim. Até você querer pintar o exterior da sua casa, você provavelmente não repara nas cores das casas da vizinhança. Logo que decide pintar sua casa, passa a estar sempre atento às cores das casas. Então o trabalho que vocês fazem é um processo muito importante em ajudar as pessoas a desviarem-se do planejamento de cima para baixo.
Obrigado! Isso é algo que realmente nos propomos a fazer. Mas sua pergunta é muito interessante, sobre se indivíduos com ego mais forte têm mais dificuldade em aceitar um arranjo cujo resultado eles não conseguem controlar. Se nosso ego quer manipular as coisas à nossa volta para nos fazer mais felizes, você iria tão longe em dizer que não é “natural” para os humanos largar o controle? Precisamos lutar contra nossa própria natureza ao tentar compreender os benefícios da ordem espontânea?
Parece que estamos lutando contra nossa própria natureza porque nosso ego tenta nos convencer de que é nosso melhor amigo. Claro, o ego sempre nos acompanha. Pense na conversa constante que você tem na cabeça, que narra seu dia e que diz o tempo todo o que gostar e o que não gostar. Essa conversa é o seu ego.
Em outras palavras, nosso ego é nossa máquina julgadora perpétua. Então você está correto, a ideia de abrir mão de controle é como kryptonita para o ego. Logo, nosso ego nos convencerá de que desistir de controle é muito perigoso e, como você diz, irá interferir em nossa felicidade.
Felizmente, a sabedoria em todas as tradições, o que alguns chamam de filosofia perene , nos ensinou que não somos nosso ego. Pense nos momentos em que você está o mais calmo e quieto por dentro.
Para alguns, isso acontece durante uma corrida. Para outros, pode ser quando estão na natureza. Se prestar atenção, você verá esses bons sentimentos surgirem sem condições, se você não os reprimir. Em outras palavras, experimentamos nossa verdadeira natureza quando subtraímos o ruído de nosso ego.
Alguns entendem errado. Eles dizem “se eu não tiver o ruído de meu ego me dirigindo, eu ficaria parado sem fazer nada”. Eles realmente precisam de seus egos para atingir objetivos? Peço a eles para dar uma olhada por eles mesmos.
Sei de minha própria experiência, sou mais produtivo, me sinto melhor, quando meu ego não está no comando. Sei o que precisa ser feito. Faço com mais eficiência e confiança, e não forçado por bravata.
Sem meu ego no comando, sinto um fluxo constante de novas ideias entrando. Com meu ego no comando, ele suga demais de minha capacidade mental para que eu consiga ser eficaz.
Gosto de fazer trilhas. Frequentemente quando vou começar uma trilha, há muito ruído na minha cabeça. “Está muito quente” “Está muito frio” “Há muito mosquitos” “A trilha é muito inclinada”. Fazer a trilha é muito difícil com esse barulho. Mas aí minha mente começa a se acalmar, e a atividade vira puro prazer.
E assim pode ser com nossa vida cotidiana. Só precisamos parar um pouco e entender que nosso ego no fundo não está atrás de nossos interesses. Há uma inteligência mais profunda que trabalha por nós, se a permitirmos.
Ao longo do dia, com nosso ego tentando controlar as coisas, a vida fica realmente muito difícil. Nosso ego é um péssimo condutor de nossas vidas. Ele nos confunde sobre onde está nossa felicidade. Subtraia o ruído do ego e há simplesmente mais do nosso verdadeiro “eu” disponível para ser eficaz em nossas vidas.
Em uma economia, há uma grande diferença de produtividade e prosperidade quando está sob controle do Estado ou livre-mercado. Você diria que quando organizações privadas decidem delegar tomadas de decisões para seus membros, elas deveriam esperar resultados similares a uma economia de livre-mercado?
Acontece muito de pessoas que participam de meus workshops serem simpáticos ao livre-mercado, mas administrarem suas organizações no estilo comando-e-controle. Eu lhes pergunto: “Por que você acha que planejamento central funciona na sua organização, mas não na economia?” Essa pergunta geralmente trava o pensamento deles, e depois ocorre muita reflexão.
Há muitos negócios pelo mundo que descobriram que a produtividade aumenta quando abrimos mão de controle. A Visa Inc. (a empresa de cartões de crédito) foi fundada por Dee Hock e começou em apenas um banco. Ele logo percebeu que se ele quisesse fazer da Visa uma organização internacional, que isso estava além do poder de sua mente. Então ele entregou controle.
Ele aprendeu o que eu chamo de máxima de Dee Hock: “Princípios simples e de claro propósito fazem surgir comportamentos complexos e inteligentes. Regras e regulamentos complexos fazem surgir comportamento simples e estúpido.” Quando ele abriu mão de controle, a inteligência que estava dispersa em sua organização pôde ser usada.
Em meu livro The Inner-Work of Leadership , uso, como exemplo de um líder que abriu mão de controle, Ricardo Semler , CEO e sócio majoritário da Semco Partners , uma empresa brasileira. Semler foi trabalhar com o pai quando ainda jovem.
Seu pai administrava a empresa em estilo autocrático, comum no Brasil. Aos 21 anos, ele recebeu de seu pai a propriedade majoritária da empresa. Imediatamente, ele começou a desmontar a hierarquia de seu pai e demitiu 60% dos gerentes que se recusaram a mudar e não aceitavam suas ideias de transparência financeira e equipes autogeridas.
Não é triste que tantos gerentes na Semco tiveram uma falha de imaginação e não conseguiam se imaginar liderando sob ausência de uma hierarquia estrita que lhes desse poderes que não podiam ser contestados? Se tivessem ficado e mudado, eles talvez tivessem encontrado uma vida mais gratificante.
Semler acredita que somente o respeito dos liderados faz um líder. Logo, a Semco não tem qualquer diagrama organizacional formal. Ele diz que se tiver que desenhar a estrutura da organização, ele sempre o faz a lápis. Seus livros tornaram-se best-sellers internacionais e a Semco atingiu grande sucesso.
Achatar a hierarquia e permitir que regras simples, valores e propósito guiem o comportamento dos empregados será a norma no futuro.
Ao dar tanto poder aos trabalhadores, isso não altera os incentivos que eles têm para trabalhar duro? A maioria das pessoas acredita que esses incentivos vêm na forma “siga ordens, receba a recompensa”. Eles ainda estão ali de alguma outra forma?
Até não muito tempo atrás, corporações usavam apenas um tipo de organização, então é natural que pensemos em termos de hierarquia e comando-e-controle.
Para um gerente não ter mais esse poder vinculado à sua posição, isso pode ser desconcertante. E pode ser igualmente desconcertante para o trabalhador estar cara-a-cara com a verdade que somente ele pode tomar a decisão de usar toda sua energia em busca de um objetivo.
As organizações de hoje precisam de trabalhadores altamente engajados que livremente empenhem seu esforço discricionário. Trabalhadores que são intrinsecamente motivados tendem a empenhar mais esforço discricionário do que trabalhadores que são extrinsecamente motivados.
Bill Gore , fundador da W.L. Gore , a empresa que faz Gore-Tex , ele trabalhou dezessete anos como químico pesquisador na DuPont onde viu uma rígida cadeia de comando.
Dessa experiência, Gore veio a entender que a energia que empregados engajados usam vinha de dentro. Ele acreditava que “todo comprometimento é um autocomprometimento”. E que “autoritários não conseguem impor comprometimento, somente comandos”.
Na Gore, apesar de não haver os tradicionais diagramas organizacionais ou cadeias de comando, indivíduos respondem aos multidisciplinares membros de suas equipes. Logo, a cultura na Gore é uma em que os empregados estão constantemente provando-se uns aos outros. Empregados podem verdadeiramente tomar posse de um projeto e gerar resultados.
Em organizações como a Gore, há menos necessidade para controles e incentivos externos. Há mais oportunidades de trabalhar duro por um propósito rico e gratificante.
Você escreveu recentemente que o capitalismo tende a ser mais benéfico para o pobre do que para o rico. As quantidades de riqueza que as pessoas de cada um desses dois grupos detêm podem ainda ser muito distantes, mas em termos de padrão de vida o intervalo hoje parece nunca ter sido tão estreito. Como isso é possível?
Essa é outra ótima questão. Percebo que meus estudantes de graduação muitas vezes ignoram a história. Alguns tendem a ver o mundo por olhos estáticos e muitas vezes não têm a menor ideia da quantidade de riqueza que foi criada nos últimos séculos.
Em seu livro O otimista racional , Matt Ridley fornece detalhes ardentes sobre como a vida mudou para melhor para o indivíduo médio no mundo ocidental nos últimos séculos. Ele tem detalhes, por exemplo, sobre como era cara a luz de vela em comparação com a luz elétrica de hoje. Alguns de meus alunos literalmente não acreditam nos fatos.
Não é surpresa que esses alunos são apoiadores de um Estado grande. Eles não fazem ideia de que o padrão de vida que eles tomam como dado é devido à liberdade que empreendedores aproveitaram, e não a oficiais do governo.
Escrevi uma peça para o The Freeman chamada Capitalism Promotes Equality . Nos últimos séculos, igualdade de consumo tornou-se o padrão. A nobreza alguns séculos atrás comia muito melhor do que quase toda a humanidade da época, a maior parte da qual estava preocupada em encontrar a próxima refeição de suas famílias. Hoje, aqueles de nós que vive no mundo ocidental, graças ao capitalismo, temos acesso no supermercado a uma oferta de alimentos com que um rei não poderia ter sonhado séculos atrás.
Podemos não ter um cozinheiro, mas podemos sair para comer quando não estamos com vontade de cozinhar. Podemos não ter um chofer, mas viajamos nas mesmas estradas e em carros parecidos.
Somente aqueles que dão mais valor a ter poder sobre outras pessoas trocaria a vida de classe média de hoje pela vida da nobreza de séculos atrás. Relativamente, podemos ter menos riqueza, mas vivemos melhor em todos os sentidos. Até os pobres no mundo ocidental têm acesso a alimentos, estradas, saneamento, tratamento médico e abrigo com que a maior parte de humanidade só poderia ter sonhado um breve momento da história atrás.
Ao mesmo tempo, devemos sentir profunda empatia pelas bilhões de pessoas vivendo em economias minadas por planejamento central e corrupção. O padrão de vida em que eles vivem é uma fração do que poderia ser, e seu sofrimento é imenso.
E famílias pobres que fogem desses países minados por planejamento central e corrupção para economias mais livres, como os Estados Unidos ou a Europa ocidental? Você diria que a liberdade econômica também melhora seus padrões de vida ao longo do tempo? Ou o fato de já existirem famílias em melhor situação nesses países torna suas vidas ainda mais difíceis?
Quando as grandes ondas de imigração europeia vieram para os Estados Unidos –- e nesse sentido, para o Brasil também –- não havia qualquer bem-estar social provido pelo Estado. Não tenho tanta familiaridade com a história brasileira, mas nos Estados Unidos os imigrantes rapidamente assimilaram-se e suas rendas familiares eram muitas vezes acima da média.
Meus próprios avós e bisavós emigraram da Europa. Nossa família era relativamente pobre, mas não me lembro de inveja em meus pensamentos. Aliás, não me lembro de sentimentos de inveja expressos por parentes e amigos. Todos nós tínhamos certeza que, através do esforço e de educação, nossas vidas melhorariam.
Um por um, foi isso que aconteceu com todos os meus amigos de infância. Nosso foco era nas oportunidades que estavam disponíveis para nós, não no que não tínhamos — e a vida melhorou.
Inveja é uma atitude corrosiva, ela ensina que outra pessoa ou algum grupo é responsável por seus apuros. Os imigrantes de hoje têm tremendas oportunidades, mas eles precisam escolher usar sua energia para melhorar suas vidas.
Se olharmos para a imigração muçulmana para a Europa, há uma grande bandeira vermelha. Países europeus têm extensos programas de bem-estar social. Extensos programas de bem-estar social desincentivam assimilação. É através do comércio que aprendemos sobre nossa humanidade comum, não importando nossas diferentes religiões ou nacionalidades de origem. É através do comércio que aprendemos que o império da lei é superior à sharia .
Se, por conta de programas de bem-estar social, a assimilação é ativamente desincentivada, padrões de vida não irão melhorar e tensões baseadas em superstições ancestrais serão escaladas.
Bernie Sanders , que está tentando ser o candidato à presidência do Partido Democrata esse ano, é bem conhecido por prometer todo tipo de benefícios grátis. Aparentemente, muitos americanos o apoiam. No Brasil, nossa constituição “garante” tratamento de saúde gratuito e universal. Também há jovens estudantes que demandam passe gratuito e ilimitado no transporte público para todos. Por todo o mundo, as pessoas parecem cegamente atraídas pela ideia do governo “grátis”. Por que isso acontece?
Infelizmente, você está correto. Nosso ego tem um grande senso de merecimento – o ego quer algo por nada, nosso ego quer receber muito e dar pouco. Então nossos egos constroem teorias elaboradas sobre por que justiça social exige que nós mereçamos mais e os outros mereçam menos. Obter algo de graça é o máximo do “algo por nada”.
O economista Thomas Sowell escreveu “Nunca entendi por que é ganância querer ficar com o dinheiro que você ganhou 1 , mas não é ganância querer pegar o dinheiro de outra pessoa.”
Do ponto de vista de nosso ego, pegar dos outros faz todo sentido. O “Herói da República” é a mais alta condecoração dada na Coréia do Norte. Outros países comunistas tiveram homenagens parecidas. Todo ego causa desilusões, todos nós pensamos que somos “heróis da república”. Temos impaciência no trânsito, demandamos que nosso parceiro de casamento atenda todas as nossas necessidades, pensamos que somos o mais importante trabalhador na organização e — muito importante — pensamos que a sociedade nos deve algo.
Aqui nos Estados Unidos também, vemos estudantes universitários que não fazem nada e ficam demandando coisas. Esses jovens não percebem que têm a responsabilidade de criar valor para os demais. Quando a sociedade é organizada de modo a permitir que sejam aprovadas leis que transfiram riqueza de um grupo para outro, estudantes vão sair demandando mais e mais coisas grátis.
Por outro lado, se refletirmos um pouco, perceberemos que os grandes empreendedores da história criaram muito mais valor para os outros do que já receberam em riqueza pessoal. Eles podem ter ganho bilhões, mas a melhoria na qualidade de vida que eles criaram para a humanidade foi muito maior.
Quando entendemos a dinâmica de nosso ego, entendemos que para manter uma sociedade livre, o meio de se obter riqueza deve ser limitado a satisfazer as necessidades dos demais. Quanto mais valor criamos para os outros, mais ricos nos tornamos.
Notas:
- No original em inglês, foi usada a palavra earn que significa, nesse contexto, obter dinheiro através do trabalho. Em português, seria traduzido para algo como ganhar, receber, merecer. (N. do T.)
FONTE http://aleconomico.org.br/entrevista-barry-brownstein-e-as-barreiras-para-uma-sociedade-livre/
Sem comentários:
Enviar um comentário