Não se engane, taxar os ricos não significa que eles irão pagar
A questão dos impostos sobre riqueza, uma proposta política relativamente comum e intensamente apoiada – tendo no Brasil, como uma de suas maiores expositoras a ex-candidata à presidência Luciana Genro – como forma de reduzir as desigualdades e melhorar a distribuição de bens na sociedade é muito mais complexa do que pode parecer ao primeiro olhar.
A teoria é simples: cobrar impostos sobre quem tem mais irá aumentar a arrecadação do Estado, que poderá usar esse dinheiro para prover serviços públicos melhores ou redistribuí-lo entre a população, garantindo uma maior igualdade de riqueza. Mas esta perspectiva esconde alguns dos problemas gerados pela tributação progressiva.
Um estudo do think tank norte-americano Tax Foundation, um dos maiores e mais antigos centros de estudo dedicados à divulgação de pesquisas sobre efeitos de impostos na economia, demonstrou que impostos sobre patrimônio entre 0,5 e 2% para a camada mais rica da população traria uma diminuição de mais de 5% na média salarial dos Estados Unidos, uma diminuição de 6% do PIB, destruiria 1 milhão vagas de emprego e traria um ganho de somente 62 bilhões de dólares ao Estado – uma queda de 6% no PIB representaria cerca de 991 bilhões de dólares a menos na economia todos os anos. Essas estimativas foram feitas com base nas recomendações de Thomas Piketty, em O Capital no Século XXI.
Os estudiosos explicam que isso se deve a pelo menos um fator: os ricos não pagam essas taxas, de diversas maneiras.
“Piketty apresenta uma taxa sobre riqueza como sendo uma maneira bem orientada para reduzir a desigualdade. Isso seria supostamente tirar dos muito ricos sem atingir os pobres ou a classe média. Mas uma surpresa da análise quantitativa, em contraste, é que isso faria todo mundo mais pobre”, afirma Michael Schuyler, Doutor em Economia pela Universidade de Maryland e autor do estudo.
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As sugestões de Piketty dizem que os impostos sobre riqueza devem começar com taxas de 0,5%, para quem tem um patrimônio estimado em cerca 260 mil de dólares. Schuyler argumenta que isso englobaria várias pessoas de classe média que pouparam muito durante a vida a ponto de acumular um patrimônio nesse valor, mas que muitas vezes não tiram ganhos muito altos sobre esses bens.
Outros casos emblemáticos incluem pequenos fazendeiros, que apesar de terem bastante riqueza líquida acumulada, principalmente em terras, possuem um retorno muito baixo sobre esse capital, e pequenos empresários que reinvestem a grande maioria do lucro em sua empresa, tirando com uma margem mínima para si.
Assim, como muitas dessas pessoas, apesar de possuírem um patrimônio relativamente grande, não são ricas, seriam obrigadas a pouparem e investirem menos ou até mesmo vender grande parte de seus bens, como forma de se livrarem dessas taxas. Conforme o autor demonstra, para quem possui um ganho anual de 8% sobre seu capital, uma simples taxa de 1% sobre o patrimônio acumulado levaria a uma redução, em termos reais, de 12,5% no retorno anual desses investimentos; para retornos menores, os impostos podem ser ainda mais danosos.
Quem realmente paga os impostos
Mas taxar os ricos tem um efeito ainda mais perverso. Eles não pagarão esses impostos, por mais que o governo tente forçá-los.
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Táticas de evasão fiscal são conhecidas há muitos anos – a mais famosa é transferir o patrimônio para paraísos fiscais, onde o dinheiro sofrerá menores tributações e, principalmente, ficará “anônimo”.
Mas paraísos fiscais são apenas a ponta do iceberg.
Warren Buffett já dizia que pagava menos impostos do que os faxineiros de seu escritório. E com certeza não está sozinho nessa. Existe uma gama de opções empregadas por milionários para diminuírem virtualmente seus ganhos e seus patrimônios.
Congelamento de ações, falso empréstimos, obras de arte superfaturadas, “presentes” no nome de familiares e até planos de aposentadoria de faixada são alguns exemplos de formas totalmente legais utilizadas por executivos que querem aumentar seus patrimônios ou seus ganhos sem precisarem pagar altos impostos por isso.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os impostos afetam em maior intensidade um trabalhador médio do que um executivo do Top 400 (lista dos 400 mais ricos do país). Enquanto cerca de 23% da renda de um trabalhador vai para os fundos do governos, um milionário gasta em média entre 16 e 18% de sua renda com impostos, graças às brechas na lei que permitem escapar de alguns tipos de dedução fiscal.
Já na França, país onde existem impostos sobre patrimônio similares aos estudados pela Tax Foundation, a situação é caótica. Existem pessoas aposentadas ganhando menos de 700 dólares mensais (menos de R$ 1800) pagando impostos sobre bens, como cita o jornal britânico The Telegraph.
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O aumento do preço da terra e de imóveis nos últimos anos acabou englobando fazendeiros pobres do país, que juridicamente são considerados “ricos”, apesar de seus rendimentos mensais estarem muito abaixo de um trabalhador médio. Gilles Carrez, presidente do comitê de finanças da Assembleia Nacional francesa, estima que devam existir “várias centenas, talvez milhares” de pessoas que pagam mais do que ganham em impostos – confirmando as expectativas da Tax Foundation.
Por outro lado, o jornal mostra também como até mesmo o presidente francês, François Hollande, vem utilizando mecanismo legais e brechas na legislação para pagar quase 7 vezes menos impostos sobre seu patrimônio.
Conforme a Tax Foundation revela em seu estudo, impostos sobre riqueza recaem fortemente sobre toda a população, incluindo os mais pobres, de diversas outras formas.
Com a ajuda de modelos matemáticos, Schuyler estimou que os 20% mais pobres poderiam sofrer um decréscimo médio de 7,3% em seus salários por conta da diminuição da atividade econômica, uma das consequências previstas para a taxação de riquezas.
Um outro efeito desses impostos seria uma espécie de repasse de parte do valor desses impostos aos consumidores.
“Qualquer economista irá te dizer que corporações não pagam impostos. Eles são repassados até os consumidores finais em forma de preços altos”, afirma Tom Giovanetti, presidente do Institute for Policy Innovation.
Assim, o consumidor final ficaria com a conta das altas taxas impostas no topo da pirâmide. Para piorar, o desaquecimento da economia também atuaria nessa questão: com menos players no mercado a tendência é que a oferta de bens e serviços diminua, consequentemente, aumentando os preços.
Tais problemas também foram pesquisados pela Tax Foundation em seu relatório e apontam para aumentos de, em média, entre 11 e 12% no preço de serviços.
O último a sair, que apague a luz
E quando os impostos se tornam pesados demais, mesmo com as brechas legais, os milionários podem recorrer a uma alternativa que pode custar muito caro à geração de empregos e o crescimento para seu país: o exílio.
Tomando novamente como exemplo a França, de Thomas Piketty, onde os impostos de renda podem chegar a 85% e existe forte tributação sobre o patrimônio e ganhos de capital, a situação mais uma vez converge para as expectativas da Tax Foundation.
Em 2013, um estudo conduzido pelo think tank francês Concorde concluiu que o país pode estar perdendo cerca de 1 milhão de postos de emprego, em decorrência da fuga de investidores do país.
De acordo com o instituto, cerca de 3% dos mais de dois milhões de franceses que vivem no exterior são donos de empresas que empregam pelo menos 10 pessoas. Caso estes empreendedores estivessem hoje na França, existiriam mais 60 mil empresas gerando empregos no país, que gerariam cerca de 1 milhão de postos de trabalho a mais na economia.
Como conclui Schuyler, em seu relatório para a Tax Foundation, é impossível evitar que os empreendedores fujam. Segundo ele explica, para o governo contornar o problema de evasões fiscais dentro de seu país seria necessário um imensa investigação minuciosa, da vida e das propriedades de cada cidadão, cujos custos não compensariam o retorno. A nível mundial, seria totalmente insustentável.
Ele ainda acrescenta que, mesmo no cenário utópico descrito por Piketty, onde todos os governos adotassem políticas fiscais transparentes e taxassem patrimônios, caso os governos não tomassem medidas drásticas e insustentáveis de investigação, a evasão continuaria a existir e muitos ricaços continuariam pagando muito pouco – ou nada – perto do que deveriam.
Apesar desses problemas, o autor não nega que as propostas de Piketty sejam ineficientes em reduzirem a desigualdade, pelo contrário:
“As maiores perdas seriam para a classe média e para os pobres, e ocorreriam porque a taxação de riqueza levaria a menos empregos, menores salários e uma diminuição da oferta de bens e serviços. Em suma, a taxa sobre riqueza proposta por Piketty levaria sim, a uma redução da renda [dos mais ricos] e uma menor desigualdade de riqueza, mas ao custo de fazer todo mundo significativamente mais pobre”, conclui.
A prática ineficaz e prejudicial de taxar os mais ricos foi abandonada por diversos países nos últimos anos – como na Áustria , Dinamarca (1995), Alemanha (1997), Finlândia (2006), Luxemburgo (2006) e Suécia (2007). E os motivos são sempre os mesmos. Na Alemanha, o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) declarou a medida ilegal justificando que “o imposto dá assim origem a um dilema: ou é ineficaz no combate à desigualdade, ou é confiscatório – e é por essas razões que os alemães escolheram eliminá-lo”. Ainda assim, a ideia ressurgiu com força nos últimos meses graças ao sucesso da obra de Piketty. Obama anunciou no tradicional discurso do Estado da União, há poucos dias, um plano que parte do pressuposto de aumentar os benefícios à classe médiaelevando os impostos dos mais abastados. A Grécia viu nesse final de semana a vitória da extrema-esquerda prometendo o mesmo discurso. Resta agora convencer os ricos.
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