domingo, 26 de novembro de 2017

‘Autorização de residência para brasileiros será ampliada’, diz chanceler de Portugal Leia mais: https://oglobo.globo.com/mundo/autorizacao-de-residencia-para-brasileiros-sera-ampliada-diz-chanceler-de-portugal


O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, visita o Museu do Amanhã: no seu entender, há mercado de trabalho para a grande demanda de imigrantes brasileiros que optam por viver no país
Foto: Custódio Coimbra / CUSTÓDIO COIMBRA

RIO — O atual ministro português de Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, é um franco defensor da abertura de fronteiras às nações amigas, no caso, o Brasil, também inserido na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Ele já ocupou cinco pastas em governos comandados pelos socialistas António Guterres, José Sócrates e António Costa. Sociólogo, foi ministro de Educação, Cultura, Assuntos Parlamentares e Defesa Nacional. Após visitar ontem de manhã o Museu do Amanhã, o chanceler explicou ao GLOBO como funcionaria o sistema em que cidadãos destes países circulariam livremente.
“Vou me mudar para Portugal.” Atualmente, esta frase é muito comum nas rodas de conversa no Brasil. Como o governo enfrenta esta avalanche de brasileiros?
Em primeiro lugar, nós acolhemos todos os brasileiros que demandam Portugal porque isso é bom para a sociedade portuguesa, para a economia e para o relacionamento com o Brasil. A comunidade brasileira é a maior comunidade estrangeira de Portugal, com 80 mil pessoas. Assim como a comunidade portuguesa que reside no Brasil é a maior das Américas. Fomos ainda mais longe. Propusemos, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a criação de um regime de mobilidade interna à comunidade na base da total liberdade de circulação. Parece-nos que esta seria a melhor maneira de construir mais a CPLP: um regime de livre autorização de residência, de portabilidade dos direitos sociais e de reconhecimento recíproco das habilitações acadêmicas e qualificações profissionais. Nós também tivemos nos anos de maior crise a experiência da emigração forçada de portugueses, e isto é sempre ruim. É uma sangria das nossas melhores cabeças, dos nossos melhores braços, da nossa melhor juventude. Eu espero e confio que as dificuldades atuais do Brasil serão superadas e que os brasileiros não se vejam forçados a sair, mesmo que a saída seja para um país tão amigo, como Portugal.
Há mercado de trabalho para tantos imigrantes em Portugal?
Sim, no momento mais agudo da crise, chegamos a ter 17% de taxa de desemprego. Já reduzimos para a metade. Ainda é muito elevada, mas há setores do mercado de trabalho em que se começa a notar falta de mão de obra em Portugal.
‘Nossa proposta ao Brasil tem sido a de facilitar o reconhecimento específico das qualificações e habilitações’
- SANTOS SILVAMinistro dos Negócios Estrangeiros de Portugal
Qual o risco de revivermos o mal-estar diplomático da década de 1990, quando o governo dificultou a permanência dos brasileiros por pressão das categorias profissionais?
Isso tudo está ultrapassado. Neste momento, a nossa proposta ao Brasil tem sido a de facilitar o reconhecimento específico das qualificações e habilitações. Houve avanços em dois domínios muito importantes. Em primeiro lugar, as universidades portuguesas passaram a reconhecer o vestibular como qualificação de acesso ao ensino superior também em Portugal. Por outro lado, houve avanços em relação à aceitação de engenheiros e arquitetos portugueses, por parte das ordens de profissionais brasileiros. Podemos ir mais longe, numa lógica de reconhecimento recíproco automático das habilitações acadêmicas e profissionais.
O senhor acredita que isso é viável?
Depende da nossa vontade. Posso falar apenas do lado de Portugal. Hoje o Brasil é o segundo país que mais se beneficia do nosso regime de autorizações de residência para investimentos, também conhecido como visas gold. A nossa proposta no âmbito da CPLP é que esse regime de autorização de residência anual e renovável seja atribuído não apenas em função do montante de investimento, mas em função da nacionalidade. Isso significa que um brasileiro teria autorização de residência em Portugal por ser brasileiro, seja pobre, rico, empresário ou trabalhador.
Isso quer dizer que as autorizações de residência serão ampliadas ao cidadão de um país da CPLP independentemente se ele investe ou não em Portugal?
Exatamente. Hoje, a autorização de residência faz-se em função de um certo montante de capital. Nós pensamos que isso pode fazer-se também simplesmente em função da nacionalidade. É a nossa proposta que está sendo discutida na CPLP. A regra de ouro dos acordos internacionais é o princípio da reciprocidade. Os visas gold contribuíram para a economia portuguesa, mas as pessoas também contribuem para a economia com o trabalho. Não é preciso ser sócio com capital para contribuir para a economia portuguesa. A nossa proposta é que a CPLP seja um espaço de circulação livre e interna, como funciona a União Europeia.
Já houve avanços nesta proposta?
Nós a apresentamos na Cúpula de Brasília em novembro passado. Foi bem acolhida. Na última reunião com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, combinamos que os dois países estudariam tecnicamente o tema para podermos avançar. Do ponto de vista português, a nossa abertura é total.
‘Numa democracia vigora-se sempre a presunção da inocência’
- SANTOS SILVAMinistro dos Negócios Estrangeiros de Portugal
Pelo menos quatro executivos de construtoras brasileiras envolvidas na Lava-Jato tentaram obter vistos permanentes para morar em Portugal por meio de compra de imóveis. Quais os procedimentos de segurança que o governo português adota na concessão destes vistos?
O primeiro grande elemento de segurança é o funcionamento do sistema judiciário. Estas suspeitas de manipulação dos visas gold estão sendo investigadas pela Procuradoria portuguesa. Aliás, já se passou a fase de acusação, estamos na fase final do inquérito judicial. O sistema de controle é bastante exigente em Portugal porque as pessoas que pedem visas gold têm que estar sujeitas a um escrutínio de segurança, que é feito pelo nosso serviço de estrangeiros e fronteiras. Se for necessário, pelos serviços de inteligência. Sempre que, na base de dados da Interpol, a pessoa de qualquer nacionalidade está registrada, o visto lhe é negado. O que aconteceu, nos casos que você citou, é que ao tempo em que estas pessoas pediram os vistos, não estavam registradas como suspeitos. E numa democracia vigora-se sempre a presunção da inocência. Se eu não estou registrado sendo suspeito acusado numa polícia judiciária, tenho liberdade de circulação. Os vistos não são eternos. São concedidos numa base anual e depois de outros períodos de renovação, que não é automática.
O senhor foi ministro nos dois governos do ex-premier José Sócrates, que é acusado de corrupção em dezenas de processos. Como encarou a sua prisão?
Com muita preocupação e, no momento inicial, com muita surpresa. Durante quatro anos, José Sócrates foi investigado, chegou a estar detido preventivamente, depois passou para a prisão domiciliar. Agora está livre e na fase de acusação. Em Portugal, infelizmente a investigação judicial acaba sendo vazada para a mídia, enquanto deve ocorrer em segredo. Há a violação do segredo de Justiça. Isso faz com que o processo judicial não possa ser conduzido da forma como deve ser, sob total autoridade judicial. Esta fase passou, e agora o Ministério Público produziu uma acusação contra José Sócrates. Ele vai poder defender-se em tribunal. São os tribunais os lugares próprios para verificar se as pessoas são culpadas ou inocentes.
O caso da brasileira fuzilada na rua pela polícia portuguesa mobilizou muito a opinião pública. Como classifica este episódio?
Foi um choque absoluto. Não havia memória de um erro policial desta dimensão e desta gravidade. A inspeção que controla a atuação dos policiais investiga este fato, que é gravíssimo. Nós não pactuamos com isso.
O atual governo português foi visto como modelo por ter uma coalizão inédita de partidos de esquerda. No entanto, o tecido político começa a esgarçar-se, com socialistas e comunistas acusando-se publicamente. Na sua opinião, até quando esta coalizão consegue sustentar o governo?
No que depender do governo, este acordo parlamentar vai durar até o fim do mandato. Nós cumpriremos amanhã dois anos de mandato, ou seja, a metade. As brigas não correspondem a verdadeiras divergências. A arte do acordo que permite o atual governo português é muito delicada, parece um bordado. Mas que tem dois princípios fundamentais. Em primeiro, há compromissos de engajamento escritos de parte a parte. Os partidos que apoiam o governo votam o Orçamento e comprometem-se a não votar leis que prejudiquem a execução do Orçamento. Há áreas em que os partidos não concordam e estão fora do acordo: políticas de defesa, externa e europeia. O governo é do Partido Socialista.
- SANTOS SILVAMinistro dos Negócios Estrangeiros de Portugal
A Europa está convulsionada por ondas de nacionalismos e partidos extrema-direita em ascensão. Por que Portugal ficou imune aos extremistas?
Há uma razão histórica. Nós vivemos quase 50 anos ininterruptos de uma ditadura de extrema-direita. Sabemos o que é e não queremos voltar a isto. Várias das bandeiras principais do populismo não têm acolhimento em Portugal, como a xenofobia e o nacionalismo. Desde o século XV, os portugueses são um povo de emigrantes. Estas bandeiras que os populistas agitam, como "você deve ter medo de muçulmano" ou "você deve ter medo de negro ou de brasileiros", para nós, não querem dizer nada. Outra razão é a estabilidade do nosso sistema político-partidário. Nós temos dois grandes partidos, de centro-direita e do centro-esquerda, que vão se alternando no poder. Isso é uma barreira ao crescimento de partidos populistas. Somos um belo exemplo na Europa.
Como o senhor enxerga a conjuntura europeia? Qual o impacto do Brexit para Portugal?
Temos duas coisas luminosas e duas sombras. As primeiras são uma espécie de reequilíbrio entre França e Alemanha. A Europa dos 27 reagiu muito bem ao Brexit. Eu pensava num efeito dominó que poderia alimentar tendências de saída da UE em países como Dinamarca e Holanda. O que se verificou foi o contrário, uma maior unidade. A primeira sombra, no entanto, é a presença de lógicas separatistas ou nacionalistas ou regionalistas. O caso catalão exige ser tratado cirurgicamente. O projeto europeu não sobrevive à fragmentação das nações que o compõem. A segunda sombra é que, se a negociação do Brexit com o Reino Unido não for bem-sucedida, nós pagaremos um preço alto. Nós, o Brasil e a economia mundial.


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